Como estabelecer os limites da transparência? Análise de Fabiano Angélico publicada no Estadão

===============
Como estabelecer os limites da transparência?

O princípio consagrado internacionalmente de que a publicidade deve ser a regra embute uma dificuldade prática

Por Fabiano Angélico*
O Estado de São Paulo
31 de Janeiro de 2017
05h00

(link para o texto original: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,analise-como-estabelecer-os-limites-da-transparencia,70001647243)

Em termos de transparência, a publicidade deve ser a regra, enquanto o sigilo deve ser a exceção. Esse princípio, consagrado internacionalmente, embute uma dificuldade prática: como estabelecer os limites da transparência? Até que ponto e em que situações concretas a restrição ao acesso à informação é mais benéfico do que deletério para o conjunto da sociedade?

Nenhuma legislação no mundo consegue especificar os limites da transparência de maneira precisa. O que se busca, de forma a contornar essa dificuldade, é o estabelecimento de procedimentos ex post, deflagrados a partir de demandas por acesso a informações específicas. Alguns países, por exemplo, criaram “provas de dano e de interesse público” em suas leis de acesso à informação, de modo a estabelecer procedimentos para avaliações a partir de casos concretos.

É sob esse prisma que deve ser analisado o estabelecimento de sigilos referentes a dois casos de enorme repercussão e impacto, que desperta interesse tanto no Brasil como no exterior: as investigações do acidente que levou ao súbito desaparecimento de Teori Zavascki e os depoimentos que compõem o acordo de delação premiada de executivos da Odebrecht.

Em tese, informações relativas a investigações em andamento devem ser mantidas em sigilo. Para se obedecer ao princípio da máxima publicidade, porém, é preciso analisar a gigantesca demanda por acesso a informações em relação a esses dois casos específicos e o legítimo interesse público em torno deles – interesse, aliás, que está alinhado com a atuação dos profissionais do Estado que trabalham de maneira íntegra: salvaguardar as investigações, para garantir que elas tenham um desfecho favorável ao bem comum. 

Assim, é razoável considerar mecanismos que ao mesmo tempo protejam a investigação e promovam a segurança de que os fatos estão sendo devidamente apurados. Nessa linha pode-se cogitar ao menos três propostas: a divulgação, na íntegra, de documentos relevantes, com o cuidado de se proteger informações sensíveis (com tarjas pretas, por exemplo); criação de uma dinâmica em que haja relatórios parciais com divulgação periódica (cuja periodicidade seja pré-definida), de modo que qualquer pessoa possa acompanhar de perto os desdobramentos das investigações; e a criação de uma comissão independente, que poderá acompanhar as investigações e fazer relatos públicos a respeito do andamento delas.

Há diversas evidências que há interesses poderosos buscando frear a Operação Lava Jato. Num contexto em que o valor da informação é altíssimo, o sigilo absoluto, além de proteger aqueles que querem sabotar investigações, pode levar a vazamentos seletivos, estimulando rumores e fortalecendo teorias da conspiração. A transparência poderia ajudar a separa o que é rumor e o que é baseado em fatos e evidências.

O desafio, portanto, é buscar a máxima transparência possível, de modo a garantir o adequado andamento e desfecho das investigações.

* Fabiano Angélico é consultor e pesquisador pós-graduado em transparência e combate à corrupção pela Faculdade de Direito da Universidade do Chile

