Anais do 1º Encontro Anual da Rede Brasileira de Estudos e Práticas Anticorrupção incluem trabalho sobre a Comissão Parlamentar Especial pela Transparência em Florianópolis

Criada pela Transparência Internacional Brasil, no ano de 2021, com o apoio da Fundação Konrad Adenauer, a Rede Brasileira de Estudos e Práticas Anticorrupção é formada por especialistas atuantes em espaços públicos e privados. A iniciativa tem como objetivo o fomento, a ampliação, a aplicação e a perenização do conhecimento sobre o fenômeno da corrupção no Brasil, bem como a capacitação de atores-chave da área. A Rede é pautada pelo compromisso acadêmico, pela pluralidade de ideias e pela defesa do Estado Democrático de Direito (https://eventos.congresse.me/encontroanualdarede).    

Para o alcance dos objetivos delineados, a Rede Brasileira de Estudos e Práticas Anticorrupção prevê, dentre suas principais atividades, a promoção e organização de eventos que contemplem o tema da corrupção em seus diversos campos do conhecimento, como a ciência política, o direito, a administração pública, a economia, a sociologia e a antropologia.

Dessa forma, entre os dias 24 a 26 de novembro de 2021, foi realizado o 1º Encontro Anual da Rede Brasileira de Estudos e Práticas Anticorrupção.

O evento reuniu pesquisadores e profissionais atuantes no campo anticorrupção, para que conheçam pesquisas recentes e relevantes da área e para que tenham contato com as melhores práticas desenvolvidas por especialistas.

Os anais publicados no site do evento incluem um trabalho escrito por membros do grupo de pesquisa Politeia, sob autoria de Camila Pagani (@camilapag), Victoria Araujo (@viaraujoo) e Paula Schommer (@paulachieschommer). O trabalho apresentado versa sobre a constituição e atuação da Comissão Parlamentar Especial pela Transparência no município de Florianópolis (CPE).

O artigo intitulado “Transparência para accountability: resultados da constituição e atuação da Comissão Parlamentar Especial pela Transparência no
município de Florianópolis”, teve como objetivo apresentar os resultados do trabalho desenvolvido pela CPE e analisar alguns aspectos atinentes ao processo de constituição da Comissão e seus principais resultados.

Esta Comissão teve por finalidade a elaboração de uma proposta de política municipal de transparência na Administração Pública de Florianópolis, por meio da cooperação institucional entre a Câmara Municipal, demais entes públicos, academia e sociedade civil, durante o período de novembro de 2019 a agosto de 2020. A CPE atuou em três eixos de trabalho, Legislação e transparência, Serviços e Compras Públicas e Participação e Controle Social, contemplando um diagnóstico sobre os principais problemas e possíveis
soluções para o município. Ao final dos trabalhos da comissão, foi proposto o Projeto de Lei 18.124/2020, com definições, princípios, diretrizes e objetivos relacionados à transparência no município.

Esse processo reflete o compromisso de diferentes atores, incluindo governo, sociedade civil, academia, mídia, e reflete uma oportunidade de #coprodução de serviços públicos, a partir da formação, pesquisa, aprendizagem e trabalho conjunto de diferentes parceiros.

Fonte: https://eventos.congresse.me/encontroanualdarede

Transparência no Processo de Tramitação de Leis na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Alesc

Por Dienefer Leopoldo, Heitor Assunção, Izabela Lima, Luciana Xara*

No Brasil, o processo de institucionalização do direito de acesso à informação pública ocorreu após a redemocratização do país, depois do regime ditatorial (1964-1985). Na Constituição Federal de 1988, são estabelecidas as bases legais do direito de acesso à informação pública no Brasil. A partir disso, foram criados diversos mecanismos e legislação específica para promover a transparência, favorecendo o controle da gestão pública e a participação cidadã.

Décadas mais tarde, a Lei de Acesso à Informação, LAI (nº 12.527/2011) representou um importante avanço para o desenvolvimento do direito de acesso à informação pública. Porém, o início da validade da lei coloca o desafio ao Estado e à sociedade de transformá-la em um instrumento efetivo de apoio para a construção de um governo mais transparente e responsivo.

Desta forma, discutiremos sobre a transparência no processo de tramitação das leis na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina – ALESC, com o intuito de destacar a importância de mecanismos ativos que efetivem a transparência e promovam a accountability no Legislativo.

Para iniciarmos, é importante ter conhecimento sobre o fluxo de tramitação das leis dentro do legislativo (Figura 1), documento disponível no sítio eletrônico da ALESC. 

Figura 1: Fluxograma de tramitação | Fonte: Alesc, 2022

O processo de tramitação de projetos de leis adotado pela ALESC conta com ferramentas e canais que buscam promover a transparência e a accountability, podendo-se citar: a Comissão de Transparência Institucional, que se divide em duas frentes, a que relata o que está acontecendo no Parlamento e, a outra, que atua como receptora de demandas a serem debatidas no Parlamento; o programa PUSH ALESC, que serve para acompanhamento dos projetos de interesse, mediante cadastro prévio; e, também, o Diário Oficial da Assembleia, canal responsável por tornar públicos todos os atos legislativos e administrativos praticados no órgão.

Conforme observamos, o processo legislativo é complexo e exige canais que viabilizem a participação cidadã. Atualmente, além dos mecanismos mencionados, a ALESC conta com a transmissão ao vivo  pela TV AL e a Rádio AL Online de audiências públicas, sessões e reuniões de comissões abertas ao público. A Agência AL é a responsável pela produção de reportagens e fotografias, além do canal de Transparência ALESC e a Ouvidoria.

Buscando conhecer mais detalhes sobre o tema, realizamos uma entrevista com o servidor Brian Michalski, anteriormente responsável pela comissão de transparência, hoje lotado na Diretoria Legislativa. Essa entrevista pode ser acessada através do link: https://www.youtube.com/watch?v=-1i_dOui9oo. Vale muito ouvir!

Figura 2: Entrevista dos autores com Brian Michalski disponível no YouTube

Mediante a contribuição do Brian, podemos destacar alguns pontos importantes: o primeiro, é a existência de grupos engajados em promover a accountability no legislativo e participar do processo legislativo, em temas de seu interesse. Entre eles, estão  certos grupos mais organizados, mas a maioria dos afetados pelas leis geralmente está desorganizada e não se mobiliza para exercer  poder de influência. 

