Jovem Aprendiz: com quem e para quem?

Por Bruna Vargas, Jaildo Rosa Junior, Jean Soares e Maria Luciana Trigos*

O Programa Jovem Aprendiz é um projeto do Governo Federal que surgiu a partir da aprovação da Lei 10.097/00 (Lei da Aprendizagem) e de sua regulamentação pelo Decreto Federal 5.598/2005, em consonância com disposições previstas na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e Adolescente da Lei Federal 8.069/1990, e na Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei  5 452/1943.

Seu objetivo consiste em facilitar o ingresso de jovens entre 14 a 24 anos no mundo do trabalho na condição de aprendizes, garantindo a sua formação profissional e desenvolvimento pessoal, sem comprometer os estudos. Concretiza-se a partir do envolvimento de vários atores, vinculados em uma rede, que atuam conforme papéis bem definidos. Participam do Programa: o Estado, as entidades qualificadoras, as empresas contratantes e os aprendizes.

O papel principal do Estado – além de traçar as diretrizes gerais por meio do design e da implementação do Programa – é normativo, cumprindo esta função por meio do Ministério do Trabalho e Emprego, MTE, que supervisiona e controla o Programa, visando sobretudo a salvaguarda dos direitos do jovem.  

As entidades qualificadoras  possuem duas funções: intermediar o contato entre as empresas contratantes e os jovens e capacitar os aprendizes para atuar no mercado de trabalho, por meio de cursos de aprendizagem e formação técnico-profissional. O Manual de Aprendizagem, elaborado pelo Ministério do Trabalho, estabelece que os  Serviços Nacionais de Aprendizagem, como o SENAC e o SENAI, são as instituições qualificadoras por excelência. Caso não haja vagas suficientes para suprir a demanda, as Escolas Técnicas de Educação e as Entidades sem Fins Lucrativos que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, podem ser habilitadas como entidades qualificadoras. Todas devem contar com estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de aprendizagem, de forma a manter a qualidade do processo de ensino, bem como acompanhar e avaliar os resultados.

As empresas podem ser públicas ou privadas, sendo estas uma peça-chave na rede. Além de efetivar a contratação, tem a responsabilidade de acolher o jovem, proporcionando-lhe meios para se desenvolver profissionalmente, respeitando a sua idade, seus conhecimentos e a sua falta de experiência, atribuindo-lhe tarefas compatíveis com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico.

Ao jovem, beneficiário do Programa, cabe executar as tarefas que lhe são atribuídas na empresa, participar do curso de formação na entidade qualificadora e manter o bom desempenho escolar.

Os direitos e obrigações de cada parte estão definidas no Manual da Aprendizagem e seu descumprimento pode ensejar a rescisão contratual.

Em Florianópolis, a Irmandade do Divino Espírito Santo, IDES, foco deste estudo, é uma organização sem fins lucrativos e cumpre o papel de instituição qualificadora.

Fundada em 1773, de natureza filantrópica, a IDES possui um extenso histórico de contribuição na área social, desenvolvendo projetos de inclusão e promovendo valores familiares e religiosos. A sua preocupação com a formação do jovem não é apenas como profissional, mas como ser humano, e por isso lhe oferece suporte no âmbito pessoal, de iniciação profissional e familiar. Por meio de um de seus três núcleos, o Núcleo de Formação e Trabalho, NUFT, capacita, insere e acompanha os adolescentes ao mercado de trabalho, proporcionando um processo de formação contínua, garantindo o atendimento dos direitos trabalhistas, previdenciários e o exercício da cidadania, de acordo com o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O NUFT desempenha o seu papel na rede realizadora do Programa Jovem Aprendiz por meio de convênios ou contratos firmados com empresas públicas ou privadas, que se tornam financiadoras, por meio de uma taxa administrativa, quando conveniadas com a Instituição. O principal critério de seleção ao Programa é a situação de  vulnerabilidade social do candidato a aprendiz. Os demais critérios são alinhados conforme dados da vaga, como morar próximo do trabalho, para que não seja necessário dedicar muito tempo ao deslocamento, o que poderia interferir no desenvolvimento do jovem.

Na entrevista concedida aos autores, estudantes de disciplina do mestrado da Udesc Esag, a Diretora Técnica Izabel Carolina Martins Campos, a Coordenadora Geral Cibele Farias e a Coordenadora do NUFT Karla Moreira detalham alguns aspectos sobre a Instituição IDES e sobre Programa Jovem Aprendiz

Com base em conceitos de governança em rede e coprodução de serviços públicos, analisou-se o Programa Jovem Aprendiz.  

Em primeiro lugar, observa-se que o Programa é percebido pelas empresas contratantes sob diferentes perspectivas, que se manifestam no acolhimento e no tratamento ao jovem. Algumas empresas não revelam uma preocupação tão clara com o caráter social do Programa e o concebem  como uma simples obrigação legal ou uma possibilidade de contratar mão de obra corriqueira e de obter benefícios fiscais e econômicos (redução para 2% do FGTS, menor contribuição previdenciária para empresas optantes pelo Simples, dispensa de Aviso Prévio Remunerado, isenção de multa rescisória e pagamento de 50% do salário mínimo aos jovens aprendizes). Sobressai o interesse particular em detrimento do interesse social. Outras veem no Programa uma oportunidade de aprendizagem e de contribuir para a formação de um jovem para a vida profissional, qualificando-o e preparando-o para a convivência social e a participação cidadã.

Em muitos casos, a falta de engajamento das empresas prejudica o cumprimento do propósito do Programa. Por isso, as entidades qualificadoras, além do seu papel de intermediadoras e capacitadoras, precisam conscientizar as empresas sobre a importância do serviço que elas estão prestando à sociedade, entendendo, em primeiro lugar, a realidade do jovem que acolhem.

A professora Carlota Medeiros analisa, em seu livro “Jovem Aprendiz”, as concepções e práticas dos atores sociais envolvidos com o Programa.

O livro é fruto de uma pesquisa realizada com jovens adolescentes acolhidos pelo Instituto Lar da Juventude de Assistência e Educação Parque Dom Bosco, de Itajaí.

O estudo não apenas revela as dificuldades desses jovens, mas indica que elas podem ser superadas quando se deparam com uma instituição cujo objetivo primeiro é atender às demandas dos adolescentes.

O Estado, apesar de regular as diretrizes gerais na concepção e articulação do Programa, não explora todo o potencial da governança compartilhada, que poderia ser desenvolvida no âmbito local por meio da aproximação e desenvolvimento das relações entre os agentes envolvidos. As entidades formadoras, as empresas e os jovens poderiam participar ativamente na rede desenvolvendo uma governança mais dinâmica conforme a sua própria realidade, sem focar apenas na relação contratual, e o Estado poderia prever e estimular essa interação.

Para dinamizar as redes que constituem o Programa Jovem Aprendiz, um aspecto crucial seria o envolvimento dos jovens em todas as etapas do processo, do design do Programa até sua implementação e avaliação contínua. A carência de envolvimento do jovem no design do Programa é algo que nem sempre é compreendido pelos atores, principalmente quanto às atividades a serem desempenhadas e à capacitação. Isso demonstra que, na rede de atores, o jovem, que é o principal beneficiário e razão de ser do Programa, tem apenas o papel de usuário e não de coprodutor do serviço.

Ainda que se observe esses limites, o Programa é relevante como política pública voltada à inclusão social e erradicação do trabalho infantil, proporcionando a jovens a oportunidade de se inserirem no mercado de trabalho, assegurando-lhes seus direitos individuais e trabalhistas.

Há uma extensa produção de artigos e trabalhos que exploram o tema e analisam o alcance do Programa como política pública orientada a minimizar  as problemáticas do trabalho infantil e o desemprego de jovens. O artigo “Juventude e Educação Profissionalizante: Dimensões Psicossociais do Programa Jovem Aprendiz” de Maria de Fatima Quintal de Freitas e Lygia Maria Portugal de Oliveira, propõe uma reflexão sobre juventude e educação profissionalizante. A dissertação de Paulo Roberto Moraes da Luz, “Programa Jovem Aprendiz: Um estudo de caso da política pública e suas implicações no mundo do trabalho”, analisa a efetividade social de programas de inserção de jovens no mundo do trabalho.

A inserção do jovem como aprendiz tem sido acompanhada de perto pelo Ministério do Trabalho e Emprego, MTE. O Fórum Nacional de Aprendizagem Profissional, FNAP, realizado periodicamente em Brasília e coordenado pela Secretaria Executiva do Ministério, promove o contínuo debate entre instituições formadoras, órgãos de fiscalização e representação de empregadores e trabalhadores; desenvolve, apoia e propõe ações de mobilização pelo cumprimento de contratação de aprendizes e monitora e avalia o alcance das metas de contratação e efetividade na oferta de programas de aprendizagem profissional. O Ministério aperfeiçoa o seu portal na internet com informações pertinentes à contratação de jovens, cadastramento das entidades qualificadoras e consulta das entidades e cursos validados. Seguindo o princípio da transparência, são divulgados boletins da Aprendizagem Profissional, com informações atualizadas sobre contratações e desligamentos. Os números divulgados nesses boletins podem não refletir exatamente a realidade, haja vista a ausência de um cadastro único e o fato de que muitas empresas não informam os dados.

Observa-se, portanto, que diante de uma problemática desafiadora como a do desemprego de jovens e a do trabalho infantil, as alianças e redes colaborativas entre diferentes atores e setores – Estado, mercado e comunidade e suas organizações – tendem a ser mais efetivos no desenho e na execução de políticas públicas.

O Programa Jovem Aprendiz é um exemplo disso, embora possa explorar muito mais seu potencial de governança compartilhada e coprodução dos serviços. A participação do jovem no design e implementação do Programa, com voz e poder nas decisões e na sua execução, se ocorresse, asseguraria o seu papel como coprodutor do serviço, ao lado das entidades formadoras, das empresas e dos órgãos de governo envolvidos. Isso contribuiria para inovações a partir da criatividade e potencial dos jovens, geraria mais oportunidades de engajamento e responsabilização de todos, e aproximaria o Programa da realidade social e familiar dos jovens. As empresas também podem participar mais ativamente, conscientes da importância de seu papel na formação e qualificação do jovem.

Em suma, já se alcançou bastante por meio da colaboração entre diferentes atores e setores. Há potencial para aproveitar mais os recursos e capacidades das pessoas envolvidas e gerar mais aprendizagem para todos. Pode-se avançar das políticas “para” os jovens, “para” os “beneficiários” e conduzir políticas e serviços públicos “com” eles, com todos os que tem algo a contribuir e aprender no processo.

Referências:

IRMANDADE DO DIVINO ESPÍRITO SANTO (IDES). Núcleo Formação e Trabalho (NUFT). Disponível em: https://www.ides-sc.org.br/nuft. Acesso em: outubro de 2018

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO  – MTE. Disponível em: < http://www.mte.gov.br>. Acesso em: outubro de 2018.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO E EMPREGO – MTE. Manual da aprendizagem: o que é preciso saber para contratar o aprendiz. Disponível em: <http://www.trabalho.gov.br/images/Documentos/Aprendizagem/Manual_da_Aprendizagem2017.pdf>. Acesso em: outubro de 2018.


*Texto elaborado por Bruna Vargas (bruna__vargas@hotmail.com), Jaildo Rosa Junior (jaildo182@hotmail.com), Jean Soares (jota.soares@hotmail.com) e Maria Luciana Trigos (lucianatrigos@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança, Redes e Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018, no Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.