Novos e antigos desafios se impõem às municipalidades

Por Elaine Cristina de Oliveira Menezes*


O ano de 2017 apresenta inúmeros desafios para a gestão pública. Tais desafios são sentidos tanto por governos nacionais, quanto pelos governos locais. Todavia, os governos locais, no Brasil, encontram-se em um momento singular de potencialidades e também de grandes desafios.
Dentre os antigos e sempre atuais desafios que se colocam à gestão pública está a ampliação das demandas e da pressão por serviços públicos de qualidade no nível local. Algo positivo, mas que traz dificuldades às administrações municipais. Tal fato ocorre principalmente em função de, no Brasil, haver um federalismo fiscal desequilibrado, que centraliza recursos (receitas públicas e regulação) no âmbito da União, e que os descentraliza por meio de transferências e programas padronizados, em um país marcado pela diversidade regional.
Reconhece-se que a Constituição de 1988 fortaleceu o federalismo brasileiro por meio do aumento da autonomia fiscal de estados e municípios. Descentralizou os recursos, primeiro, por meio da atribuição de competências a cada ente da federação (união, estados e municípios) e, segundo, por meio das transferências tributárias constitucionais e transferências voluntárias, as segundas geralmente firmadas por meio de convênios e contratos com a União.
No entanto, as transferências voluntárias, firmadas por meio de convênios e contratos, possivelmente, na gestão 2017-2020, serão menores do que as que aconteceram nas últimas gestões, já que dependerão diretamente da situação orçamentária do Governo Federal. Isso poderá acarretar a diminuição do investimento público no nível municipal, já que a maior parte dos investimentos municipais tinha apoio direto dos programas do Governo Federal, geralmente articulados por meios dos ministérios (assim, em termos de responsabilidades, os recursos continuam centralizados na União).
Além disso, as municipalidades terão o antigo desafio de gerenciar os recursos de maneira mais eficiente e racional. O que impõe que os gestores municipais procurem investir em capacitação dos servidores municipais, na utilização massiva da tecnologia da informação para minimizar e desburocratizar os processos da gestão pública, e na promoção do (re)design e da inovação nos processos e serviços públicos, com envolvimento de servidores e usuários. Bons exemplos de novas práticas de gestão pública têm se apresentado como alternativa e têm sido incentivadas, por exemplo, pelo Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização – Gespública, que apoia o desenvolvimento e a implantação de soluções que permitam um contínuo aperfeiçoamento dos sistemas de gestão das organizações públicas e de seus impactos junto aos cidadãos.
Sendo assim, as municipalidades têm como alternativa usar os recursos públicos de maneira mais racional, inovadora e democrática, além de ampliar a conformação de parcerias público-privadas, de consórcios municipais e regionais, com muitos exemplos exitosos no Brasil, e da formação de um aparelho estatal mais aberto a esses novos arranjos institucionais.
Dentre os novos desafios está, primeiramente, a polarização do discurso político, com impactos na governança pública e na articulação inter e intragovernamental. Tem-se a necessidade de conciliação dos discursos em prol de uma agenda pública comum e viável no contexto de restrições. As municipalidades necessitam, também, ampliar a transparência da gestão pública como condição do acesso à informação, da confiança e da participação cidadã.
Os novos desafios impõem, assim, que a gestão pública municipal seja capaz de otimizar os recursos públicos, conciliar e articular interesses e oferecer mais transparência e mais efetividade no suprimento das demandas locais.
É preciso reconhecer quão complexos são os novos e antigos desafios da gestão pública municipal. Talvez o maior deles seja a conciliação de interesses e a complexidade da gestão, considerando que são diversos os atores que compõem a arena pública (diversos segmentos da sociedade civil, gestores públicos, organizações públicas e privadas, acadêmicos, etc.). Entretanto, muitas das alternativas passam pela participação do cidadão, tanto na definição de diretrizes, de uma nova estrutura do Estado e de agenda pública, quanto na coprodução dos serviços públicos de qualidade.
O passo inicial para os gestores municipais parece estar na maior abertura para a sociedade e no diálogo (para descobrir quais são as prioridades e construir consensos e alternativas) e, depois, na racionalização dos recursos, a partir das necessidades atuais dos cidadãos, mas sem comprometer as necessidades futuras. Articulando, assim, os diferentes atores locais em variados arranjos institucionais e formas inovadoras de governança colaborativa. O passo seguinte (em meio a um processo que é contínuo) é conformar, em conjunto com a sociedade, uma agenda pública local que ultrapassa a agenda governamental e a agenda de um mandato e, ao mesmo tempo, se articular regionalmente e contemplar o horizonte temporal do longo prazo, ancorado por esses novos arranjos institucionais.
São muitos os desafios, mas os tempos de crise podem também ser férteis para revelar as potencialidades e desenvolver as capacidades de governantes, servidores públicos e cidadãos.

*Elaine Cristina de Oliveira Menezes é professora do Curso de Gestão Pública e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável na Universidade Federal do Paraná e é pesquisadora colaboradora do Grupo de Pesquisa Politeia, da Udesc Esag.

