Por Luiza Almeida, Maria Isabel Bender, Thaina Camilo e Verônica Mafioletti*
O vazamento de 5 mil toneladas de petróleo no litoral do Nordeste brasileiro teve início em setembro de 2019. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis, Ibama, informa que o vazamento atingiu 1.004 localidades em 11 estados, em mais de 130 municípios. Quem o causou? Foi um crime ambiental ou um acidente? Os responsáveis foram identificados? Quais foram as consequências e quem responde por elas?
Um ano após o ocorrido, a Marinha do Brasil finalizou a primeira etapa de investigações, mas ainda não se tem noção de quem causou esse dano ambiental imensurável, restando apenas os impactos causados à sociedade, a economia e ao meio ambiente.
O turismo emprega muitas pessoas no Nordeste e o ocorrido afetou principalmente aqueles serviços que têm relação direta com o ambiente marítimo. Além disso, muitos moradores desses locais vivem da pesca e tiveram grande prejuízo por não conseguirem comercializar seus peixes devido ao medo de contaminação por parte da população.
E quanto aos danos permanentes na fauna dos locais atingidos? Como mencionado, o dano ambiental foi imensurável, mas se sabe que este acontecimento levou à contaminação e morte de muitos animais aquáticos.
Segundo informações do governo brasileiro, o petróleo encontrado nas praias e manguezais foi considerado extremamente tóxico, ao ponto de que inalá-lo poderia causar desde dificuldade na respiração até náuseas e confusão mental. Além disso, o Ministério da Saúde e a Defesa Civil comunicaram à população que evitasse o contato direto e a ingestão da substância, pois caso isso acontecesse, poderia causar a longo prazo danos nos pulmões, problemas no sistema circulatório e até mesmo câncer. A Fiocruz ficou responsável por monitorar os impactos à saúde causados pelo vazamento de petróleo, mas os dados não estão acessíveis.
Fonte: FELIPE BRASIL / FOTOS PÚBLICAS
Definição de Desastre Natural
O desastre natural é caracterizado por tragédias decorrentes de fenômenos naturais, podendo ser de origem climática, geológica, biológica ou astronômica, como furacões, terremotos, chuvas e tempestades. Ou seja, não possuem interferência humana direta (POSUSCS, 2019)
Entretanto, as alterações causadas no planeta devido à presença dos seres humanos podem dar origem a desastres ambientais de diversas naturezas. Devido aos padrões de vida da atualidade, alinhado ao um consumo nada sustentável, interesses econômicos e falta de responsabilidade para com o meio ambiente, a vida na terra tem causado desequilíbrio ambiental, tornando-se gatilho para os fenômenos causadores dos desastres naturais.
O vazamento de petróleo é considerado crime ou acidente?
Na história brasileira, esse vazamento de óleo no Nordeste se configura como a maior tragédia ambiental na costa brasileira, afirma Marcelo Amorim, coordenador-geral de Emergências Ambientais do Ibama: “Esse vazamento atingiu a maior extensão, com certeza. É uma situação que nunca ocorreu na história do país, e desconhecemos se algo similar no mundo“.
Verdade seja dita, um desastre nessa proporção pode ser considerado como acidente ambiental?
Existem estudos e especulações sobre a fonte que gerou o desastre ambiental, seja a primeira acusação ao navio Bouboulina, da grega Delta Tankers, seja a acusação do ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, à Venezuela, pelo derramamento de óleo. Ou a hipótese de que os culpados sejam os repetidos vazamentos de óleo na costa ocidental da África trazidos ao Brasil pela corrente oceânica Benguela ou pela influência do Golfo da Guiné.
Em meio a tantas suspeitas levantadas sem comprovação de nenhuma, a lei brasileira não se exime em caracterizar o ocorrido como crime ambiental, segundo o artigo 54 da Lei 9.605, que dispõe sobre “sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente” (BRASIL, 1998):
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
§ 1º Se o crime é culposo:
V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos: Pena – reclusão, de um a cinco anos. (BRASIL, 1998).
O crime culposo é definido pelo artigo 18 do código penal brasileiro como:
Art. 18 – Diz-se o crime:
Crime doloso
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Segundo a organização internacional WWF (2019), que atua na área ambiental, não é possível descartar a hipótese de ter sido um acidente, pois como não se sabe quem causou o derramamento, é necessário investigar se o crime é considerado doloso ou culposo e então definir a responsabilização adequada, tanto na esfera civil, como criminal:
Existem duas esferas de responsabilização neste caso: civil e criminal. No caso da responsabilização civil, o objetivo do Brasil será buscar indenização para cobrir todos os danos econômicos e ambientais, de curto e longo prazo, provocados pelo vazamento. Já no âmbito criminal, será preciso identificar se houve dolo ou culpa, ou seja, se as pessoas envolvidas tiveram a intenção de cometer aquele crime ou assumiram o risco de que esses danos ocorressem (WWF, 2019).
