Conferência Regional da ISTR – Medellín 2019 – Submissões até 20 de fevereiro

Seguem informações sobre a chamada para submissão de trabalhos para a Conferência Regional da ISTR 2019, que acontecerá no mês de julho, em Medellín, na Colômbia.

O prazo limite para submissões é 20 de Fevereiro.

Link para a chamada: https://istrlac.us7.list-manage.com/track/click?u=59b93bf44bf61df6a1edffa1e&id=07719f67e4&e=6f22758dc6 

Todos os detalhes em: https://www.istr.org/page/LAC

Coprodução do controle de espécies exóticas invasoras

Por Eduardo Beeck Garozzi e Lucas Bresolin*

Engajamento, conscientização, expertise, especialização técnica/profissional, conhecimentos complementares, informação e capital social são alguns dos resultantes e ao mesmo tempo requisitos, tanto inputs como outputs, dos processos de coprodução na área ambiental.

Esse campo é propício para práticas de coprodução, conforme podemos observar no controle de espécies exóticas invasoras. Esse desafio envolve competências e responsabilidades legais indissociáveis do Estado, alta complexidade técnica e científica para o planejamento, organização e coordenação das atividades, em conjunto com baixa complexidade operacional para execução de parte delas.

O que são espécies exóticas invasoras?

Define-se como espécies exóticas, conforme a Resolução CONABIO 07/2018: “espécie, subespécie ou táxon de hierarquia inferior ocorrendo fora de sua área de distribuição natural passada ou presente; inclui qualquer parte, como gametas, sementes, ovos ou propágulos que possam sobreviver e subsequentemente reproduzir-se”. São, portanto, espécies não nativas de determinada região. Já as espécies exóticas invasoras são “espécies exóticas cuja introdução e/ou dispersão ameaçam a diversidade biológica”.

Questão pouco conhecida pelo público em geral, as espécies exóticas invasoras são uma das maiores causas da perda de biodiversidade no mundo, juntamente com a perda de hábitats, mudanças climáticas, poluição e sobre-exploração de recursos. Seus impactos são os mais diversos, abrangendo prejuízos ambientais, culturais, sociais e econômicos.

Apesar da complexidade de sua mensuração, estudos como o de Pimentel et al (2000) estimam um impacto financeiro negativo de mais de 314 bilhões de dólares ao ano causado pelas espécies exóticas invasoras na amostra de seis países pesquisados: Estados Unidos, Reino Unido, África do Sul, Austrália, Índia e Brasil, devido aos danos à agricultura, silvicultura, pecuária, dentre outros. No Brasil, alguns exemplos destas espécies são o mexilhão-dourado, coral-sol e o javali, causando prejuízos à biodiversidade e pecuária conforme informações do site oficial do Ministério do Meio Ambiente, além de espécies de pínus, as quais abordaremos adiante.

Como a sociedade é capaz de responder a problemas como este, que afetam os indivíduos direta e indiretamente no mundo inteiro? A difusão territorial, complexidade e abrangência das espécies exóticas invasoras vão muito além do que dispõem os Poderes Públicos estatais em capacidade administrativa, econômica e operacional para enfrentá-las. Como responder ao desafio?

A coprodução do bem público como alternativa

Elinor Ostrom (1996), precursora de estudos sobre coprodução, discorre sobre o potencial de sinergia das práticas de coprodução. Neste caso, a sinergia ocorre em função da viabilidade econômica e de esforços (inputs) de cada parte: o Estado e os indivíduos. A ação conjunta entre as partes permite alcançar resultados superiores àqueles que seriam obtidos caso as partes trabalhassem isoladamente.

Para lidar com questões de interesse público, como o das espécies exóticas invasoras, não basta a ação isolada do Estado. Se trabalhasse sozinho, o aparato administrativo e operacional necessário para abranger todo o território nacional seria gigantesco e inviável. Estamos, pois, diante de um cenário claro para práticas de coprodução no enfrentamento de problemas públicos.

Poderíamos supor que, quão maior a complexidade do problema, maior a complexidade da rede necessária para combatê-lo, e foi isto que encontramos ao analisar a rede de governança envolvida na busca de soluções à questão das espécies exóticas invasoras.

É interessante observar que a própria Constituição Brasileira de 1988 prevê a abordagem coletiva da temática ambiental em seu Artigo 225:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Brasil (1988, grifo nosso)

No Brasil, o recente Plano de Implementação da Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente em 16 de agosto de 2018, deu destaque ao tema. O Plano é um dos frutos do trabalho de uma rede de governança que vem trabalhando desde 2017, envolvendo diversos atores, dentre eles, o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, de Florianópolis, Santa Catarina, que exerce um dos papéis centrais.

O Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental

Associação sem fins lucrativos fundada em março de 2002 no município de Florianópolis, capital de Santa Catarina, o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental foi criado por um grupo de pessoas interessadas na problemática das invasões biológicas, com a missão de “Desenvolver alternativas de conservação ambiental e integrá-las aos processos de desenvolvimento econômico e social, aos sistemas de produção e à rotina da sociedade”.

É composto por uma Diretoria e por colaboradores técnicos, fixos e variáveis, de áreas como Biologia, Engenharia Florestal, Engenharia Agronômica, Direito, Engenharia Ambiental e outras áreas técnicas. Foca suas atividades no apoio ao desenvolvimento de programas de gestão de invasões biológicas no Brasil e na América Latina e na formação de pessoas para o manejo prático de espécies exóticas invasoras, tendo realizado inúmeras ações ao longo desses 16 anos de atuação.

Sua fundadora e atual Diretora Executiva, Dra. Sílvia R. Ziller, é Engenheira Florestal com mestrado em silvicultura e doutorado em conservação da natureza. Possui experiência em análise e restauração ambiental em diversas regiões do Brasil. Trabalhou no setor privado e há 20 anos tem atuação no terceiro setor, com forte interação com o setor público, com especialidade em questões referentes a  espécies exóticas invasoras. Proveu treinamento nessa área em mais de vinte países na América Latina e no Caribe. É Fellow da rede Ashoka Empreendedores Sociais desde 2002, que apoiou o início do trabalho do Instituto Hórus; membro da Parceria Global de Informação sobre Espécies Exóticas Invasoras (GIASIP) e da Rede de Especialistas em Espécies Invasoras da IUCN (ISSG), redes internacionais envolvidas na temática e ligadas à Convenção sobre Diversidade Biológica.

A bióloga Dra. Michele de Sá Dechoum, envolvida com ações diversas do Instituto Hórus desde 2008, deu início ao programa de controle de pínus no Parque Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição no ano de 2010. Saídas mensais regulares foram fixadas a partir de 2014, sendo o convite aberto à comunidade. Michele tem mestrado em Biologia Vegetal e doutorado em Ecologia, com experiência de trabalho no setor público, havendo sido Gerente de Recursos Naturais no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo, com posterior experiência no terceiro setor e na academia.

Para análise do trabalho do Instituto Hórus sob uma perspectiva de redes de governança e coprodução, selecionamos duas frentes de trabalho nas quais sua atuação é fundamental: a alimentação e a manutenção da Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, por meios colaborativos e de acesso público, e o Programa de voluntariado para controle de espécies exóticas invasoras no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição.

O programa de voluntariado do Parque das Dunas da Lagoa apresenta os elementos característicos de processos de coprodução, como a existência do corpo técnico de profissionais especialistas, os inputs voluntários na produção pelos próprios indivíduos beneficiários e a atuação em maior ou menor grau do Estado. O caso da Base de Dados apresenta, além de exemplos de coprodução da informação e conhecimento, envolvendo os elementos citados anteriormente, uma ampla e interessante rede de governança.

A BASE DE DADOS E A REDE DE GOVERNANÇA

A Base de Dados nacional de espécies exóticas invasoras, de alimentação e manutenção contínua e voluntária com informações prestadas por diversas pessoas, gerenciada e coordenada centralmente pelo Instituto Hórus, contém registros das espécies exóticas invasoras já presentes no Brasil, seguindo um rol de critérios definidos para sua inclusão.

As informações e imagens são encaminhadas voluntariamente ao Instituto através dos contatos e planilhas disponibilizadas no site oficial. As informações recebidas são analisadas, muitas vezes com o auxílio de colaboradores técnicos eventuais com distintos conhecimentos localizados em diversos estados do país, e posteriormente registradas na Base de Dados. As informações constantes da Base subsidiam a elaboração de informes, planos estratégicos e diagnósticos oficiais por entes governamentais federais e estaduais, dando publicidade à questão, no intento de fortalecer sua disseminação, conscientização e promover ações de controle.

