O papel do Ministério Público no processo de prestação de contas das fundações de direito privado

Por Arthur Bernardo Corrêa, Leticia Macedo, Mariana Silva e Vitor Antonio Celso*

Você conhece a relação entre as fundações e o Ministério Público? Será que o processo atual é o mais eficiente e efetivo?

As fundações, em especial as fundações de direito privado, possuem o propósito de prestar serviços que sejam relevantes à sociedade e que colaborem com o Estado. Elas exercem uma função social e algumas podem se caracterizar como entidades beneficentes, dependendo de sua finalidade, consoante ao artigo 62, do Código Civil.

O Controle das Fundações

A partir da criação de uma fundação de direito privado, ela passa a ser fiscalizada (velada) pelo Estado, que fica responsável pela fiscalização quanto ao cumprimento de seus propósitos e regras.

Para uma fiscalização mais presente, a responsabilidade é atribuída aos Ministérios Públicos localizados nos respectivos estados em que está a sede de cada fundação.

Esse controle é regulamentado pelos artigos 62 a 69 do Código Civil Brasileiro, Código de Processo Civil (arts. 1199/1204) e Lei de Registros Públicos (arts. 114/120).

Em Santa Catarina…

O Processo de Fiscalização

No Ministério Público de Santa Catarina, o processo de velamento ocorre de três formas:

  1. Por meio da promotoria responsável por instaurar os procedimentos administrativos e fiscalizando se a atividades que estão sendo desenvolvidas pelas fundações vão ao encontro do seu estatuto, elaborados nos moldes dos artigos 1199 a 1204, do Código de Processo Civil;
  2. Por meio do Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos e o Terceiro Setor, que atua no suporte técnico para as fundações e na criação de campanhas que conscientizem sobre o tema;
  3. Há, ainda, o Centro de Apoio Operacional Técnico (CAT), que realiza a auditoria das prestações de contas das fundações.

O Processo de Prestação de Contas

Todo processo de prestação de contas é facilitado pela utilização do Sistema de Cadastro e Prestação de Contas – SICAP.

Um software por meio do qual as fundações preenchem suas informações cadastrais e seus demonstrativos contábeis. As prestações de contas, após análise realizada pelo CAT, são remetidas à Promotoria de Justiça da respectiva comarca, até seis meses após o encerramento do exercício financeiro.

Esse controle é regulamentado pelo artigo 19 Ato N. 168/2017/PGJ

A Accountability e o Ministério Público

O processo de accountability nos remete um princípio básico da administração pública, que é a transparência dos atos públicos, tendo em vista que o próprio conceito se volta mais à fiscalização e responsividade de tais atos.

O MP atua fiscalizando e gerando informações qualificadas e disponíveis ao público.

O que se vê na atuação do Ministério Público de Santa Catarina ao agir no controle de fundações, é uma ação de controle institucional sobre organizações da sociedade civil e que busca defender o interesse público.

  • Accountability institucional: é quando acontece o processo de avaliação e responsabilização no âmbito do próprio Estado.

Além disso, a fiscalização não se refere apenas à atuação ex post e à aplicação de sanções, se for o caso. Trabalha-se de modo preventivo e buscando oferecer  apoio técnico. O que caracteriza outro conceito ou tipo de accountability:

  • Accountability horizontal: processo que acontece por meio das agências governamentais que ajudam a monitorar as atividades entre os poderes, deixando nesse caso os cidadãos mais distantes desse processo de fiscalização.

Então, observa-se que o MPSC possui uma função imprescindível para com a sociedade e o Poder Público. É uma instituição que auxilia nas ações das autoridades públicas diante de tais fundações, ao mesmo tempo que fornece um apoio e vela pelas mesmas. Porém, mesmo aplicando algumas estratégias que promovam a transparência, o Ministério Público de Santa Catarina não possui envolvimento ativo da sociedade em todo seu processo de fiscalização.

A Relação entre as Fundações e o MP

As fundações precisam – obrigatoriamente – prestar contas de forma clara e formal ao Ministério Público. Mas por quê? As fundações recebem amparo do Poder Público  e, por isso, precisam mostrar que estão cumprindo com suas obrigações legais e seu estatuto, de modo a validar o respectivo apoio. A forma de demonstrar isso seria através do velamento realizado pelo órgão do Ministério Público, que também oferece apoio técnico e feedbacks às fundações.

Este é uma espécie de fomento às fundações de modo a apoiar sua finalidade, através do Poder Público, atuando o Ministério Público como um fiscalizador da respectiva instituição, que avaliará se faz jus ao provimento ou não.

Por exemplo, existem imunidades tributárias, segundo as quais as fundações não precisam pagar impostos sobre o que é destinado às suas finalidades. Ilustrando…

  • Um território de propriedade de uma fundação, que possui o fim específico de ser utilizado em seus serviços, tem imunidade no IPTU.

O artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal, é explícito quanto à vedação de instituir impostos às fundações sem fins lucrativos que seguem em conformidade com a lei.

Deveres das Fundações

Com toda essa fiscalização, cabe à instituição seguir as normas para atingir o apoio e imunidades já citados. Veja algumas das diretrizes que as fundações precisam seguir:

  • aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos objetivos sociais;
  • apresentar demonstrativos contábeis e relatório de atividades;
  • seguir em conformidade com seu estatuto previamente elaborado;
  • atuar de modo a atingir seu objeto social, sendo através de atividades lícitas e sem a finalidade de almejar lucros;

A eficiência e a efetividade do processo

Todo esse procedimento de fiscalização e controle imposto pelo Estado faz questionar sobre a eficiência e a efetividade do processo, considerando as fundações existentes em Santa Catarina.

Além disso, a crescente carga de trabalho atribuída às mais variadas áreas do Ministério Público acaba tornando difícil para se ter um controle, fiscalizar todas as fundações. Ainda, a partir de suas funções, prestar suporte técnico a todas às fundações, devido a uma certa sobrecarga do órgão. Essa situação faz com que surjam algumas incógnitas recorrentes:

  • Deveria existir mais incentivos para que a população ajudasse de alguma maneira nesse processo?
  • A concentração do poder de controle pelo Estado não se tornae um agravante dessa falta de atuação mútua com a sociedade?

Para ilustrar

Fomos atrás de especialistas no assunto! Em uma conversa com Dr. João Carlos Teixeira Joaquim, pudemos entender melhor o cenário.

Ficou interessado? Veja só o que o Promotor de Justiça e Coordenador do CAT e do LAB-LF, do Ministério Público de Santa Catarina, nos respondeu:

Dada a experiência em Santa Catarina, como o MP avalia o processo de velamento de fundações? O propósito da lei que o define é cumprido? O que poderia ser aprimorado?

A norma geral de regulamentação nesse tema é o Código Civil (art. 62 a 69) que, apesar de sucinta, orienta sobre os preceitos básicos do velamento pelo Ministério Público.

No âmbito do Ministério Público de Santa Catarina, a atividade de velamento das Fundações privadas é regulamentada pelo Ato n. 168/2017/PGJ. Tal atividade contempla desde o acompanhamento da instituição (aprovação de estatutos) e o desenvolvimento das atividades (prestações de contas e atas de reuniões dos órgãos de gestão), até o encerramento das atividades (extinção administrativa ou judicial).

Oportunidades de aprimoramento ocorrem em todos os aspectos do velamento, especialmente uma potencial agilização dos processos a partir de sua automatização e da digitalização dos procedimentos de fornecimentos de dados por parte das fundações. Bases de dados digitais podem ser analisadas com maior agilidade, facilitando o fornecimento dos dados e potencializando resultados mais efetivos do velamento.

Existem canais de comunicação entre o MPSC e as fundações de direito privado para que os envolvidos recebam feedback e busquem em conjunto o aprimoramento dos processos?

O principal canal de comunicação à disposição da Fundação é a Promotoria de Justiça, que tem a atribuição na área de Fundações e Terceiro Setor, na comarca onde está situada a entidade. De forma complementar, uma equipe técnica composta por servidores com formação em contabilidade pode auxiliar no esclarecimento de dúvidas quanto ao preenchimento das prestações de contas enviadas anualmente ao Ministério Público.

O MPSC consegue atender à demanda existente por apoio técnico e outras atividades relativas ao velamento das fundações de direito privado?

Atualmente há 150 fundações privadas em atividade em Santa Catarina, distribuídas por 56 Comarcas (cerca de 40 foram extintas, tendo como motivo principal a inatividade nos últimos anos). Cada promotoria de Justiça tem seus próprios controles de acompanhamento e fiscalização.

No que tange ao apoio técnico, a equipe técnica conta com três servidores, que tem prazo de 120 dias para apresentar relatório técnico-contábil das análises realizadas nas prestações de contas. Normalmente ocorre acúmulo de demandas nos primeiros meses do segundo semestre, pois as fundações têm até o dia 30 de junho para prestarem contas do ano anterior, e acabam enviados seus arquivos bem próximos à data limite.

Como o MPSC vê a participação dos conselhos das fundações e suas comunidades para auxiliar na transparência e cumprimento das expectativas sobre o papel das fundações na sociedade?

A partir do pressuposto de que “conselhos das fundações” sejam os órgãos de gestão, tais como Conselho Curador e Conselho Fiscal, tem-se que o Conselho Fiscal atua como principal fonte de informações de eventuais irregularidades, em função da sua atribuição (parecer sobre as contas) e autonomia funcional. Quanto à participação das partes relacionadas, sociedade civil, fornecedores, beneficiários, funcionários ou dirigentes, não há atuação efetiva em termos de controle social, apesar de ser importante fonte secundária de informações.

Então

Nota-se que as fundações são constituídas para um fim específico de interesse público.

Assim, poderia existir um trabalho em conjunto com a população, para que além de solucionar os problemas citados, também ajudaria a fortalecer a confiança da sociedade para com o terceiro setor.

E como você enxerga as soluções?

Referências

BARROS, Vitor. Entrevista concedida para equipe. Florianópolis, 29 nov. 2018. Disponível  em: <https://docs.google.com/document/d/e/2PACX-1vQUDIpIloxpsvhHBqNOaE-X5J1VY7YA6LdAr7JL5iBHPUwNvS9qa1ZAbSdVT48DBliXvquKqz5DDHJl/pub> 

BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. BRASIL, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 31 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.  Institui o Código Civil. BRASIL, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 31 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.  Código de Processo Civil. BRASIL, Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 31 out. 2018.

MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Terceiro Setor, Disponível em: < https://www.mpsc.mp.br/areas-de-atuacao/terceiro-setor>. Acesso em: 01 out. 2018.

SCHOMMER, Paula Chies. Coprodução do Controle e Accountability Social: panorama de iniciativas e tendências. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=q6kusUUhgd0>. Acesso em: 25 nov. 2018

*Texto elaborado por Arthur Bernardo Corrêa (arthurbernardocorrea@gmail.com), Leticia Macedo (macedoleticiam@gmail.com), Mariana Silva (marianasilva270897@gmail.com) e Vitor Antonio Celso (vitorcelss@gmail.com), no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada no segundo semestre de 2018 pela professora Paula Chies Schommer, no curso de administração pública da Udesc Esag.