Reparou algo diferente nas eleições de 2018? O uso do marketing digital eleitoral e seus efeitos

Por Ana Paula Campos, Bruna Dédalo Gorjão, Bruna Cristina Sanches e Mara Fritsche*

Santinhos espalhados pelo chão, 45 minutos seguidos de propaganda eleitoral, cavaletes e outdoors anunciando os candidatos políticos, carros de som às 9 horas da manhã de um domingo. Isso tudo soa como eleição? Não mais. 

Consideradas por muitos especialistas como atípicas, as eleições de 2018 chegaram transformando o cenário brasileiro por suas características singulares de polarização e a propagação de ideias em meios inusitados de divulgação. Fatores que sinalizam para episódios inéditos no cenário político brasileiro.

O clássico marqueteiro político não é mais suficiente. Mídias tradicionais, como a TV, não conseguem atingir a mesma quantidade de eleitores de antes. Uma pesquisa executada pelo IdeiaBigData com eleitores brasileiros constatou que ao menos 70% dos entrevistados tinham a intenção de acompanhar os seus candidatos pela internet, enquanto 52% preferiam pela televisão. O marketing político digital, por outro lado, ganha força. Seu baixo custo de investimento, combinado aos 139 milhões de brasileiros (IBGE) que estão nas mídias sociais, parece gerar um fator decisivo para os resultados.

Em sintonia com essas mudanças, vê-se a candidatura e eleição de pessoas que há pouco se mostravam desconhecidos pela população, enquanto rostos já conhecidos não conseguiram obter votos suficientes para alcançar o almejado cargo político.

Em Santa Catarina, apenas seis candidatos conseguiram ser reeleitos para uma posição entre os 16 deputados do estado na Câmara Federal, em Brasília. Em âmbito nacional, 51 políticos que buscavam a reeleição e estavam sendo investigados na Operação Lava Jato, alguns deles tradicionais no cenário político brasileiro, foram derrotados nas urnas. No próximo ano, poderão ser investigados de forma regular, pois não terão mais o foro privilegiado.

A pesquisa do IdeiaBigData confirma que há forte descrença da população com os políticos brasileiros. O levantamento aponta que ao menos 95% dos entrevistados avaliam que os atuais políticos não são transparentes e 89% acreditam que os políticos não se preparam para desempenhar bem seu mandato – números estes que impactam diretamente nas decisões eleitorais.

Se antes era natural a imperícia do saber político e a tomada de decisão sem o conhecimento da população, hoje, ações políticas desfavoráveis à opinião pública promovem impactos sem precedentes.

Durante o processo eleitoral, muitos indivíduos utilizaram os canais de comunicação digitais para exigir explicações em assuntos relevantes, tais como as propostas e trajetória dos políticos, bem como motivos e valores de ações que antes se mantinham fora da alçada da sociedade. Além da prestação de contas mais célere e descomplicada nos meios digitais, houve possibilidade de interação bilateral entre campanhas e eleitores.

O marketing digital eleitoral, por um lado, carrega em si a transparência e a accountability direta na relação entre candidatos e eleitores. Isso facilita o controle das ações dos políticos no uso dos recursos públicos e permite monitorar as doações para as campanhas, por exemplo. Em parte, isso aconteceu, mas não foi só isso. Há também possibilidade de explorar a desinformação e as brechas da lei.

Os tribunais eleitorais, TREs e TSE, receberam diversas denúncias sobre esquemas de impulsionamento ilegal de mensagens via Whatsapp. Segundo Marcelo Vitorino, consultor de marketing digital da campanha de Geraldo Alckmin, do PSDB, foram apresentadas mais de 20 propostas de empresas que ofereciam o serviço ilegal. Vitorino também disse que, em 2017, foram feitas denúncias aos órgãos de controle, mas estes ignoram a dimensão do problema.

Em meio a uma avalanche de mensagens difundidas via Twitter, Whatsapp e Facebook, o Tribunal Superior Eleitoral depara-se com lacunas na lei e até mesmo no entendimento do fenômeno. Além da quantidade de mensagens, boa parte delas continha informações falsas, as famosas fake news. Trata-se de um problema crescente, uma poderosa ferramenta que pode influenciar os resultados eleitorais.

Esse cenário tem relação com o de outros países. Ao longo da campanha política para a presidência americana, Donald Trump gastou cerca de US$ 70 milhões para exibir cerca de 50 mil posts patrocinados por dia, não apenas para promover sua candidatura, mas também para atacar sua concorrente, Hillary Clinton, buscando diminuir a quantidade de votos que ela receberia.

Os candidatos brasileiros não atingiram o mesmo patamar de gastos que o presidente americano. Apesar de não existir um limite específico para gastos com posts patrocinados, houve um teto máximo de recursos investidos nas campanhas, de acordo com o cargo. Isso busca prevenir o excesso de informações políticas nas mídias sociais e garantir certo equilíbrio de presença entre os candidatos. Entretanto, houve difusão de mensagens sob patrocínio de indivíduos, supostamente sem o conhecimento dos partidos e candidatos.

Embora tenham havido iniciativas pontuais de controle, não foi articulada uma ação eficiente sobre o que se postou nas plataformas, não houve capacidade de prever ou monitorar o que se tornou essa avalanche de informações, tanto reais quanto fake. Os partidos políticos também falharam ao não monitorar o ambiente virtual dos debates. Portanto, a legislação nova evidenciou falhas, os Tribunais Eleitorais e a sociedade tiveram pouca capacidade para compreender e conter o incontrolável que se tornou o ambiente virtual.

De um lado, temos a liberdade de expressão das pessoas e dos meios de comunicação, algo essencial para a democracia. De outro, cidadãos que recebem uma enxurrada de informações e não tem experiência e conhecimento para buscar sua validação, o que dificulta a formação de um processo eleitoral justo que consiga levar à responsabilização dos políticos que não correspondem às necessidades da população.

Nosso país se encontra em meio a profundas mudanças no processo eleitoral. As expectativas da sociedade e modos de expressá-las e os meios de responsabilização democrática dos candidatos políticos também estão mudando. Se não forem compreendidos e monitorados, o clima de desconfiança pode aumentar, fazendo crescer ainda mais o descontentamento político pelo qual nossa nação está passando.

O interesse político de parte da população, o clima de incerteza e desconfiança no país, combinado à disponibilização de meios digitais para as grandes massas, fez com que as eleições de 2018 gerassem um processo quase inédito no Brasil. As lições desse processo ainda estão sendo compreendidas. Portanto, perguntamos: diante das surpresas das eleições em 2018, como isso afetará o exercício dos mandatos daqui para a frente? E como os órgãos de controle e fiscalização, partidos políticos, candidatos e cidadãos vão se preparar para as próximas eleições?

Para saber mais sobre o tema, entrevistamos o jornalista e empresário Cícero Mendes, que por meio de sua empresa “Em Pauta” comandou campanhas digitais de políticos em todo o país nas últimas eleições. Ouça aqui :

Referências

 FOLHA UOL. Redes são o novo normal na política. Disponível em:                                                               

<https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marco-aurelio-ruediger/2018/10/redes-sao-o-novo-normal-na-politica.shtml?loggedpaywall> Acesso em 28 out. 2018.

Gestor Político. Software. Disponível em: <https://neritpolitica.com.br/> acesso em 05 out. 2018

IdeiaBigData Pesquisa. Disponível em: <https://ideiabigdata.com/pesquisa/> Acesso em 12 out.2018.

JUSTIÇA ELEITORAL – Cartilha sobre Propaganda Eleitoral na Internet. Disponível em:

<http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/propaganda-eleitoral-na-internet>

acesso em 05 out. 2018

UOL tecnologia. Whatsapp é o novo vilão da eleição.  Disponível em:                                                                                  

<https://www.uol/tecnologia/especiais/whatsapp-e-o-vilao-da-eleicao.htm#frases-1> Acesso em 17 out. 2018.

TI Inside Online. Mais de 30% dos brasileiros ainda não tem acesso à Internet  Disponível em:                                                                     

<http://tiinside.com.br/tiinside/home/internet/21/05/2018/mais-de-30-dos-brasileiros-ainda-nao-tem-acesso-a-internet/> Acesso em 31 out. 2018.

*Texto elaborado por Ana Paula Campos, Bruna Dédalo Gorjão, Bruna Cristina Sanches e Mara Fritsche, no segundo semestre de 2018, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da graduação em administração pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.