Município Transparente é tema de encontro promovido pela CGU no dia 06 de Fevereiro, reunindo prefeitos e prefeitas em 26 estados

As inscrições podem ser feitas até 31 de Janeiro.
Detalhes em: http://www.cgu.gov.br/sobre/institucional/eventos/2017/encontro-municipio-transparente


Promovido pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), o evento objetiva orientar sobre a aplicação dos recursos públicos federais. Os eventos serão regionalizados, nos 26 Estados do país, reunindo prefeitos e prefeitas para esclarecer iniciativas de melhoria da gestão, combate à corrupção e incentivo à transparência.
Na programação, temas como: fiscalização nos municípios, orçamento, licitações e contratos, prestação de contas, ouvidoria, transparência pública, Lei Anticorrupção e atuação do controle interno na Administração Pública. Será apresentado também o Painel Municípios, ferramenta que consolida dados e avaliações do Ministério da Transparência para apoiar a gestão municipal, indicando informações específicas de cada localidade do país. Ainda, serão compartilhadas boas práticas e discutidos novos caminhos na prevenção e no combate à corrupção no país.

Prêmio ICE Finanças Sociais e Negócios de Impacto recebe inscrições até 31 de Janeiro

O Prêmio é promovido pelo ICE – Inovação em Cidadania Empresarial e busca incentivar e reconhecer trabalhos acadêmicos sobre Finanças Sociais e Negócios de Impacto de todo o Brasil. Podem participar os alunos de graduação e pós-graduação, junto com seus orientadores.

Alunos e orientadores podem ganhar, cada um, prêmios em dinheiro de R$ 3.000 (graduação) a R$ 8.000 (mestrado)!

O site com o regulamento está no ar (http://www.ice.org.br/premioice/2016), e as inscrições ficam abertas até 31 de janeiro!

 
 
 

 

 

Prazo para submissão de artigos para o Dossiê “Participação, Democracia e Políticas Públicas na América Latina” é prorrogado para 08 de Fevereiro

Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais – RPPI

Prorrogada Chamada de artigos – Dossiê “Participação, Democracia e Políticas Públicas na América Latina”

Diversos países latino-americanos desenvolveram, nos níveis locais e nacionais, experimentações inovadoras de participação social na definição, implementação, controle e fiscalização das políticas públicas nas últimas décadas, em distintos contextos. Observa-se uma considerável variação no desenho, no grau de institucionalização e na capacidade que tais experiências tiveram em impactar de fato as políticas públicas produzidas e a gestão da coisa pública, aprofundarem a democracia, e perdurarem ao longo do tempo. Para os estudiosos da área, coloca-se o desafio de construir ferramentas analíticas que permitam mensurar os resultados e o legado destas experiências, e estabelecer metodologias comparativas e replicáveis em diferentes contextos, que possam contribuir para a elaboração de um panorama atualizado do tema na região. Nos últimos quinze anos, parte dos países teve a oportunidade de vivenciar governos federais à esquerda que impulsionaram novas experiências participativas, de acordo com as possibilidades concretas encontradas e com o seu modo de compreender a participação popular. Para estes países, o desafio torna-se ainda mais relevante tendo-se em conta a volta ao poder de lideranças de orientação conservadora e neoliberal, e seus possíveis impactos sobre este tipo de experiência. Isto posto, a RPPI abre a presente chamada para submissão de artigos que contribuam para o debate sobre os resultados das experiências recentes de participação em âmbito latino-americano, tanto em nível doméstico quanto internacional, incluindo estudos de casos em contextos nacionais específicos, e estudos comparativos entre diferentes países.
Data limite de submissão de artigos: 08/02/2017
Divulgação dos resultados: 15/03/2017
Publicação: maio/2017