É importante, portanto, que legisladores e interessados nos temas promovam a participação cidadã e que se busque considerar a  necessidade de previsão das consequências das ações manifestadas nas leis a serem aprovadas, no portal de transparência e por outros canais de comunicação da ALESC. É  importante  também o papel da mídia corporativa e da imprensa profissional na repercussão e discussão das  informações sobre as leis em tramitação. 

Pode-se concluir que, embora tenhamos evoluído muito no que diz respeito a accountability no Poder Legislativo, ainda encontramos espaço para aprimoramento da comunicação entre legisladores e população, sobretudo em relação aos grupos menos mobilizados e afetados pelas leis, bem como a melhoria dos mecanismos de controle para aprimorar as políticas, os serviços e a gestão pública. 

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Dienefer Leopoldo, Heitor Assunção, Izabela Lima e Luciana Xara, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 15 fev. 2022

DE ANDRADE, Rodrigo Gondin; RAUPP, Fabiano Maury. Transparência do Legislativo local à luz da Lei de Acesso à Informação: evidências empíricas a partir dos maiores municípios brasileiros. Desenvolvimento em Questão, v. 15, n. 41, p. 85-130, 2017. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/752/75252699005/html/. Acesso em 07 fev. 2022. 

SANTA CATARINA. Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Estrutura organizacional Santa Catarina. Santa Catarina, SC. Disponível em: https://www.alesc.sc.gov.br/. Acesso em 01 fev. 2022. 

SANTA CATARINA. Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Transparência ALESC. Santa Catarina, SC. Disponível em: https://transparencia.alesc.sc.gov.br/faq.php. Acesso em: 01 fev. 2022.

Transparência e Dados Abertos: caminhos e desafios na construção de leis e sua implementação em Florianópolis

Por Ismael Tiago Motta, Luiz Carlos Ferreto Junior, Paulo Aranalde Carvalho e William Otoniel*

Como são elaboradas as leis que promovem transparência e dados abertos em municípios? Quem costuma participar do processo? Como se pode assegurar e acompanhar sua implementação?

Essas e outras questões nos levaram a investigar o tema no âmbito do município de Florianópolis. Nos acompanhe para saber um pouco do que descobrimos.

Um dos temas centrais da sociedade contemporânea tem sido a democratização do Estado no sentido de prover à sociedade informações relativas a seus atos, além de justificar suas omissões. Nisso se fundamenta a accountability, o prestar contas e a responsabilização a que gestores estão sujeitos, por seus atos e omissões, passíveis de serem punidos ou reconhecidos e valorizados. Dessa forma juntam-se elementos como responsabilização, fiscalização e controle social no sentido de melhorar a governança pública e o acesso e a qualidade dos serviços públicos, além de combater a corrupção e o desperdício, trazendo assim benefícios a toda a sociedade.

Contribuem para isso dispositivos legais no âmbito federal dispondo sobre transparência de dados, como a Lei da Transparência (LC 131/2009), a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), bem como a Lei n. 13.460/2017, que dispõe sobre a participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários dos serviços públicos da administração pública. Dessa forma, vão se construindo pontes legais que possibilitam o controle social pela sociedade, das ações do setor público e seus agentes.

A Câmara Municipal de Florianópolis, CMF, é o órgão do poder local que abriga o Poder Legislativo do Município e é composta por representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional. O legislativo municipal atua na produção de leis e na fiscalização do Poder Executivo, com o objetivo de preservar o bem estar da comunidade e promover conexões entre a administração pública e os cidadãos. Em sua área de atuação, a Câmara Municipal propõe, delibera e vota Projetos de Leis, Projetos de Decretos Legislativos, Projetos de Resoluções e demais matérias. 

Alinhado às políticas de controle social e transparência emanadas do ente federal e a demandas de segmentos locais, o município de Florianópolis instituiu o Portal Da Transparência de Florianópolis (Lei 9.447/2014) e a Política de dados abertos do Poder público municipal (Lei 10.584/ 2019).

Ainda, foi estabelecida a Comissão Parlamentar Especial (CPE) pela Transparência na Administração Pública de Florianópolis, a partir do Requerimento 382/2019, em 12 de novembro de 2019, com o objetivo de elaborar uma proposta de “Política de Transparência na Administração Pública de Florianópolis”, por meio de uma cooperação interinstitucional entre a Câmara Municipal de Florianópolis, demais entes públicos, academia e sociedade civil. Esses atores, se reuniram e elaboraram um diagnóstico e um projeto de lei orientado à construção de uma agenda municipal permanente, voltada à transparência, aos dados abertos e à participação cidadã.  

Assim, chegou-se ao Projeto de Lei nº 18.124/2020, que dispõe sobre a instituição da Política Municipal da Transparência em Florianópolis. Esse projeto deu entrada na Câmara no dia 23 de setembro de 2020 e desde então percorre o trâmite legislativo, que inclusive teve mudança de mandato nesse período, cujas comissões analisam e emitem pareceres durante a sua tramitação. Na Figura 1 estão alguns dos principais passos. Mais detalhes sobre a tramitação aqui.

Figura 1 – Algumas etapas do trâmite do Projeto de Lei nº 18.124/2020

Fonte: CMF/Consulta a projetos/PL/18124/2020 – Elaborado pelos autores (2022)

O processo de tramitação dos projetos de lei podem passar por algumas das 13 comissões avaliadoras da Câmara, requerendo tempo para aprovação ou rejeição de um Projeto de Lei. As discussões são importantes, pois, ao ampliar o debate, permitem diferentes perspectivas. Porém, nem sempre a tramitação pelas diversas comissões conta com a participação dos diferentes segmentos interessados e dos que contribuíram na construção de um projeto de lei. A mobilização durante todo o período de tramitação pode vir a ser um fator que distancia seus agentes das alterações que o texto original do projeto de lei pode sofrer, dessa forma ocorrendo alterações sem o devido debate com os autores que o idealizaram.

Assim, ressaltamos que o debate deve prosseguir ativo, com participação daqueles que o idealizaram e outros que se somam durante o processo, mantendo uma agenda contínua de acompanhamento e vigilância. O controle social e a accountability são processos contínuos e permanentes.

 A partir dessa análise, suscitam questionamentos de como projetos de lei são acompanhados. O PL 18.124/2020 no momento encontra-se em tramitação percorrendo as comissões parlamentares da câmara municipal, entretanto, existe algum acompanhamento pelo grupo de cooperação interinstitucional: Câmara Municipal de Florianópolis, demais entes públicos, academia e sociedade civil?