A Base de Dados nacional foi estabelecida em 2005 como parte da rede temática sobre espécies exóticas invasoras I3N, a qual está ligada por sua vez à Rede Inter-Americana de Informação sobre Biodiversidade (IABIN), criada pelos governos dos países das Américas em 2001. Até 2011, essa Rede foi financiada por projeto do Banco Mundial. Desde então, é mantida pelos seus líderes, sendo estes os representantes de cada país membro. Conforme informações disponíveis na Base de Dados: “os representantes são designados pelos pontos focais da IABIN em cada país em acordo com a Coordenação da Rede I3N”. No caso do Brasil, a sua líder representante é a Dra. Sílvia R. Ziller, fundadora e diretora executiva do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental.

Para conduzir nossa análise, partimos de aspectos considerados pelos especialistas em redes e governança pública Tony Bovaird e Elke Löffler (2002) para caracterizá-las: um cenário de múltiplos stakeholders (atores); a negociação entre esses atores; as características dos processos-chave na interação social (transparência, integridade, inclusão etc.) como valiosas em si mesmas; seu aspecto inerentemente político; as estruturas de mercado, hierarquias (como as burocracias) e as redes cooperativas como estruturas facilitadoras e mecanismos de direção. Adotamos, ainda, o conceito de governança pública de Kooiman (1993, p. 258): “O padrão ou estrutura que emerge em um sistema sociopolítico como um resultado ‘comum’ ou resultado dos esforços de intervenção interativa de todos os atores envolvidos”.

Percebemos a extensão das ações do Instituto Hórus para além do âmbito nacional, interagindo tanto com o Estado, como com indivíduos coprodutores locais, grupos de especialistas e demais redes e atores internacionais. Destaca-se a resiliência da rede como um todo na manutenção de suas ações, ao longo de todo este período, em boa parte com formas alternativas e colaborativas de financiamento.

Em conversa com a Dra. Sílvia R. Ziller, nos fora elucidado o fato de que praticamente a totalidade das ações do Programa de Voluntariado do Instituto Hórus, detalhado adiante, são financiadas de forma coletiva, através de crowdfunding, principalmente por parte de pessoas físicas. A alimentação e a manutenção da base de dados, por sua vez, tem recebido pequenos aportes de recursos do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (IPEF), utilizados para contratar uma bióloga para a inclusão de dados. A manutenção do website e das redes sociais, até as ações de coprodução em si, tanto da informação e do conhecimento, como do manejo das espécies, como abordaremos adiante, são realizados de forma voluntária por membros engajados com maior ou menor frequência, mas de forma geral com interesses convergentes em torno do tema ambiental.

Dentre os interesses de atuação da rede, além da questão central da conservação da biodiversidade, identificamos o capital social gerado pelas interações. A colaboração técnica entre as partes é favorecida na troca de informações e conhecimento entre atores nacionais e internacionais, necessária devido à diversidade de áreas de especialização (ecologia, botânica, fauna, etc.).

Destacamos, ainda, o papel do Estado na rede, predominante nas questões de codesigner, atuando nas regulamentações e normatizações inerentes ao seu caráter legal indissociável das questões ambientais, como por exemplo a demarcação das Áreas de Preservação ou legislação de caráter geral. Atua também como cogestor, na edição de políticas estratégicas e fiscalização, por exemplo. Entre os entes estatais que se relacionam com as ações do Instituto Hórus, estão órgãos executivos federais, como o Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); estaduais, como o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do estado da Bahia (INEMA) e outros órgãos estaduais; bem como municipais, como a Fundação Municipal do Meio Ambiente (FLORAM) de Florianópolis, e os respectivos órgãos legislativos de cada esfera.

O conhecimento destes fatores nos permitiu ter uma breve noção da amplitude da rede e de seu formato aberto, envolvendo a colaboração e variada interação entre redes locais, redes internacionais, formadas por indivíduos, organizações da sociedade civil, grupos de pesquisa e Estado.

Apesar da atuação do Estado predominar nos aspectos políticos e estratégicos, a governança do tema em questão ocorre bilateralmente no sentido em que a atuação dos atores da sociedade civil subsidia a elaboração destas políticas e normatizações pelo Estado, e as normatizações e políticas regem as ações daqueles. Uma abordagem à problemática ambiental, por sua natureza difusa e complexa, não obedece a uma lógica em que as soluções dependem somente do Estado ou localmente e possam ser resolvidas por uma estrutura formal, hierárquica e padronizada, o que nos permite observar e compreender a lógica de atuação em rede.

O PROGRAMA DE VOLUNTARIADO DO INSTITUTO HÓRUS NO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DAS DUNAS DA LAGOA DA CONCEIÇÃO, EM FLORIANÓPOLIS/SC

Unidade de conservação do município de Florianópolis/SC, criada através do decreto municipal nº 231, de 1988, e ampliada pela lei municipal nº 10.388, de 2018, o Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição está sujeito à invasão por espécies de pinheiros norte-americanos, em especial Pinus elliottii e Pinus taeda. Este foi introduzido na década de 1960, em uma iniciativa frustrada de sua exploração econômica e estabilização de dunas.

Dentre os impactos provocados por pínus invasores, conforme Dechoum et al. (2018), destacam-se o alto consumo de água; o aumento no risco de incêndios; as alterações nas propriedades do solo; a exclusão de espécies intolerantes à sombra; a redução na riqueza de espécies e plantas nativas e; a alteração da estrutura do hábitat.

Em 2012, o poder público municipal de Florianópolis aprovou a Lei 9097/2012, regulamentada pelo Decreto 17938/2017, os quais contribuem para tratamento da questão, estabelecendo o dever de eliminação de pínus em propriedades particulares do município até dezembro de 2019. O Instituto Hórus, por sua vez, já realizava ações de controle das espécies exóticas invasoras no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição desde o ano de 2010.

Por iniciativa da Dra. Michele de Sá Dechoum, bióloga vinculada à Universidade Federal de Santa Catarina e ao Instituto, foi estabelecida uma parceria institucional com o objetivo de realizar o controle da invasão por pínus no Parque Municipal e, ao mesmo tempo, propiciar a alunos do curso de biologia uma oportunidade para realizar trabalho prático na área de conservação ambiental.

Esse trabalho é orientado ao controle de indivíduos jovens e de plântulas, realizado por meio de coprodução entre especialistas e voluntários não necessariamente especializados na área. Outra parte do trabalho é voltado ao controle de árvores de maior porte, realizada por motosserristas profissionais contratados e por profissionais técnicos da instituição.

Com o passar do tempo, outras pessoas do público passaram a integrar os grupos de voluntários. A atuação de membros da comunidade vai além do voluntariado clássico, feito em benefício de terceiros. Ocorre a coprodução, pois as pessoas da comunidade se envolvem de modo voluntário, mas também se beneficiam dos resultados da ação, algo que distingue ambos os conceitos, conforme apontam Verschuere, Brandsen e Pestoff (2012). Identifica-se, ainda, os elementos básicos apontados por Brandsen e Honingh (2015) para caracterizá-la como coprodução: a interação de profissionais e indivíduos pertencentes a diferentes organizações, através de esforços não compulsórios e não remunerados (sem contrato profissional) por parte dos cidadãos.

Sob esta perspectiva, cidadãos-usuários do Parque e moradores da região, bem como todos os munícipes de Florianópolis que atuem no programa, podem ser caracterizados como coprodutores, beneficiários diretos e indiretos das ações sob o enfoque geográfico, considerando a indissociabilidade da questão ambiental da vida dos indivíduos locais. Esta perspectiva é reforçada pelas premissas apresentadas pelo Instituto Hórus, disponíveis em seu website oficial, a destacar:

  • O ser humano faz parte do meio, não está isolado dele e não pode funcionar fora ou isoladamente dos sistemas naturais.
  • A qualidade ambiental está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e à qualidade de vida. A exaustão dos recursos naturais leva à exaustão das possibilidades de sobrevivência das pessoas, quer pela limitação da condição econômica, quer pela limitação da qualidade de vida.

Para compreender de perto como se dá o processo, nos voluntariamos para participar em uma das saídas de campo no Parque Dunas da Lagoa, promovida pelo Instituto Hórus, a qual relatamos e descrevemos a seguir.

O Processo de Coprodução do Programa

Verificamos a data e horário da saída, as quais ocorrem mensalmente, programada para 22 de setembro de 2018, através das redes sociais do Instituto (Facebook, seu principal meio de comunicação junto aos cidadãos, tal qual seu website e youtube), e encaminhamos mensagem via email solicitando o agendamento. Informamos a intenção de participar e analisar a experiência sob a perspectiva de rede de coprodução, no âmbito da disciplina de Governança e Redes de Coprodução do Bem Público do Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag. A mensagem de confirmação veio logo depois, na qual já constavam instruções preliminares para a saída de campo, tais como horários, ponto de encontro, trajes e outras recomendações.

Na data e local agendados, nos reunimos a outros voluntários pontualmente às oito horas da manhã de sábado. Acompanhados pelas Doutoras Michele Dechoum e Sílvia Ziller, o grupo dirigiu-se ao local de realização da ação. Antes do início das atividades, houve a apresentação dos participantes e uma explicação sobre o programa, informando o contexto, as ações realizadas, o histórico e a problemática do Parque Dunas da Lagoa, os objetivos, os resultados obtidos até então e, ainda, a instrução operacional aos voluntários (coprodutores).

Grupo de voluntários participantes da ação no Parque Dunas da Lagoa junto ao Instituto Hórus em 22/09/2018.

As atividades operacionais constituem basicamente no arranquio ou no corte utilizando serras manuais (fornecidas pelo Instituto juntamente com luvas) de espécimes de pínus de pequeno e médio porte pelos voluntários. A remoção das árvores de maior porte é realizada por membros habilitados do Instituto Hórus, utilizando motosserras, assim como pelos motosserristas profissionais contratados, em outro momento, devido à maior complexidade da operação. Os participantes registram as quantidades removidas em blocos de anotação disponibilizados e fazem a contabilização dos totais de pínus arrancados e serrados em conjunto até o período de intervalo das atividades. Este ocorreu por volta das dez horas da manhã neste dia. Ao final, apresentam nova contagem. Neste dia foram eliminados 4.989 pínus no total. Esse registro das quantidades é fundamental, pois se soma ao controle de desempenho feito pelo Instituto Hórus desde o início de suas atividades, o que subsidia pesquisas científicas e relatórios sobre os resultados.

Análise e Conclusões

A participação na atividade nos permitiu observar a baixa complexidade operacional da ação para os voluntários. O público participante é composto por membros mais frequentes como estudantes e professores da UFSC nas áreas de ecologia, biologia e botânica (já com certa compreensão sobre o assunto), até cidadãos sem conhecimento prévio do tema, membros eventuais da ação, muitas vezes simpatizantes das questões ambientais ou interessados em conhecer e aproveitar as belas paisagens do Parque. Este é considerado um dos fatores de sucesso da coprodução pelo Instituto Hórus, comparada a ações que demandam controle químico das espécies exóticas invasoras, por exemplo, nas quais seria necessária capacitação específica dos participantes, implicando em maiores custos por consequência.

Soma-se a isto a gratificação pessoal que pudemos experienciar ao perceber a eficácia da ação realizada em poucas horas (quase cinco mil pínus eliminados) e da conscientização ecológica adquirida durante a ação sobre um problema até então desconhecido de nossa parte. A oportunidade de contato com profissionais do Instituto Hórus nessa ação nos permitiu conhecer de perto esse trabalho e a problemática, ainda “invisível” para grande parte da sociedade. Esta conscientização vai além das ações desenvolvidas localmente no próprio Parque, ao mesmo tempo que é nutrida por ela. A ação concreta gera mais engajamento por parte dos cidadãos, que passam a estar cientes da questão das espécies exóticas invasoras como um problema global e, principalmente, de seu potencial para coproduzir com especialistas na área e contribuir para resultados concretos.

Destaca-se, ainda, a capacidade do Programa de mensurar e demonstrar seus resultados, traduzidos em valores monetários (economia de R$ 136.596,00 com as ações no período de 2010 a 2017), quantitativos de espécies exóticas removidas (308.014 pínus removidos no total entre 2010 e 2017), projeções de cenários para o Parque conforme os níveis de ação de controle empregados, dentre outras estatísticas obtidas a partir dos dados registrados.

As figuras a seguir, detalhadas no artigo de Dechoum et al. (2018), mostram a projeção de 03 cenários: a) como seria hoje a presença de pínus no Parque das Dunas, caso o programa de voluntariado não houvesse iniciado em 2010; b) a situação presente com o trabalho realizado pelo Instituto e voluntários entre 2010 e 2017, ainda com presença de pínus em áreas vizinhas ao Parque e; c) situação projetada caso se prossiga com ações dentro do Parque, associadas ao cumprimento da legislação pelos moradores vizinhos, com apoio e fiscalização da Prefeitura. Isso demonstra claramente o que a sinergia entre comunidade e governo, voluntários e especialistas, é capaz de produzir.


Fonte: Dechoum et al. (2018, p.10)

Fonte: Dechoum et al. (2018, p.11)

Dechoum et al. (2018) apontam, ainda, como elementos favoráveis ao sucesso do programa, a persistência de membros do Instituto e participantes das ações, a facilidade de acesso à área, a integração com programas de gestão local e a relação entre ciência, gestão, financiamento e governança.

Já os principais desafios e limitações encontram-se na necessidade de implementação da legislação municipal citada, para a remoção de pínus no município, principalmente nas redondezas do Parque. Esta depende tanto da atuação dos entes governamentais e dos moradores, como da disseminação de informações e conscientização sobre tal questão, com as quais esperamos ter contribuído com a presente publicação.

Para saber mais e participar

Para participar das ações de voluntariado no Parque Dunas da Lagoa, bem como na Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras e obter mais informações sobre o Instituto Hórus, acesse:

Website oficial – http://www.institutohorus.org.br/

Rede Social Facebook – bit.ly/fb_institutohorus

Rede Social Youtube (vídeos) –  http://bit.ly/institutohorus

Artigo sobre a ação de voluntariado no Parque Dunas da Lagoa – http://www.institutohorus.org.br/download/voluntariado/2018%20Dechoum%20et%20al.pdf

Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras – http://i3n.institutohorus.org.br/www/


Referências

Bovaird T. e Loeffler E. (2002). Moving from excellence models of local service delivery to benchmarking of ‘good local governance, International Review of Administrative Sciences, 67, issue 1: 9-24

Brandsen T. e Honingh M. (2015). Distinguishing Different Types of Co-Production of Public Services: A Conceptual Analysis Based on Classical Definitions, Public Management Review, 8/4: 503-520

Brasil (1988). Constituição Federal de 1988.  Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 31/10/18

Brasil (2018). Resolução n. 07, de 29 de maio de 2018. Dispõe sobre a Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, 112. ed. Diário Oficial da União, p. 69-69, maio. 2018. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80049/Conabio/Documentos/Resolucao_06_03set2013.pdf>. Acesso em: 31 out. 2018.

Dechoum M., Giehl E., Sühs R., Silveira T. e Ziller S. (2018). Citizen engagement in the management of non-native invasive pines: Does it make a difference? Biological Invasions, [s.l.], p.1-20, 13 ago. 2018. Springer Nature America, Inc. http://dx.doi.org/10.1007/s10530-018-1814-0.

Kooiman J. (1993). Modern governance: new government–society interactions. London:Sage.

Ostrom E. (1996). Crossing the great divide: Coproduction, synergy, and development. World Development, 24, issue 6, p. 1073-1087.

Pimentel D., McNair S., Janecka J., Wightman J., Simmonds C., O’Connell C., Wong E., Russel L., Zern J., Aquino T. e Tsomondo T. (2001). Economic and environmental threats of alien plant, animal, and microbe invasions. Agriculture, Ecosystems & Environment, 84(1), 1–20.

Verschuere B., Brandsen T. e Pestoff V. (2012). Co-production: The state of the art in research and the future agenda. Voluntas 23(4): 1083–1101.

*Texto elaborado por Eduardo Beeck Garozzi (edugarozzi@gmail.com) e Lucas Bresolin (lucasbresolin2@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018, no Mestrado Profissional em Administração da Udesc Esag.

Uma nova geração de campanhas anticorrupção: conectando uma história do Rio de Janeiro, o papel do judiciário e quatro avaliações de iniciativas de advocacy

Por Florencia Guerzovich e Paula Chies Schommer

(*an English version is available here).

Uma história do Rio de Janeiro: a conscientização dos cidadãos por diferentes meios

Em novembro de 2018, o governador do Rio de Janeiro Luis A. Pezão foi preso sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. O fato é um lembrete de que os desdobramentos da Lava Jato ainda estão em curso, em meio a um processo que combina elementos políticos, técnicos e legais buscando a continuidade de seus resultados.

O caso do governador Pezão mostra também que os detentores de poder ainda estão buscando manter o status quo:

  • Pezão é acusado de manter a organização criminosa antes liderada por seu antecessor, Sérgio Cabral, o que inclui o pagamento de propina para servidores públicos que ocupam cargos em órgãos de controle, entre outros ilícitos. Conforme observa o professor Mauricio Santoro: cada um dos governadores eleitos entre 1998 e 2014, cada um dos presidentes da Assembleia Legislativa entre 1995 e 2017, 10 dos 70 legisladores do estado, 5 dos 6 conselheiros do Tribunal de Contas e da Procuradoria Geral do Estado já estiveram ou ainda estão presos. A maioria deles do mesmo partido, o MDB.
  • Em 2017, o presidente do Brasil, Michel Temer (MDB), concedeu indulto de Natal que livraria vários de seus aliados da cadeia (um instrumento usado em outros contextos com propósitos similares). O Supremo Tribunal Federal estava justamente discutindo a constitucionalidade desse indulto no dia em que Pezão foi preso.