Detalhes em: http://periodicos.ufpb.br/index.php/rppi/announcement/view/378

População em situação de rua: história invisíveis, preconceitos evidentes

Por Gabriel Marmentini, Luiza Stein da Silva e Willian Narzetti*

Quantas vezes você já passou por um local onde encontrou pelo menos um morador de rua? Talvez muitas. Dessas, quantas vezes você sentiu medo, nojo e/ou indiferença? Talvez a maioria. Não, não é só você que tem esses sentimentos. Trata-se de algo cultural, construído ao longo do tempo e difundido para a maioria dos brasileiros. Não conseguimos compreender as dores e necessidades dessas pessoas, e acaba sendo mais fácil julgar e se manter alheio a esse universo paralelo. Generalizações como: “quem está na rua é vagabundo”; “todos que moram na rua usam drogas e bebem”; “se um morador de rua tiver a oportunidade de roubar ele o fará” – são mais que comuns em nossa sociedade.
O quanto disso é verdade? O quanto nos blindamos de preconceitos e achismos?
Vamos discutir em dois artigos alguns desses pontos com o objetivo de gerar empatia e um novo olhar para essa população. Neste primeiro conteúdo, faremos uma introdução ao tema; e aprofundaremos questões como legislação vigente, papel do governo, e papel da sociedade civil. No segundo abordaremos um caso prático da cidade de Florianópolis.
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: O QUE É?
A nomenclatura correta do ponto de vista legal é população em situação de rua e não moradores de rua. Isso porque as políticas públicas mostram claramente um objetivo em retirar as pessoas da rua, ou seja, elas estão temporariamente nesta situação (ou ao menos deveriam). De acordo com o Decreto nº 7053 de 2009, que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua, “considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”.
QUEM ESTÁ NAS RUAS? QUANTOS SÃO?
O universo da população em situação de rua é heterogêneo, não cabendo generalizações. Ainda assim é possível perceber alguns padrões, como: i) o gênero predominante é o masculino; ii) a cor da pele  não-branca predomina; iii)  a maioria é analfabeto ou completou apenas o ensino fundamental; iv) grande parte está solteiro(a) ou divorciado(a); v) a grande maioria vive de trabalhos pontuais (bicos) ou esmola e sua renda mensal não passa de meio salário mínimo. Mesmo não representando um padrão, vale comentar que existem diversos imigrantes em situação de rua espalhados pelo Brasil. A razão principal disto é a vinda em busca de trabalho e melhores condições de vida que acabam sendo frustradas.
Outro ponto importante – que costuma ser um preconceito de muitos – é que poucas pessoas em situação de rua têm antecedentes criminais. Isto está longe de ser um padrão. Sobre a quantidade de pessoas em situação de rua, não há um número unificado no Brasil. Os locais que produzem esse levantamento populacional por meio de órgãos oficiais às vezes não condizem com números levantados por outras organizações, como as da sociedade civil ou pesquisadores autônomos. Em Curitiba, por exemplo, têm-se registros de 1,7 mil pessoas em situação de rua, embora outras pesquisas já tenham estimado mais de 10 mil. Em Florianópolis, o número estimado ultrapassa 450 pessoas nessa situação, baseado em informações do Centro POP. Já em São Paulo este número sobe para a casa dos 15 mil.
MOTIVOS PARA IREM PRA RUA
De fato, parte dos preconceitos que temos se confirmam, mas não é por isso que devemos generalizar. Notícias na mídia e artigos científicos mostram diversos motivos que já estão em nossas mentes, como: alcoolismo, drogas e condições financeiras. Contudo, há motivos como doenças mentais, ausência da família, separação conjugal, expectativa frustrada de trabalho em outra cidade e, até mesmo, dificuldade de se adaptar às rotinas e regras básicas da sociedade.
A VIDA NAS RUAS
A população em situação de rua está a todo momento se reinventando. A aparente escassez de dinheiro e comida é suprida com a criatividade na busca de trabalhos pontuais – os famosos bicos, nas parcerias informais estabelecidas com donos de restaurante que dão comida, na forma como utilizam restos de alimentos e utensílios para cozinhar seus pratos. O ser humano é realmente muito adaptável e essa população nos permite observar isso bem, sobretudo quando se trata das regras das ruas. Não estão escritas, não há fiscalização, ninguém assina nada e todos respeitam as regras. Os recém-chegados, por exemplo, muitas vezes acompanham alguém mais experiente por algum tempo para que aprenda todas essas práticas da vida nas ruas. Portanto, fica a impressão de que a dificuldade em estar nas ruas está menos na falta de comida, segurança ou dinheiro, mas sim no preconceito, frio e pouco acesso aos serviços básicos de saúde.
O PAPEL DO GOVERNO
A relação do governo com a causa da população em situação de rua sempre existiu, dado que sempre foi “função governamental” acolher e assistir as populações à margem da sociedade, além de um dever intrínseco de garantir a segurança e zelar pela ordem social. Entretanto, essa relação de assistência à população em situação de rua veio se consolidar como uma obrigação legal apenas a partir da vigência da Constituição Federal de 1988.
A CF de 1988 prevê como fundamentos, em seu artigo 1º, a Cidadania e a Dignidade da Pessoa Humana. Além disso, coloca como princípios e objetivos a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, o bem de todos e a prevalência dos direitos humanos. Olhando para a população em situação de rua, não é difícil perceber que esta se encaixa perfeitamente nas obrigações do Estado.
Para adequar-se à Constituição, o governo e demais organizações criaram, ao longo das últimas décadas, diversos mecanismos legais, a fim de atender às demandas dessa população. Em 2004, é promulgada a Política Nacional de Assistência Social, fruto de construção coletiva e ampliada, a qual dá início ao surgimento de uma série mecanismos e outras políticas descentralizadas, preocupadas com a assistência social como um todo, incluindo a população em situação de rua.
Em 2005, é feito o I Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua, o primeiro espaço de discussão oficial desta realidade. Em 2008, é apresentado o resultado da primeira Pesquisa Nacional da População em Situação de Rua. Já em 2009 é criada a Política Nacional para a População em Situação de Rua.