O Código Civil Brasileiro determina, em seu capítulo que dispõe sobre a obrigação de indenizar, que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (BRASIL, 2002).
Portanto, o derramamento de petróleo no Nordeste pode ser considerado um crime, independentemente de ter sido um acidente, pois o responsável não reclamou a culpa e não reparou até hoje os danos causados na região. Embora se use o termo acidente, se existe algum dano considera-se que um crime foi cometido, pois os acidentes podem ser evitados. Os danos caracterizam uma violação de direitos e incluem os impactos negativos na economia e no ecossistema local.
Segundo Alencar et al. (2016, p.10), o Estado também deve ser responsabilizado uma vez que:
Há também a responsabilidade objetiva solidária do Estado (poder público) no problema ambiental, não podendo haver excludente porque o poder público é quem é responsável por controlar a fiscalização do meio ambiente. Essa responsabilização do Estado por danos também se vê no art. 225, CRFB/88.
O Ibama disponibilizou um website com informações sobre o derramamento do petróleo. No entanto, de acordo com buscas em websites e segundo a WWF (2019), não se sabe se de fato a investigação está sendo conduzida. Ou se está sendo realizada, quais são as atualizações e descobertas sobre o assunto. Não foram divulgados relatórios técnicos sobre a origem do óleo nem feitas coletas sistemáticas, pois “no futuro, essas amostras serão necessárias para definir as responsabilidades em relação aos atingidos – e em nome da transparência, obrigação e dever dos agentes públicos.” (WWF, 2019). Além disso, não foram divulgados resultados de pesquisas para saber o nível de impacto negativo que o óleo causou no pescado local e das águas, impactando negativamente na economia local.
Esse triste episódio na costa brasileira se soma aos constantes ataques, por parte do governo federal, aos esforços de lidar de forma responsável com as riquezas naturais do Brasil.
Talvez os responsáveis nunca sejam culpabilizados para que arquem com o crime ambiental causado e todas as suas consequências. Isso mostra a enorme fragilidade do sistema de responsabilização brasileiro na área ambiental, como se vê em outros episódios, como os desastres ambientais de Brumadinho/MG e Mariana/MG.
Entretanto, o que há de nobre nessa experiência incomum é a mobilização e a e coprodução envolvendo as comunidades, governos locais e organizações da sociedade civil. Tal fato foi verificado em entrevista com Lais Araujo, coordenadora e fundadora do Xô Plástico, movimento criado para efetuar mutirões de limpeza nas praias do Nordeste brasileiro, que desempenhou um relevante papel na limpeza das áreas afetadas pelas manchas de óleo.
A mobilização da sociedade civil organizada, de universidades e agentes locais também tem gerado cobrança por investigações dos culpados e por medidas para preservar as riquezas oceânicas do litoral brasileiro.
*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Luiza Almeida, Maria Isabel Bender, Thaina Camilo e Verônica Mafioletti no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.
Referências | Para saber mais:
ALENCAR, André Gustavo Oliveira et al. Análise quanto a responsabilidade civil referente ao caso em Mariana/MG: acidente ou crime ambiental? Revista de Trabalhos Acadêmicos-Universo Recife, v. 3, n. 2, 2016.
BRASIL. LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1998.
BRASIL. LEI Nº10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002.
BRASIL. LEI Nº 7.209, DE 11 DE JULHO DE 1984. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências.Brasília, DF: Presidência da República, 1984.
Após dez meses, investigações ainda não apontaram responsável por vazamento de óleo. In: Brasil de Fato. 03 jul. 2020.
Mancha no Litoral. In: Governo do Brasil. 2019.
O que se sabe até agora sobre o derramamento de óleo no Nordeste. In: WWF. 12 nov. 2019.
Qual é a diferença entre crime ambiental e desastre natural? In: USCS. 09 set. 2019.
Um ano após vazamento de óleo no Nordeste, nenhum responsável foi identificado. In: Brasil de Fato.30 ago. 2020.
Campanha cobra respostas após um ano do derramamento de óleo no litoral. In: Notícias Uol. 30 ago. 2020.