Computação em nuvem na Administração Pública

Por Julia Santana Vicente*

A ascensão das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) vem contribuindo para a modernização do aparelho estatal e a inovação no setor público. A gestão pública passa a valorizar mais a utilização de dados para tomada de decisões. Observando casos de sucesso e aprendendo com os erros e limites, torna-se um consenso que a implementação eficaz dessas tecnologias pode proporcionar mais agilidade na entrega dos dados e dos serviços, prezando pela cautela na segurança da informação.

A forma mais usual adotada para aplicação das TICs nos órgãos públicos, sobretudo em prefeituras, se refere à contratação de empresas fabricantes de plataformas digitais com soluções direcionadas a cada nicho, que trabalham principalmente com o modelo SaaS – Software as a Service. Um exemplo desse modelo é o  da plataforma de streaming Netflix, , em que mediante o pagamento mensal de uma assinatura, o contratante aluga o serviço do software e o utiliza durante o período pago. Essa assinatura, que tem no cerne de seus custos a utilização sob demanda, costuma dar direito ao fornecimento de uma base por um provedor de serviço em nuvem, ou seja, o sistema fica alojado de forma remota e pode ser acessado por meio da internet.  A figura ilustra um ambiente de computação em nuvem:

Figura – Ilustração do ambiente de computação em nuvem

Fonte: SOUSA; MOREIRA; MACÊDO; MACHADO (2009)

O Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST) dos Estados Unidos classifica a computação em nuvem como um modelo que viabiliza o acesso oportuno e sob demanda a um pacote compartilhável de recursos computacionais configuráveis (redes, servidores, áreas para armazenagem, aplicativos, serviços) que podem ser rapidamente provisionados e liberados com um esforço mínimo de gestão ou de interação com o provedor dos serviços.

Os possíveis ganhos para a administração  pública na adoção dessa tecnologia envolvem:

  • Retirada do papel, ferramenta que pode  ser adulterada e perdida, como meio oficial de documentação e comunicação;
  • O órgão público passa a ter ferramenta própria institucionalizada para armazenamento de arquivos digitais;
  • Economia de materiais de papelaria, reduzindo em parte a dependência do almoxarifado e podendo ainda reutilizar para outros fins os espaços físicos até então ocupados com armazenamento desses materiais, caso seja feita a transferência dos dados de documentos físicos para a plataforma digital; 
  • Maior segurança da informação, tendo o histórico da criação de documentos com rastreabilidade de datas e usuários responsáveis, promovendo mais recursos de controle efetivos;
  • Baixo custo, haja vista que normalmente a precificação da tecnologia é sob utilização, além da infraestrutura de TI ser reduzida por não haver mais a necessidade de grandes datacenters, ao poder acessar as aplicações por meio da internet;
  • Mais velocidade no recebimento e envio das informações, aumentando a produtividade do órgão e proporcionando  agilidade na entrega de serviços aos cidadãos;
  • Falhas e quedas nos sistemas tornam-se raras;
  • Mobilidade, ao permitir a flexibilidade de acessar as plataformas por dispositivos móveis como notebooks e smartphones;
  • Facilidade de implementação de solução e ciclo de inovação mais rápido.

É claro que a contratação de um produto que permeia a inovação exige ainda mais cuidado do que as licitações de produtos corriqueiros.

O Acórdão nº 1.739/2015 do Tribunal de Contas da União (TCU) apresenta um relatório de levantamento dos riscos relevantes em contratação de serviços de Tecnologia da Informação sob o modelo de computação em nuvem. Os possíveis erros que podem ser cometidos pelos órgãos públicos estão em torno: do equivocado planejamento estratégico e orçamentário para adoção da tecnologia, de acessos indevidos que firam a confidencialidade e integridade dos dados, da frágil gestão da política de recursos humanos com relação à resistência dos servidores na transição do processo físico para o digital, da ineficiente execução e gestão contratual, da falha transferência de dados para a nova plataforma, da inobservância de legislações inerentes ao cotidiano público, da insegurança com as interfaces de programação (APIs), das atualizações e correções, da dependência excessiva do provedor.

Caso o órgão chegue à conclusão de que a computação em nuvem é uma alternativa positiva para o seu ofício, o Instituto Brasileiro de Governança Pública (IBGC) propõe algumas precauções factíveis que podem ser tomadas desde a construção do edital do certame licitatório para evitar esses riscos. Algumas delas, segundo Costa (2022), são: o planejamento prévio com pesquisas e estudos comparativos de casos de contratações de outros órgãos, a definição das responsabilidades do provedor e do contratante com constante monitoramento, a oficialização da instauração da comunidade eletrônica por meio de decreto que preveja regras e sanções cabíveis para os usuários no processo, o treinamento e sensibilização dos servidores para adoção do novo formato, a previsão de conformidade com as legislações vigentes pertinentes aos serviços prestados com atenção especial à Lei Geral de Proteção de Dados, o estabelecimento de mecanismos de segurança na portabilidade da infraestrutura de rede e dados, o controle de logs de auditoria, uma taxa mínima de disponibilidade – em geral nunca abaixo de 99,7%, a proposição de política de atualizações e correções necessárias, cláusulas para eventual ruptura contratual e o direito ao backup da base.  

Contudo, para Breno Costa (2022), auditor do TCU:

No contexto de prover serviços perenes à sociedade, se vê que a nuvem já foi criada com virtualização, com a capacidade de registrar um segundo de processamento, uma facilidade muito maior de rastreabilidade, de saber as ações que cada pessoa fez ou atribuir capacidades específicas a diferentes usuários, com melhor gestão da infraestrutura do que em um datacenter.

Isso mostra que, desde que sejam feitos esforços para a promoção de ações que mitiguem os riscos, os benefícios da implantação da ferramenta compensam o investimento. Por isso, é importante que os gestores públicos se mantenham a par das tendências das tecnologias emergentes e contem com  apoio para implantar  recursos que possam auxiliar no aprimoramento dos serviços públicos.

*Texto elaborado por Julia Santana Vicente, graduada em Administração Pública pelo Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas da Universidade do Estado de Santa Catarina, Esag Udesc, em 2022.