A política nacional estabelece os princípios e diretrizes de trabalho a serem aplicados pelos demais entes da federação ao atuarem junto à esta população. O artigo 2º da política aborda que esta será implementada de forma descentralizada e articulada entre a União e os demais entes federativos que a ela aderirem por meio de instrumento próprio. Suas diretrizes são: a promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais; responsabilidade do poder público pela sua elaboração e financiamento; integração dos esforços do poder público e da sociedade civil para sua execução; entre outras. Com a política, fica assegurado, pelo menos no papel, o dever de atuação de estados e municípios nesta causa. Nota-se que seus princípios, diretrizes e objetivos propõem como solução à problemática da população em situação de rua, a assistência, o acolhimento e o fim da situação de rua para os cidadãos que nela se encontram.
Em Florianópolis, antes mesmo da assinatura da política nacional, a Lei Orgânica de Assistência Social já previa a atuação governamental com esta população. Dentro do arcabouço de serviços de responsabilidade da Secretaria de Assistência Social estão: Casas de acolhimento, Centro POP, Abordagem de rua, Assistência Psicossocial, entre outros.
Em atendimento à política nacional foi instituída em dezembro de 2011 a Política Municipal de Atendimento à População em Situação de Rua. Esta política tem por objetivo garantir os padrões éticos de dignidade e não-violência na concretização de necessidades humanas e dos direitos de cidadania à população em situação de rua, em conformidade com a Constituição Federal, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Ela prevê, ainda, ao longo de seu texto: A Rede de serviços e programas públicos de assistência; Os Princípios para garantia de direitos; e As Medidas para acolhimento e assistência à população em situação de rua.
A partir de conversas com voluntários que trabalham com a causa, tem-se a percepção de que a atuação governamental através destas políticas é muito fraca, sendo que os serviços disponibilizados à população em situação de rua continuam os mesmos que já previam as leis voltadas à assistência social como um todo. Ao analisar as leis, pode-se notar que estas possuem como foco a assistência social com o objetivo de erradicar a situação de rua nos municípios. Segundo especialistas da área, há uma negatividade muito grande, além de muitos pré-conceitos envolvendo esta população, vista por outros cidadãos como uma ameaça à segurança pública.
A partir dos conteúdos disponibilizados pelo Movimento Nacional da População de Rua, formado pelos próprios moradores e sociedade civil, percebe-se um contraponto ao arcabouço legal. A demanda mais forte trazida pela população em situação de rua é simplesmente a busca pelos direitos humanos: alimentar-se, tomar banho, ser visto e tratado com respeito, e ter o direito de estar na rua.
INICIATIVAS QUE DÃO CERTO E O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL
Com o objetivo de prover o mínimo necessário para uma vida digna nas ruas, diversos atores vêm se organizando e promovendo trabalhos e ações com a população em situação de rua. Dentre estes atores, ganham um papel de destaque as organizações da sociedade civil sem fins lucrativos e iniciativas governamentais, as quais podem ser encontradas em grande parte do território nacional, e também internacionais, e têm atuado em diversos eixos que envolvem a temática, desde a alimentação diária e à doação de roupas, até o acolhimento em casas provisórias.
            Há também cidadãos que individualmente iniciam uma ação, o empresário Fernando Barcelos, por exemplo, criou o projeto Geladeira Solidária. A ideia é contribuir com a alimentação dos moradores de rua de um bairro de Goiânia, com alimentos que muitas vezes iriam para o lixo. Qualquer pessoa pode colocar os alimentos na geladeira, é preciso apenas seguir algumas regras de conservação e tipos de alimentos a serem doados.
            Já a empreendedora Doniece Sandoval, que mora em San Francisco (EUA), teve a ideia de criar um ônibus com chuveiros, que fica rodando pela cidade, para que diversos moradores de rua possam tomar banho, é o projeto Lava Mae. Em Curitiba (PR), uma iniciativa do poder público deu aos moradores de rua dois guarda-volumes para que estes pudessem guardar seus pertences. Para utilizar o guarda-volumes, os moradores precisam fazer um cadastro em qualquer unidade de atendimento ao morador de rua da Fundação de Ação Social, o quadro de funcionários que cuida dos espaços é composto por ex-moradores de rua.
            A Fundação de Ação Social de Curitiba, vinculada ao poder público municipal, apresentou recentemente outra iniciativa bastante interessante. Um estudo muito completo acerca da população em situação de rua de Curitiba, extraindo perfil do morador, características geográficas, além de retratar a relação do morador com sua família. Esta pesquisa mostra, por exemplo, que a grande maioria da população de rua de Curitiba é composta por homens, e existe uma grande relação entre situação de rua com álcool, drogas, e conflitos familiares. Além disso, a pobreza e os baixos níveis de escolaridade são dominantes, e a maioria possui familiares vivendo na própria cidade ou na região metropolitana de Curitiba.
            Além destes, outros casos mostrando o importante papel exercido pela sociedade civil junto a essa causa podem ser encontrados em grande quantidade na internet. O interessante aqui é observarmos que há uma diferença relevante entre aquilo que é previsto pela legislação e aquilo que é colocado em prática pela sociedade civil, e até mesmo pelo governo. Atualmente, os serviços oferecidos em maior quantidade por estes atores estão voltados à alimentação e moradia provisória, além do acompanhamento por assistentes sociais. Ainda que haja uma intenção legal de retirar a pessoa da situação de rua, os serviços apenas conseguem prover um mínimo necessário para a sobrevivência desta pessoa. Muitas vezes por questões de escassez de recursos, a sociedade civil não consegue fazer mais, além disso, vários mecanismos públicos já se mostraram ineficientes para tal objetivo. 
TIRAR AS PESSOAS DA RUA É A MELHOR SOLUÇÃO?

