Accountability e acesso a informações da Anatel para o mercado: existe?

Por Bruno Fagundes de Souza, Vinícius Mafra Senna e Victor Alves Sales*

A criação de agências reguladores de serviços públicos no Brasil, a partir dos anos 1990, foi influenciada por modelos adotados em países como os Estados Unidos da América e países da Europa, onde as agências possuem modelos distintos. “Inglaterra e Alemanha, por exemplo, estão em planos opostos. Enquanto o modelo inglês guarda semelhanças com o norte americano, o da Alemanha caracteriza-se como o que menos delega poder às agências regulatórias” (RAMOS, 2005, p.104).

A implementação de agências no Brasil se deu em um período em que se propunha a diminuição do tamanho do Estado, por meio de reformas, programas de privatizações e desestatizações. No tocante a privatizações e desestatização, o Poder Público possuía mais interesse no modelo regulatório nas relações de investimento em serviços públicos e de interesse coletivo, advindas do capital internacional, que influenciaram as regras do jogo e as relações entre poder público e setor privado.

A Agência Nacional de Telecomunicações, Anatel, foi instalada pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT – Lei n° 9.472/97), através do Decreto n° 2.238, como proposta de equilíbrio e ferramenta da gestão pública de modo a combinar o setor privado e seus bônus de investimento no Estado e as garantias de segurança de poder e reputação da continuidade dos serviços.

A Anatel é uma autarquia especial, independente, com autonomia financeira, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

A relação da Anatel com o mercado é norteada pela competência do inciso VI, do art. 156 de seu Regimento Interno, que define sua responsabilidade por “certificar e homologar produtos de comunicação e sistemas de telecomunicações, habilitar laboratórios e designar organismos certificadores”.

Os Organismos Certificadores Designados, OCD, são empresas privadas delegadas pela agência para conduzir processos de avaliação sobre a conformidade de produtos no contexto da certificação compulsória, emitindo certificados para prosseguir com o procedimento de aquisição do selo Anatel. Os testes dos produtos são realizados por meio de Laboratórios de Ensaios, LE, contratados pela empresa interessada na certificação, credenciados pelo Inmetro.

No que tange à accountability e à transparência do processo decisório e dos resultados, e a obrigação de prestação de contas e responsabilização pelas decisões e resultados, as agências reguladoras utilizam mecanismos informacionais, como relatórios, disponibilidade de atas e de notas técnicas; mecanismos institucionais, como ouvidoria e reuniões abertas do conselho diretor e; mecanismos procedimentais, como realização de consultas e audiências públicas.

Quando se trata da visão do mercado, empresas que dependem da Anatel para obter o acesso de algumas informações não é facilitado. A organização possui um portal para consulta de todos os certificados e homologações realizadas por fabricantes de produtos de telecomunicações – que muitas vezes está em manutenção -, porém algumas informações, como a quantidade de fiscalizações realizadas, poderiam ser disponibilizadas de maneira mais simples pela organização.

Sugerimos um teste: se você utilizar qualquer mecanismo de busca na internet e procurar por “Relatórios de Acompanhamento das Atividades de Fiscalização” ou termo similar, encontrará um relatório de 2014. Para acessar os relatórios atualizados, o usuário precisa perder um tempo precioso para localizá-los e, mesmo assim, não possui base de comparação. Os relatórios de cada trimestre não possuem padrão, como por exemplo a versão de 2014 e 2019.

Isso dificulta a relação entre as empresas e a agência reguladoras e com os OCDs, e gera dúvidas sobre critérios, processos, prazos e resultados. Prejudica-se assim a concorrência justa, que por sua vez contribui para a melhoria da qualidade dos produtos e serviços.

O mercado de produtos de telecomunicações no Brasil é desconhecido da população, poucos sabem que os produtos homologados passam por testes morosos, com custos elevados e, que, se não forem aprovados na primeira tentativa, terão que renovar os pagamentos nas posteriores. Os produtos de telecomunicações, por outro lado, são alvo de contrabando e pirataria, o que aumenta a necessidade de fiscalização e acesso à informação sobre as ações da Anatel para o mercado.

Entre as perguntas que ficam, estão: a disponibilização dessas informações, com o devido sigilo das empresas envolvidas, não seria importante para a sociedade ou para o mercado? As quantidades de fiscalizações realizadas não são consideradas importantes para o andamento do mercado? A quem interessa que as informações relativas a processos, critérios e resultados da regulação não sejam transparentes? O que se pode fazer para avançar nesses aspectos?

*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Bruno Fagundes de Souza, Vinícius Mafra Senna e Victor Alves Sales, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

Referências

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ANTUNES, L. R. Poder de Polícia da Agência Nacional de Telecomunicações. 2007. Disponível em: https://www.anatel.gov.br/Portal/documentos/sala_imprensa/Monografia%20ER9%20Luciana%20Rolim%20Antunes.pdf. Acesso em: 22 out. 2019.

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GODOI JUNIOR, José Vicente. Agências reguladoras: características, atividades e força normativa. 2008. Dissertação de Mestrado. Marília, Universidade de Marília.

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