Aqui se faz oportuno um questionamento sobre a Lei n. 10.584/2019, que versa sobre a Política de Dados Abertos do Município. Apesar de ser um importante avanço legal e social no quesito transparência e abertura de dados, e fruto de um longo debate na Câmara de Vereadores de Florianópolis, a partir de um projeto construído em colaboração entre estudantes de administração pública da Udesc Esag e o gabinete do vereador Gabriel Meurer, a sua implementação não está sendo executada com a devida transparência, conforme já apontado por Pedro Braga Montoya e Thaynná Machado Sene (2021) em artigo sobre a transparência em Florianópolis. 

Em  agosto de 2021, os estudantes não conseguiram obter informações sobre o andamento da implementação. A situação em fevereiro de 2022 não é diferente, pois buscamos novamente informações sobre a implementação da Política de Dados Abertos em Florianópolis, e também não se obteve resposta. Cabe ressaltar que a Lei n. 10.584/2019, em seu artigo 13, determina prazos para que o Poder Executivo e o Poder Legislativo Municipal apresentem um relatório sobre as atividades desenvolvidas no ano anterior, bem como sua evolução. 

Portanto, evidencia-se que os elementos de controle, fiscalização, prestação de contas e responsabilização integram um processo contínuo de accountability, no qual os diversos segmentos da sociedade, ao se unirem ao legislativo, podem contribuir para elaborar leis, acompanhar sua tramitação e, sobretudo, sua execução. Os atores ali envolvidos, governo e cidadãos, deverão estar em contínua mobilização, dialogando entre si, com base em transparência e vigilância, transformando a accountability não apenas num instrumento isolado que se encerra num decreto, uma lei ou relatório, mas num instrumento permanente de controle social, edificando uma sociedade mais justa e cidadã.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Ismael Tiago Motta, Luiz Carlos Ferreto Junior, Paulo Aranalde Carvalho e William Otoniel, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Sobre a Lei de Acesso à Informação. Disponível em:<

https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/servico-de-informacao-ao-cidadao/sobre-a-lei-de-acesso-a-informacao>. Acesso: 12 dez. 2021.

CÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Cpe Da Transparência. Em de agosto de 2020. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=-8-DU4g3iBQ.>. Acesso: 12 de dez. 2021.

CÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Portal. Disponível em:<https://www.cmf.sc.gov.br/>. Acesso: 12 de dez. 2021.

FLORIANÓPOLIS. Câmara Municipal de Florianópolis. Disponível em: <https://www.cmf.sc.gov.br/>. Acesso: 12 de dez. 2021.

FLORIANÓPOLIS. Projeto de Lei PL./18124/2020. Câmara Municipal de Florianópolis. Disponível em: Disponível em: <https://paperlessgov-editor.cmf.sc.gov.br/visualizador/publico/anexo/1261>. Acesso: 12 dez. 2021.

LEIS MUNICIPAIS. Lei N° Nº 10.584, de 02 de Agosto de 2019. Institui A Política De Dados Abertos Do Poder Público Municipal. Disponivel em:<https://leismunicipais.com.br/a1/sc/f/florianopolis/lei-ordinaria/2019/1059/10584/lei-ordinaria-n-10584-2019-institui-a-politica-de-dados-abertos-do-poder-publico-municipa>. Acesso 12 de dez. 2021.

LEIS MUNICIPAIS. Lei Nº 9447, de 20 de Janeiro de 2014. INSTITUI O PORTAL DA TRANSPARÊNCIA DE FLORIANÓPOLIS. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a1/sc/f/florianopolis/lei-ordinaria/2014/945/9447/lei-ordinaria-n-9447-2014-institui-o-portal-da-transparencia-de-florianopolis?q=9447>. Acesso: 12 de dez. 2021.

POLITEIA. Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão. Ed. Camila Pagani. 2020. Disponível em:<https://politeiacoproducao.com.br/comissao-parlamentar-especial-pela-transparencia-no-municipio-de-florianopolis/>. Acesso: 12 de dez. 2021.

Transparência e participação cidadã na iniciativa de governo aberto em Santa Catarina

Por Daniela de Jesus Lumertz, Douglas Davi Silveira, Luiza Debastiani e Silva e Verônica Pereira de Souza*

Santa Catarina começou a desenvolver, em março de 2021, um conjunto de ações incluídas em seu 1º Plano de Ação para promover o governo aberto no Estado, com o  intuito de aperfeiçoar de maneira contínua os serviços públicos, além de prevenir e combater a corrupção. Para que essa intenção se concretize, o Poder Executivo Estadual dispõe de dispositivos legais, seu aparato de servidores e recursos e parcerias com cidadãos e organizações locais, nacionais e internacionais para realizar e consolidar a abertura contínua de governo. As ações desse plano, orientadas pela Visão Estratégica de Governo Aberto, são uma forma para movimentar e impulsionar a abertura do governo em Santa Catarina (OGP, 2021).   

Neste texto, será analisado este 1º Plano de Ação, em especial suas ações voltadas para a promoção da transparência e da participação cidadã, explorando conceitos e projetos relacionados a essas áreas.  

De onde surgiu essa iniciativa de promoção do Governo Aberto no Estado de Santa Catarina? 

Santa Catarina possui em seu histórico ações que corroboram com o conceito de governo aberto, contando com instâncias de colaboração entre sociedade e setor público, um aspecto fundamental de governo aberto. Embora exista um avanço nessa aproximação entre Estado e sociedade, é percebido pelo próprio governo de Santa Catarina a ausência de uma visão de longo prazo para o fomento dessa colaboração, bem como a instalação de meios sistemáticos e continuados que fomentem a participação cidadão e a transparência pública (OGP, 2021).  

Dito isso, integrantes do governo de Santa Catarina entendem a importância das ações voltadas para o Governo Aberto, como forma de aprimorar suas práticas que tange a participação social, transparência e accountability, áreas estas fundamentais para o desempenho e a democratização do Estado e da própria sociedade. Por conta disso, Santa Catarina vem procurando empenhar esforços para se tornar uma referência em inovação, transparência e participação social. Este desejo se traduziu na participação de Santa Catarina na Parceria pelo Governo Aberto (Open Government Partnership, OGP) e na construção do seu 1º Plano de Ação (OGP, 2021).  