Bom, há quem diga que os moradores de rua sempre vão existir. Sendo assim, será que é válido focalizar esforços para retirar tais pessoas da rua ou devemos compreender que o caminho é dar dignidade a elas provendo serviços básicos mesmo que queiram passar suas vidas nas ruas? Há uma necessidade emergente para se aprofundar o debate sobre as políticas públicas voltadas à população em situação de rua. Como apontado por Andrade, Costa e Marquetti (2014), as políticas públicas estão focalizadas na retirada das pessoas das ruas, o que não promove iniciativas pessoais e coletivas de transformação, mostrando-se como políticas impositivas, pois são pautadas pelo disciplinamento do comportamento social. Os mesmos autores dizem, citando Justo (2005), que morar nas ruas dá um novo sentido ao uso do espaço público, onde atos privados tornam-se públicos e o público, entendido como o espaço coletivo de circulação, torna-se espaço de morar. Portanto, a presença do morador de rua provoca um impacto, porque torna público seu mundo privado e torna privado o espaço público. Não temos essa resposta mas deixamos a pergunta como reflexão para os leitores.
QUER SABER MAIS?
Para conhecer um caso prático da cidade de Florianópolis, acesse o segundo artigo que produzimos sobre o tema clicando aqui. Também sugerimos a leitura de alguns artigos científicos que tratam do tema e nos ajudaram a entender melhor o assunto:
*Artigo escrito em Novembro de 2016 por Gabriel Marmentini, Luiza Stein e Willian Narzetti para a disciplina Governança e Redes de Coprodução do Bem Público, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer.