Uso de robôs no pregão eletrônico: ilicitude ou avanço nas licitações públicas?

*Por Ytahara Simões, Raquel Ferreira, Cecília Sousa e Emanuelle Filipini

A inserção da tecnologia da informação, TI, na administração pública propicia celeridade e eficiência nos expedientes administrativos e na provisão de bens e serviços públicos. Nas contratações públicas, não é diferente. No entanto, o uso de novas tecnologias também traz riscos e dilemas, por ser uma nova prática no serviço público cujos impactos ainda não são plenamente mensurados.

A TI permite organizar e sintetizar informações de uma massa significativa de dados. Isso permite qualificação da atuação do Poder Público frente às demandas, inclusive aquelas que envolvem os expedientes administrativos. Essa otimização de processos também se estende às empresas privadas.

O processo de contratação pública compreende três fases: fase interna ou preparatória; licitação e; fase externa ou executória (gestão contratual). É na fase da licitação, quando a contratação é materializada pela modalidade pregão, em formato eletrônico, que o uso da TI tem acontecido por meio do uso de robôs eletrônicos na oferta de lances.

Esses robôs são softwares que geram lances ou ofertas de preço de forma automática em fração de segundos. São inseridos no ambiente virtual de disputa do pregão eletrônico para capturar os lances enviados pelos demais licitantes para, em poucos segundos, classificar a informação obtida e enviar uma proposta com valor inferior ao menor lance até então ofertado por uma empresa concorrente.

O uso de robôs para oferta de lances por parte das empresas configura-se como uma ferramenta de simplificação dos processos, além de permitir economia às empresas, por não precisarem despender recursos com um profissional para atuar exclusivamente nos lances do pregão eletrônico. O uso do software é uma peça fundamental, uma vez que esse pode ser programado para dar os lances de acordo com a disponibilidade máxima que a empresa se dispõe a ofertar para buscar vencer a concorrência.

Na opinião de especialistas no tema, como Valéria Costa, criadora de conteúdo do site Web Licitações, no link: https://www.weblicitacoes.com.br/o-uso-de-robo-em-pregao-eletronico/, o licitante que utiliza o software potencializa a sua chance de vencer a disputa da licitação e fere a concorrência e o princípio da isonomia, entendido como igualdade perante a lei, segundo o qual todos são iguais sem distinção de qualquer natureza.  Esse princípio é tratado no art. 3 da lei 8.666/1993, que dispõe sobre as licitações públicas de forma geral.

Art. 3 a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e cita também que será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos (Brasil, 1993).

Não obstante, para outros, o uso de robôs facilita a disputa de lances/ofertas, conforme argumenta Fernando Salla, CEO da Effecti – empresa especializada em desenvolver soluções para fornecedores participantes de licitações – na matéria “Precisamos desmistificar o robô de lances no processo licitatório” no Estadão.

Não existe hoje uma lei específica sobre o uso do robô no pregão eletrônico. A tipificação legal mais próxima à utilização do “robô” está prevista no art. 90 da Lei de Licitações no 8.666 de 1993:

Art. 90.  Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

A Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão emitiu, em 2013, a Instrução Normativa  03/2013, no link: http://comprasnet.gov.br/legislacao/legislacaoDetalhe.asp?ctdCod=669 que determina que o intervalo entre os lances de um mesmo licitante não pode ser inferior a 20 (vinte) segundos e os lances, de modo geral, devem respeitar um intervalo mínimo de 3 (três) segundos.

A mais nova questão em torno do tema é sobre a regulamentação do recente Decreto n° 10.024/2019, no link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10024.htm. Este trouxe mudanças substanciais para o processo de contratação pública, dentre essas, destaca-se o formato de disputa aberto, em que os licitantes apresentarão lances sucessivos por dez minutos e, após isto, caso não haja lance por dois minutos da última proposta, o sistema encerra a disputa automaticamente. O outro formato de disputa caracteriza-se pela união de dois modelos de concorrência, o aberto, que trata da soma de oferta de lances por quinze minutos, seguido do fechamento iminente dos lances de forma aleatória. E a disputa fechada, na qual ocorre a proposição do último lance por parte dos licitantes portadores das ofertas de melhor preço, e cada qual realiza sua última oferta sem conhecimento do valor dos demais proponentes.

Com a proposição da oferta fechada, prevista nesse Decreto do pregão eletrônico, a expectativa é de que haja mais isonomia na concorrência. Diante disto, o uso do robô poderá não ser mais uma grande vantagem para aqueles que fazem uso do software.

Segundo Carla Giani da Rocha, servidora da Secretaria de Estado da Administração de Santa Catarina, mesmo com a implementação do novo Decreto, o uso de robôs eletrônicos nas contratações públicas continuará representando potencial vantagem para os licitantes, pois não é necessário que uma pessoa disponha as ofertas no momento da concorrência do certame. O robô pode ser programado para tal atividade. Mas isso não é um problema, pois a tecnologia de robôs para pregões está disponível no mercado, a preços acessíveis, e pode ser adquirida pelas empresas que participam de pregões com a administração pública. O uso da TI otimiza os processos e gera maior eficiência na atuação, tanto da administração pública quanto das empresas. Portanto, em lugar de se gerar obstáculos ao uso das tecnologias, deve-se abrir espaço para elas, testar e aprimorar os processos, com razoabilidade e prudência. Conforme afirma Carla:

“O Poder Público, nas compras públicas, não deve se preocupar propriamente com a inserção dos robôs no pregão eletrônico, pois o mercado dá conta dessas inovações, mas deve se preocupar com a elaboração dos mecanismos de absorção destas inovações do mercado de forma a atender todos os princípios da administração pública.”

Diante do exposto, a inserção da TI configura-se como um mecanismo de potencial avanço para o serviço público, em especial nas compras públicas. Sua utilização adequada permite que a licitação seja acessível a um maior número de fornecedores, com ferramentas de automação capazes de otimizar os processos, inclusive as ofertas de lances.

Ouça aqui a entrevista completa com Carla Giani da Rocha no programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc.

Referências

BRASIL. Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 13 de nov. de 2019.

BRASIL. Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instrução Normativa nº 03, de 04 de outubro de 2013. Altera a Instrução Normativa nº 3, de 16 de dezembro de 2011, que estabelece procedimentos para a operacionalização do pregão, na forma eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais – SISG, bem como os órgãos e entidades que firmaram Termo de Adesão para utilizar o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – SIASG. Disponível em: http://comprasnet.gov.br/legislacao/legislacaoDetalhe.asp?ctdCod=669. Acesso em: 13 de nov. de 2019.

BRASIL. Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019. Regulamenta a licitação, na modalidade pregão, na forma eletrônica, para a aquisição de        bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da       administração pública federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10024.htm. Acesso em: 13 de nov. de 2019.

COSTA, Valéria. Web Licitações. O uso de robô em pregão eletrônico é permitido?, 2019. Disponível em: https://www.weblicitacoes.com.br/o-uso-de-robo-em-pregao-eletronico/. Acesso  em: 13 de nov. de 2019.

SALLA, Fernando. Estadão. Precisamos desmistificar o robô de lances no processo licitatório, 2019. Disponível em:

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/precisamos-desmistificar-o-robo-de-lances-no-processo-licitatorio/. Acesso em: 13 de nov. de 2019.

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Ytahara Simões, Raquel Ferreira, Cecília Sousa e Emanuelle Filipini, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019.