Para desenvolver esse 1º Plano de Ação, houve a colaboração de múltiplos agentes, como cidadãos, universidades, órgãos e entidades dos governos estaduais e municipais, organizações da sociedade civil, câmara de vereadores, empresas e outras organizações privadas. Para que esse grupo diversificado de colaboradores pudesse articular e criar em conjunto as ações de governo aberto, foram organizadas mesas temáticas, cada uma com um dos temas a ser deliberado. As mesas foram escolhidas pelo Grupo Motor, que coordena o processo, e os coordenadores de projetos em curso no Estado. Em cada mesa, houve participação de organizações governamentais e da sociedade civil, buscando-se alcançar certo equilíbrio entre os dois grupos (OGP, 2021). Os temas das mesas foram:   

  • Compras Públicas e Contratação Aberta; 
  • Transparência Ativa; 
  • Participação do Usuário e Avaliação dos Serviços Públicos; 
  • Articulação de Governo Aberto e Controle Social nos Municípios. 

Dessas mesas surgiram projetos relacionados às quatro temáticas mencionadas, sendo que aqui focalizamos aqueles mais diretamente relacionados com a transparência e a participação cidadã.

Transparência

O plano de Ação de Santa Catarina possui uma mesa temática relacionada à transparência ativa. Esta define  como compromisso “reestruturar instrumentos de transparência ativa utilizando desenho centrado no usuário para melhorar a qualidade, usabilidade e acessibilidade da informação pública, inclusive com a disponibilização de formatos abertos”. 

Está sendo desenvolvido o projeto de reestruturação e aperfeiçoamento continuado e participativo do Portal da Transparência. Busca-se criar um plano de melhoria continuada do Portal, para ampliar a participação social, transformando a estrutura da informação, em que as pesquisas dos dados e informações se tornem mais intuitivas e orgânicas, e melhorando a qualidade e a atualização dos conteúdos do portal através de novos canais de comunicação bidirecionais.

Este projeto se iniciou em janeiro de 2021 e está previsto para se encerrar em junho de 2022, totalizando um esforço de 18 meses para sua conclusão (CGE, 2021). Para desenvolvê-lo, são despendidos esforços como o benchmarking em portais (nacionais ou não), a análise e levantamento das funcionalidades necessárias para essa nova versão do portal (backlog de funcionalidades), modelagem da navegação do portal, a criação de um protótipo, seguida de testes para seu refinamento, e a implementação de funcionalidades (CGE, 2021).  

Dentre as dificuldades mapeadas que justificam essa reestruturação do portal, estão a falta de agilidade atual, a incompatibilidade de informações dentro do site,  informações incompletas e a ausência de um canal para que o cidadão possa dar feedbacks (CGE, 2021).  

Uma abordagem que pode ser útil para o grupo é a da Transparency by Design, termo que designa um método criado por Cavoukian (2009), que imaginou uma visão holística e integrativa referente à proteção da privacidade, com o objetivo de ajudar as organizações a promover a transparência. Esse método refere-se a um princípio de que os dados sobre o funcionamento do governo são, automaticamente, abertos, podendo ser acessados e interpretados facilmente sem serem pré-processados ou pré-definidos. Dessa forma, deve-se garantir que todos os dados relevantes de uma supervisão pública sejam disponibilizados à população, de forma clara (FELZMANN et al., 2020).

A Transparency by Design atua como uma orientação prática a fim de ajudar a promover as funções da transparência, enquanto mitiga seus desafios em ambientes que necessitam da tomada de decisão. O desenvolvimento da transparência é um equilíbrio entre desejabilidade e viabilidade. Por essa razão, o ideal de um sistema transparente completo só pode ser atingido com grandes despesas e esforços de longo prazo (FELZMANN et al., 2020).

Dessa forma, é importante refletir: para quem uma situação transparente é criada? Para quem tem conhecimento e tempo para usá-lo? Ou o objetivo é criar “transparência num piscar de olhos”, de modo que qualquer pessoa com um diploma de ensino médio e alguns minutos possa entender a situação? 

Segundo Felzmann el al. (2020), o nível ideal de transparência seria aquele em que a transparência desejada e alcançada correspondesse à perspectiva do indivíduo e de um grupo. Já que diferentes partes interessadas têm diferentes expectativas e percepções de transparência, negociar esse ponto é  visto como um grande desafio.

Portanto, ao implementar esse método, as organizações podem perceber os benefícios da transparência de maneira prática, incluindo o fomento da confiança, facilitando a responsabilização, apoiando a autonomia e permitindo um nível mais alto de controle. Ao mesmo tempo, é fundamental estar consciente das complexidades e da inserção da transparência com suas limitações associadas (FELZMANN et al., 2020).

Participação cidadã

O Plano de Ação de Santa Catarina possui duas mesas temáticas relacionadas diretamente à participação cidadã, além de este ser um princípio mais geral de todo o processo. A primeira tem como compromisso “promover princípios e práticas de governo aberto e controle social em municípios catarinenses, incentivando a aprendizagem compartilhada e articulando iniciativas de governos e sociedade civil nos âmbitos local e estadual”. A outra é a que busca “promover a participação social para aperfeiçoamento dos serviços públicos através da instituição de conselho de usuários, criação de ferramenta tecnológica de avaliação de serviços digitais e melhoria do sistema de ouvidoria e acesso à informação”.

Esses dois compromissos do Plano de Ação apresentam características de controle social que promovem a participação coletiva, como, por exemplo, através de conselhos de usuários e do controle social em municípios. 

A participação e o controle social estão relacionados. Os cidadãos, através da participação na gestão pública, podem orientar os governos para que sejam adotadas medidas que atendam ao interesse público, e ao mesmo tempo podem exercer controle sobre a ação do Estado, exigindo que o gestor público preste contas de sua atuação, com mais transparência e accountability.  A  participação  popular,  “no  que  tange  à  elaboração  de  políticas  embasadas  em  dados e informações públicas governamentais ou não (entre outras ações e possibilidades), se destaca como um  dos  fatores  de  transformação  social” (SANCHEZ, MARCHIORI, 2017, p.105). 

De acordo com Arnstein (2019, p. 24), a participação cidadã constitui um sinônimo para poder cidadão. A participação é a redistribuição de poder que permite aos cidadãos sem-nada, quando excluídos dos processos políticos e econômicos, serem ativamente incluídos no futuro.

Segundo Wijnhoven et al. (2015, p.30), as novas plataformas da internet tornam mais fácil para os cidadãos articular suas opiniões e interagir com a administração pública e representantes políticos. Além disso, “essas plataformas também podem aumentar a aceitação de decisões políticas, porque os cidadãos podem compreender quem e quantas pessoas apoiam uma decisão” (WIJNHOVEN et al. 2015, p.30).

É possível analisar e identificar em qual etapa de participação cidadã que determinado governo se encontra. É o que apresenta um clássico texto de Arnstein, publicado originalmente na década de 1970. De acordo com esse estudo, a partir da experiência da autora na gestão pública e na academia, a participação cidadã pode ser representada através de oito  degraus  de participação, que simbolizam os níveis de participação cidadã existentes em qualquer estrutura política, social ou econômica. 

Esses degraus são divididos em 3 estágios. O primeiro é chamado de  “Não participação” e nele as pessoas não participam efetivamente do planejamento ou da  realização de programas, “mas os detentores do poder estabelecem alguns espaços – audiências, reuniões comunitárias, etc.- e se utilizam destes para mascarar um tipo de participação” (SANCHEZ e MARCHIORI. 2017 p.114). No segundo estágio, chamado de “esforços simbólicos de participação”, os cidadãos podem ouvir e ser ouvidos, porém eles não têm o poder de assegurar que seus pontos de vista serão atendidos. Quando a participação é restrita a esses níveis, não há acompanhamento e, portanto, não há garantia de mudanças. O patamar mais alto dessa “escada” é chamado de “Poder do cidadão”, que inclui a tomada  de  decisão,  representada pelo degrau 6 (Parceria), que lhes permite negociar com detentores de poder tradicionais a possibilidade de tomada de decisão,  a “Delegação de Poder” (degrau 7) e o “Controle cidadão” (degrau 8), nos quais os cidadãos podem atingir pleno poder gerencial sobre certo projeto ou tema (SANCHEZ e MARCHIORI. 2017 p.114). 

Figura 1: Oito degraus de uma escada de participação cidadã | Fonte: ARNSTEIN, Sherry. A ladder of citizen participation. In: The city reader. Routledge, 2015, p.26

Para Arnstein (2015, p. 25), conhecer esta gradação possibilita cortar os exageros retóricos e entender tanto a crescente demanda por participação por parte dos sem-nada, como o leque completo de respostas confusas por parte dos poderosos.

Além dessa clássica “escada da participação cidadã”, de Arnstein, diversas outras tipologias de participação podem ser úteis aos envolvidos em processos de governo aberto, para avaliar o compartilhamento de poder, as expectativas de cada envolvido e as contribuições dos participantes ao processo.

Além disso, Hilgers (2012, conforme citado por WIJNHOVEN et al. 2015, p.31) afirma que a participação no governo aberto tem três metas: ideação e inovação cidadã, fonte cidadã e democracia colaborativa. Ideação e inovação cidadã visam reunir conhecimento externo, principalmente dos cidadãos, para melhorar as realizações da administração pública. A fonte cidadã visa o apoio do cidadão nas tarefas diárias da administração pública. Por último, a democracia colaborativa reúne iniciativas governamentais abertas para processos de decisão política (HILGERS, 2012 apud WIJNHOVEN et al. 2015, p.31). Democracia colaborativa procura respostas para questões normativas para desenvolvimentos futuros da sociedade.

É com base nesses conceitos e com uma análise da situação atual da participação cidadã no estado de Santa Catarina que é possível identificar caminhos  que proporcionem maior grau de compartilhamento de poder entre governantes e cidadãos.

Exemplos Internacionais

Entendemos que são muitos os desafios que envolvem a utilização da participação cidadã, porém trazemos como sugestão que as iniciativas internacionais a seguir sejam analisadas como exemplo, e que possam auxiliar no debate quanto às ações a serem tomadas para uma participação social mais direta e próxima do cidadão.

  • Sciencewise é uma iniciativa em que cidadãos do Reino Unido podem participar do projeto de políticas públicas através de um projeto de diálogo público. Segundo o site da iniciativa, eles ajudam a garantir que as políticas sejam informadas pelas opiniões e aspirações do público.

Figura 2: Página inicial do site Sciencewise | Fonte: elaborado pelos autores, 2022

  • Challenge.gov é o ambiente virtual onde instituições governamentais dos Estados Unidos podem postar problemas e esperar possíveis soluções dos cidadãos, sendo este  um exemplo de ideação e inovação cidadã. 

Figura 3: Página inicial do site Challenge.Gov | Fonte: elaborado pelos autores, 2022

  • FixMyStreet: o cidadão pode informar sobre problemas nas estradas e lugares que precisam de manutenção no Reino Unido. Essa iniciativa ajuda a  poupar mão de obra, fornece informações sobre infraestrutura e possibilita uma resposta mais rápida ao problema postado.

Figura 4: Página inicial do site FixMyStreet | Fonte: elaborado pelos autores, 2022

  • Buergerhaushalt.org é um exemplo de meio para a democracia colaborativa de projetos de “orçamento participativo”, no qual os cidadãos podem fazer sugestões sobre os ativos no próximo exercício financeiro. Contudo, não é necessário buscar somente em fontes externas exemplos sobre orçamento participativo, visto que o Brasil é referência nessa iniciativa, que foi instituída pela primeira vez em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no ano de 1989, e que, desde então, foi difundida e adaptada globalmente.

Figura 5: Página inicial do site Challenge.Gov | Fonte: elaborado pelos autores, 2022

Os cidadãos podem participar, também, do processo de abertura de dados através da utilização dos portais de dados abertos, efetuando pesquisas, analisando, visualizando o conjunto de dados e compartilhando suas descobertas. Dados abertos capacitam o cidadão a ser mais bem informado sobre o que o governo decide e fornece como, por exemplo, escolher uma escola melhor ou serviço de saúde, entender onde o dinheiro público foi gasto ou estar ciente dos problemas ambientais na sua área.

Por fim, compreendemos que o Governo do Estado de Santa Catarina tem realizado iniciativas em governo aberto através da parceria com a Open Government Partnership (OGP), rede que inclui iniciativas de muitos países e locais pelo mundo e que é fonte de estímulo, ideias e apoio para ações continuadas e transformadoras. Entendemos, também, que o incentivo à participação cidadã é um grande desafio a ser continuamente reconhecido e trabalhado, em conjunto entre governos e sociedade. 

Para que seja possível uma ampla e intensa participação social, é necessário que o governo considere as diferentes necessidades e capacidades da cidadania, entenda os usuários de cada serviço, identifique e ouça o que os cidadãos precisam, crie interfaces fáceis e que o acesso aos dados e às ferramentas de participação social sejam de fácil compreensão e que seja oferecido um feedback sobre o que é feito com a contribuição para motivá-los a participar. Outro ponto importante é o cuidado necessário para que grupos marginalizados também façam parte e contribuam com sua participação. Caso contrário, corre-se o risco de reforçar as estruturas existentes, focando apenas naqueles que já possuem mais capacidades e acesso à tomada de decisões.

Entendemos que a tecnologia e a informação são sim necessárias, embora não suficientes, para proporcionar transparência. Além da transparência, é por meio da proximidade em ações conjuntas e da abertura dos governos aos cidadãos, que estes  encontram a possibilidade de realmente participar na tomada de decisão dos governos e na implementação das políticas públicas, na coprodução dos serviços públicos e no monitoramento e avaliação dos resultados.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Daniela de Jesus Lumertz, Douglas Davi Silveira, Luiza Debastiani e Silva e Verônica Pereira de Souza, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

 Referências

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SANCHEZ, Cristiane Sinimbu; MARCHIORI, Patricia Zeni. Participação Popular no Contexto das iniciativas de Governo Aberto: revisão sistemática da literatura. Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais-RPPI, v. 2, n. 2, p. 103-118, 2017. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/rppi/article/view/34564/18994 Acesso em 14 fev. 2022
MEIJER, Albert J.; CURTIN, Deirdre; HILLEBRANDT, Maarten. Open government: connecting vision and voice. International review of administrative sciences, v. 78, n. 1, p. 10-29, 2012. Disponível em https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/0020852311429533 Acesso em 15 fev. 2022

Por que o Espírito Santo é líder em transparência entre os estados brasileiros e o que isso tem a ver com melhorias em gestão e governo aberto?

Por Leandro Andrade do Nascimento, José Victor de Andrade Ramos, Izadora Estruzani Queiroz de Melo e Camila Galliza Fagundes* 

Você sabe qual o significado de Governo Aberto? Será que isso tem algum impacto na vida do cidadão comum? O fato de o Espírito Santo figurar como destaque em se tratando de transparência gera benefícios para a população capixaba?

Para responder a essas indagações, inicialmente, é preciso entender o conceito e as características de Governo Aberto. A Parceria para o Governo Aberto (Open Government Partnership – OGP) consiste em uma iniciativa internacional voltada à difusão e ao incentivo de práticas governamentais relacionadas à transparência, ao acesso à informação pública e à participação social, com o fim de aprimorar as democracias, combater a corrupção e fomentar a inovação na governança (CGU). Para tanto, a OGP congrega “governos, cidadãos, organizações da sociedade civil, universidades e setor privado com o objetivo de tornar os governos mais transparentes, participativos, responsáveis e responsivos” (CGE/SC). 

Feita essa abordagem geral sobre Governo Aberto, passamos a tratar da avaliação destacada do Espírito Santo em avaliações do grau de transparência na gestão pública dos estados brasileiros e como a transparência está relacionada à abertura dos governos e sua contribuição para uma gestão exitosa.

Sob o entendimento de que a transparência é um bom instrumento para conter a corrupção e que opera como um mecanismo indutor de gestões públicas responsáveis e abertas à participação social, inclusive promovendo a confiança da sociedade em relação ao poder público, a Controladoria-Geral da União – CGU desenvolve avaliações periódicas da transparência nos entes públicos. Para tanto, foi idealizada a Escala Brasil Transparente, EBT – Avaliação 360º, por meio da qual se realiza o monitoramento da transparência pública, tanto ativa quanto passiva, e o acompanhamento das ações implementadas por estados e municípios na promoção do acesso à informação. Seguindo essa metodologia, o Espírito Santo (Figuras 1 e 2), junto com Minas Gerais e Ceará, encontra-se na posição de liderança no ranking de transparência dos estados.

Figura 1: Desempenho do estado do Espírito Santo da Escala Brasil Transparente | Fonte: Mapa Brasil Transparente, 2021

Figura 2: Lançamento do Novo Portal de Transparência do estado do Espírito Santo e celebração do título de estado mais transparente do Brasil | Fonte: Governo do Espírito Santo, 2021

O Portal da Transparência do Poder Executivo do Espírito Santo, recentemente aprimorado, é uma ferramenta que “tem como foco o cidadão e o fortalecimento do controle social, contemplando informações sobre gastos públicos organizadas por área temática, com uma linguagem mais compreensível e com visual amigável, intuitivo e prático”, revestindo-se no compromisso do ente estatal em promover a transparência pública e, a partir disso, prevenir e combater a corrupção.

Um diferencial da política de transparência capixaba é a utilização da robô Maila (Monitoramento Automático das informações de Livre Acesso), empregada na verificação automática e em tempo real das informações no Portal de Transparência. Tal ferramenta foi concebida para resolver problemas de atualização dos dados de despesas em diferentes bases, buscando anomalias e erros nas informações, alcançando uma cobertura de 95% das consultas do Portal da Transparência.

Conforme se observa em excertos de consultas ao Portal de Transparência do Espírito Santo (figuras 3, 4, 5 e 6, a seguir), em único ambiente, por meio de poucos cliques, de forma extremamente simples e acessível, qualquer pessoa pode ter ciência de importantes informações de interesse coletivo no tocante à arrecadação e ao dispêndio de recursos públicos.   

Figura 3: Informações sobre receita, orçamento, despesas e transferências de recursos administrados pelo estado do Espírito Santo | Fonte: Portal da Transparência do Poder Executivo do Espírito Santo, 2021

Figura 4: Informações sobre despesas previstas por área de atuação governamental do estado do Espírito Santo para o exercício 2021 | Fonte: Portal da Transparência do Poder Executivo do Espírito Santo, 2021

Figura 5: Informações sobre despesas previstas por área de atuação governamental do estado do Espírito Santo para o exercício 2021 | Fonte: Portal da Transparência do Poder Executivo do Espírito Santo, 2021

Figura 6: Disponibilização de painéis interativos contendo diversas informações sobre temáticas de interesse público em áreas de atuação governamental do estado do Espírito Santo | Fonte: Portal da Transparência do Poder Executivo do Espírito Santo, 2021

Além de dados gerais compreensíveis pela população em geral, um importante recurso do portal de transparência capixaba é a possibilidade de acesso a informações mais robustas, completas e aprofundadas, de maneira a contemplar, além do cidadão comum, usuários do meio acadêmico, profissionais especializados, representantes do terceiro setor, imprensa e gestores públicos.

A análise da sistemática de disponibilização de dados por parte do estado do Espírito Santo permite concluir que o êxito não está em apenas publicar os dados, mas sim em estruturá-los, utilizá-los efetivamente e transformá-los em políticas públicas e melhores serviços para o cidadão. 

A comprovação dessa relevância foi possível por ocasião da pandemia de COVID-19, circunstância que ensejou a adoção de medidas de transparência específicas sobre informações de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

A experiência e as boas práticas do estado do Espírito Santo em termos de transparência vem contribuindo para uma boa gestão da crise decorrente da pandemia de COVID-19, inclusive sendo circunstância objeto de reconhecimento pela liderança no “Índice de transparência da Covid-19 3.0”, promovido pela Open Knowledge Brasil, OKBR, organização da sociedade civil dedicada a promover o conhecimento livre por meio da transparência, da informação e da sabedoria. De acordo com esse ranking, o Espírito Santo é o estado da federação que mais bem disponibiliza informações sobre a pandemia (Figura 7), tais como os números da vacinação e o perfil das pessoas vacinadas.


Figura 7: Mapa do Índice de transparência da Covid-19 3.0 | Fonte: Monitor da transparência da Covid-19 da Open Knowledge Brasil (OKBR), 2021

Essa política exitosa do Espírito Santo já fora objeto de análise em texto de acadêmicos de Administração Pública, publicado neste blog do Politeia, e aponta para a plena possibilidade de ser replicada tanto em Santa Catarina quanto nos demais estados da federação.

Os dados abertos, passíveis de serem exportados em vários formatos (PDF, XLS, CSV e DOC), permitem à população em geral ter fácil e pleno conhecimento da distribuição geográfica dos casos de contaminação e da série histórica da pandemia por tipo de comorbidade, faixa etária, etnia, ocupação de leitos e custos, das providências adotadas quanto à observância dos critérios de priorização e distribuição das doses de vacinas por municípios, bem como subsidiam o planejamento e a tomada de decisão de todas as áreas envolvidas em ação de tamanha magnitude e complexidade, com destaque para a antecipação da reabertura das atividades econômicas.

Segundo Edmar Camata, Secretário de Estado de Controle e Transparência e outrora dirigente da organização da sociedade civil Transparência Capixaba, em entrevista publicada na página eletrônica da OKBR, em 20 de agosto de 2020, a disponibilização de dados sobre a gestão da pandemia no Espírito Santo “permitiu que pesquisadores e outros interessados pudessem ter acesso às informações para discutir e dialogar com os gestores públicos sobre o avanço da pandemia, as medidas de fechamento e reabertura no mesmo nível de conhecimento”. 

Na aba Dados Abertos do Portal da Transparência do Espírito Santo, há 16 conjuntos de dados acessíveis em formato aberto. Para além da saúde, há dados abertos sobre educação, patrimônio, obras, contratos, convênios, transferências para municípios, entre outros.   

Um outro avanço, de acordo com o Secretário, foi a superação de uma resistência cultural na área da saúde no tocante à proteção de informações de prontuários médicos, sobressaindo a compreensão de que a publicização de dados gerais, ineptos a individualizar e identificar os pacientes, não violam o direito à privacidade.

Em entrevista concedida ao programa Link ES, da emissora Record News do Espírito Santo, em 21 de junho de 2021, Edmar Camata assevera que a sensibilização e o engajamento do quadro de servidores quanto aos benefícios da transparência, aliados à desnecessidade de investimentos vultosos para sua implementação, contribuíram decisivamente para o quadro de destaque do Espírito Santo, tanto na Escala Brasil Transparente quanto no Índice de transparência da Covid-19 3.0. Observa, ainda, que toda essa evolução foi possível a partir da decisão política do Governador do Estado de considerar a transparência como compromisso e obrigação do poder público perante a sociedade.

Diante de todo o exposto acerca da experiência do estado do Espírito Santo, resta inconteste a relevância da efetiva aplicação dos preceitos de Governo Aberto com o fim de assegurar a centralidade do cidadão na implementação de políticas públicas visando a satisfação dos anseios e de suas necessidades, sendo fundamental o estabelecimento de uma aliança entre o poder público e a sociedade para a definição de prioridades e realização de controle social a partir dos princípios de transparência, participação cidadã, accountability e tecnologia e inovação. 

De maneira geral, além de outros benefícios, entende-se que a ideia de Governo Aberto assegura uma melhora na prestação de serviços públicos em razão de o ambiente de coprodução proporcionado pela participação social naturalmente ampliar o engajamento das pessoas nas causas coletivas. Essa situação caracteriza um sistema de retroalimentação, de maneira que quanto mais a sociedade participa, mais sente necessidade e interesse em participar, exigindo transparência de informações e accountability, aperfeiçoando os serviços públicos e aprimorando a prevenção à corrupção.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Leandro Andrade do Nascimento, José Victor de Andrade Ramos, Izadora Estruzani Queiroz de Melo e Camila Galliza Fagundes, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

REFERÊNCIAS

Blog da SISGOV. Transparência passiva e transparência ativa nos órgãos públicos: saiba a diferença. Disponível em: <https://www.sisgov.com/transparencia-passiva-e-transparencia-ativa-nos-orgaos-publicos-saiba-a-diferenca/>. Acesso em: 10 dez. 2021.

Controladoria-Geral da União. Governo Aberto – A OGP – O que é a iniciativa. Disponível em: <https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/a-ogp/o-que-e-a-iniciativa>. Acesso em: 05 dez. 2021.

Controladoria-Geral da União. Mapa Brasil Transparente. Disponível em: <https://mbt.cgu.gov.br/publico/home>. Acesso em: 07 dez. 2021.

Controladoria-Geral do Estado de Santa Catarina. Governo Aberto: participação social, transparência e inovação. Disponível em: <https://cge.sc.gov.br/governo-aberto/>. Acesso em: 05 dez. 2021.

Controladoria-Geral do Estado de Santa Catarina. 1º Plano de Ação SC Governo Aberto. Disponível em: <http://dados.sc.gov.br/dataset/e691c2fd-6b36-46cc-96c1-ca8c8b91b2f7/resource/18bb72a8-e2d8-419d-8f08-c20b63166763/download/1-plano-governo-aberto.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2021.

Facebook Watch. Secretaria de Controle e Transparência – Secont ES. O Espírito Santo é o Estado mais transparente nos dados da vacinação. Disponível em: <https://www.facebook.com/watch/?v=1174861756271622&ref=sharing>. Acesso em: 10 dez. 2021.

Governo do Estado do Espírito Santo. Novo Portal da Transparência: mais completo e fácil de usar. Disponível em: <https://www.es.gov.br/Noticia/novo-portal-da-transparencia-mais-completo-e-facil-de-usar>. Acesso em: 09 dez. 2021.

Open Knowledge Brasil. Abertura de dados na pandemia vai deixar um legado importante, diz Secretário de Transparência do ES. Disponível em: <https://ok.org.br/noticia/abertura-de-dados-na-pandemia-vai-deixar-um-legado-importante-diz-secretario-de-transparencia-do-es/>. Acesso em: 10 fev. 2022.

Portal da Transparência do Poder Executivo do Espírito Santo. Dados Abertos. Disponível em: <https://transparencia.es.gov.br/DadosAbertos>. Acesso em: 09 dez. 2021.
Portal da Transparência do Poder Executivo do Espírito Santo. Quero Saber. Disponível em: <https://transparencia.es.gov.br/>. Acesso em: 10 dez. 2021.

Tales of triumph and disaster in the transparency, participation and accountability sector

Frederic Edwin Church, Cotopaxi

Autores: Thomas Aston, Florencia Guerzovich e Alix Wadeson.

It’s strategy refresh time

The Biden administration is figuring out whether and how to walk the talk on anti-corruption, the Open Society Foundations and the Hewlett Foundation’s Transparency, Participation and Accountability (TPA) Programme are doing a strategy refresh. The World Bank’s Global Partnership for Social Accountability (GPSA) is considering a Strategic Review. These are some of the biggest players in the sector. Each player has its own “niche” and approach to build a portfolio. Yet, in considering some possible new directions, the Hewlett Foundation has put out a consultation. Al Kags offered some thoughts on what to fund and offered a wish list earlier this week. Hewlett asked an important set of questions for all of us which we have slightly amended:

  • How should we measure progress toward outcomes and in priority countries in a given portfolio?
  • How can we best contribute useful knowledge to the field through grantmaking, commissioning evaluations, and facilitating peer learning?
  • And what can a portfolio’s monitoring and evaluation system do to link the answer to both questions together?

To answer these questions, we must first acknowledge a wider issue — null results terrify us. Every time a new Randomised Control Trial (RCT) offers anything less than unambiguously positive results, we have groundhog day about whether the whole sector is a worthy investment or not.

Nathanial Heller captured this trepidation well for yet another study in Uganda about to publish its results:

A handful of initiatives have given the impression to donors that transparency and accountability efforts don’t work. One of these was the Making All Voices Count (MAVC) programme, which some donors (unfairly) called a “failure,” point blank in 2017. Further, as one of us explains, two studies in 2019, the Transparency for Development project (T4D) and another from Pia Raffler, Dan Posner and Doug Parkerson found null results, and this caused collective consternation in the sector.

The conversation seems stuck in a vicious feedback loop. So, to demonstrate success, many rely on idiosyncratic cases and lean very heavily on a handful of country contexts which conducted a lot of RCTs or narrowed the focus of study to common tools (e.g. scorecards) and/or outcome measures (for an effort to standardize indicators). Many others have sought refuge through “pivots” and “innovation” rather than having a candid conversation about mixed evidence and what we might do (or not) to escape the feedback loop. As ex-International Development Secretary, Rory Stuart, recently argued [talking about Afghanistan], ‘“we have to stop [saying] “either it was a disaster or it was a triumph.”’

The myth of homogeneous and generalisable success

Despite this sage advice, one expert recently told the Hewlett Foundation that a “lack of evidence about the impact of TPA initiatives is now an existential threat to the field.” And one thought leader was said to have remarked that “the window of opportunity for social accountability will remain open only if we can surface evidence that social accountability is worthy of continued support.”

There are literally a dozen evidence reviews of the TPA sector which refute this claim (we have read them, alongside hundreds of evaluations and studies). Evidence is certainly mixed, but it’s hardly absent. Part of the fear expressed recently is about heterogeneity. This is a nightmare for anyone that seeks to use evaluations to find generalisability from interventions about complex TPA processes. Many impact evaluators have opted to reduce interventions to a single tool, omitting too many components of the work, seeking findings about the “average beneficiary” that are universally valid and hold in all contexts. In the TPA sector, variation in outcomes in different contexts and sectors is something to be expected, not feared. We regularly assert that “context matters,” and yet we forget this when it actually matters. As Howard White and Edoardo Masset from the Centre for Excellence for Development Impact and Learning (CEDIL) highlight, we should focus on transferability — findings that tell us what contextual factors condition (or not) the transfer of a finding from one setting to another.

On balance, if you read the evidence reviews in the sector, the message is generally positive. A Qualitative Comparative Analysis (QCA) of the UK’s former Department for International Development’s (DFID) Empowerment and Accountability portfolio found positive results across nearly all 50 projects reviewed in 2016 (prior to the sector’s apparent fall from grace). But, this was largely ignored — perhaps because it wasn’t an RCT. Other groundbreaking reviews in the sector using realist methods which present an array of outcomes and take context into account in particular sectors were also ignored. Either there is collective amnesia, a selective reading of the evidence, or experts’ expectations of “worthiness” may be rather too elevated.

As Peter Evans of the UK Foreign, Commonwealth and Development Office (FCDO) explains, evidence reviews have their flaws. We would argue that many of them have unwarranted methodological biases and some make grand arguments without much empirical evidence. Evans is also right that “no-one ever opens an evidence review and finds the perfect answer to their question.” But, when evidence reviews don’t quite cover it, that doesn’t mean that we should resign ourselves to the wisdom of a few researchers’ hot takes, loud voices in our echo chambers, or give undue credence to a handful of expensive impact evaluations.

The supposed “existential threat” is not primarily empirical, but semantic and discursive.

The question for us remains — how can portfolio-level M&E in the TPA sector build a more inspiring narrative to help make the case to continue investing in the collection of evidence of TPA’s impacts over the medium to long term?

In our second blog post, we start answering this question. We share insights from our work as M&E consultants working with different portfolios and connecting the dots across projects and portfolios.