Dois anos antes, uma de nós morava no Rio de Janeiro e estava na cidade no dia em que o governador do estado Sérgio Cabral (MDB) foi preso (ele segue preso e foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção várias vezes desde então). Naquela manhã de 2016, em um ônibus urbano, o motorista buzinava e gritava para os pedestres: Cabral está preso!  O motorista também comentava sobre a péssima situação dos serviços públicos e da segurança no estado. A situação fiscal do Rio de Janeiro era realmente terrível, como se pode poder ver no gráfico a seguir, na comparação com outros estados brasileiros, também em dificuldades.

Na mesma manhã, em uma academia na cidade do Rio, em típico espírito carioca, a música era alta e animada, enquanto um grupo de aposentados celebrava e comentava sobre a prisão de Cabral. Eles também falavam sobre a falta de recursos básicos, como papel e combustível, para a polícia trabalhar na segurança pública, a crise na educação e a falta de medicamentos no sistema pública de saúde. Na previsão de @shannongsims, a cena se repetiria três anos depois.

Um cenário de “sonhos” para ativistas do combate à corrupção: o povo nas ruas fazendo relação entre a corrupção e suas vidas cotidianas. Ouvimos brasileiros comentando as notícias do Rio em ruas e praias de João Pessoa, no Nordeste do Brasil, e em Florianópolis, no Sul. Nenhuma campanha específica de advocacy foi necessária para que essas conversas ocorressem. Ou pelo menos não da maneira tradicional como são conduzidas campanhas desse tipo por organizações da sociedade civil. Em diferentes localidades no Brasil, a sociedade civil já vinha convertendo sua indignação em diferentes formas de ação – desde manifestações contra a corrupção até iniciativas mais articuladas de accountability social.

O papel do judiciário na comunicação dos fatores que favorecem a corrupção e seus efeitos

Se as pessoas não percebem por meio de campanhas que a corrupção afeta suas vidas e provoca mortes, juízes e promotores fazem constantemente a ligação entre a crise fiscal do estado, os problemas na entrega de serviços públicos e os casos e sistemas de corrupção sob investigação. A ligação causal entre corrupção e o interesse público aparece em documentos judiciais e é reforçada em entrevistas para a imprensa e nas mídias sociais. O principal promotor da Lava Jato argumentou que “a corrupção é uma assassina sorrateira, invisível e de massa. Ela é uma serial killer que se disfarça de buracos em estradas, falta de medicamentos, crimes de rua e pobreza”. O juiz da Lava Jato no estado do Rio de Janeiro disse que a “corrupção é a principal causa do estado de calamidade do estado (em função da crise fiscal no Rio).”

O Juiz da Suprema Corte Luis Alberto Barroso argumentou contra o indulto concedido por Temer dizendo que a corrupção é um “crime violento”. “Corrupção mata. Mata na fila do SUS, na falta de leitos, na falta de medicamentos. Mata nas estradas que não tem manutenção adequada.” “A corrupção destrói vidas que não são adequadamente educadas pela falta de escolas”. Usando linguagem do desenvolvimento, pode-se observar que Barroso fez a conexão entre corrupção e capital humano (#investinpeople). Ele se dirigia a seus colegas na Corte, a promotores que tem avançado no combate à corrupção em meio a dificuldades, e à sociedade que vem dando apoio às mudanças relativas ao combate à corrupção.

No plenário do STF, em fala transmitida ao vivo em redes nacionais de TV e internet, e multiplicada em mídias sociais e tradicionais milhares de vezes, Barroso mencionou que alguns grupos talvez não estivessem dispostos a ouvir sua mensagem: a)  parte dos progressistas brasileiros que pensam que os fins justificam os meios e que a corrupção é apenas uma nota de rodapé na história do Brasil; b) parte dos conservadores que pensam não tem problema quando a corrupção é praticada por um de seus colegas; c) aqueles que não querem ser punidos, os que não querem ser honestos ou que não haja avanços, preferindo que tudo permaneça como sempre foi. Conforme observou  Roberto Gargarella, um acadêmico da área de direito constitucional, para além de seus efeitos diretos, a Lava Jato está gerando uma oportunidade sem precedentes para comunicar e promover o reconhecimento público dos mecanismos que permeiam a vida pública. De fato, observamos que nos últimos anos, no Brasil, os operadores do sistema judiciário tem mudado suas práticas de comunicação nesse sentido.  

Ainda sabemos pouco sobre o que mobiliza as pessoas contra a corrupção, uma vez que elas percebam como as coisas funcionam.  Em artigo a ser publicado em breve, Francis Fukuyama e Francesca Recanatini argumentam que as iniciativas anticorrupção de um modo geral focalizadas na medição de diversos indicadores falharam. A corrupção é um fenômeno essencialmente político – o que constitui um desafio para os operadores do judiciário que precisam ser e parecer que são não partidários no jogo.  As campanhas de advocacy anticorrupção muitas vezes são elaboradas  sem saber muito bem  se os pressupostos que fazem são relevantes, muito ambiciosos ou contraproducentes.

Quatro avalições que desafiam os grupos que trabalham contra a corrupção a repensar suas estratégias

Um conjunto de avaliações do trabalho de advocacy da Transparency International, TI, em diferentes contextos argumenta que os grupos da sociedade civil também precisam desenvolver novos tipos de campanhas, uma vez que os cidadãos em geral e as elites estão (cada vez mais) conscientes sobre os efeitos da corrupção. Uma avaliação da “Unmask the Corrupt Campaignconcluiu que a campanha foi capaz de promover expectativas de ação e resultados (justiça) com rapidez. Entretanto, não foi capaz de atender a essas expectativas, o que levou a campanha a gerar desilusão e desengajamento, afinal.

Flores e co-autores  apresentam “um modelo em três níveis que considera fatores micro, meso e macro que afetam a tomada de decisão individual, incluindo a sequência de passos que os indivíduos seguem para processar informação e, subsequentemente, avaliar e reavaliar se farão algo ou não para buscar enfrentar a corrupção”. Eles argumentam que esse modelo pode ajudar atores em cada país a experimentar, refletir e adaptar suas estratégias para estimular o engajamento cidadão, de modo sistemático; aos atores que atuam no cenário internacional, o modelo pode contribuir para apoiar esses processos de modo mais adequado. Para Flores e seus colegas, ativistas que trabalham em contextos repletos de desilusão enfrentam uma batalha diferente, mais difícil do que aqueles que atuam em contextos de apatia ou otimismo.

Uma avaliação de 2018 da TI’s global advocacy argumenta que “cabe celebrar o sucesso no estabelecimento de agendas, compromissos e instituições anticorrupção. Ao mesmo tempo, é importante considerar questões relativas ao progresso coletivo e os pressupostos que guiam o trabalho anticorrupção, considerando a continuidade da extensão da corrupção e sua impunidade … é tempo de reorientação em torno de um pequeno grupo de prioridades globais de advocacy em torno das quais o Movimento possa fazer uma pressão sustentada para a mudança. Isso dependerá de abordagens de advocacy mais afiadas e de avanços em direção a estratégias mais efetivas em termos de equipes e recursos.”

Em 2012, uma avaliação do trabalho de advocacy da TI na América Latina chegou a um diagnóstico e a uma prescrição similares: “o ambiente de elaboração de políticas públicas anticorrupção na região mudou em um ritmo mais rápido do que as campanhas da sociedade civil. No início dos 1990, os ativistas eram capazes de falar em um vácuo de políticas públicas na arena anticorrupção … nos anos 2000, ilhas baseadas em projetos de integridade produziram alguns resultados adicionais … os anos 2010 mostram um desafio diferente.” A essência desse desafio está no foco estratégico em esforços colaborativos envolvendo diversos stakeholders em torno de mudanças políticas concretas e efetivas que se ajustem e transformem os sistemas anticorrupção na região.

Como promover campanhas que considerem os aposentados do Rio de Janeiro, as batalhas judiciais em Brasília e o que estamos aprendendo coletivamente enquanto campo?

Uma oportunidade para aprender sobre a próxima geração de práticas de advocacy

A Transparência Internacional no Brasil, TI-Brasil, vem seguindo essas pistas. Em 2018, a organização lançou, em parceria com a FGV Direito, uma campanha inovadora, focalizando a ação política voltada a cidadãos e elites cientes das consequências negativas da corrupção: a campanha Unidos contra a Corrupção – 70 novas medidas contra a corrupção.

Entre Janeiro e Fevereiro de 2019, conduziremos um exercício reflexivo com a TI-Brasil para aprender mais sobre as decisões, dilemas, oportunidades, desafios e lições a partir dessa articulação de um amplo conjunto de atores em torno de uma campanha contra a corrupção, em um contexto de polarização política. O objetivo é prover inspiração e insumo para a reflexão de grupos no Brasil que desejem realizar iniciativas similares às 70 Medidas em seus estados e municípios. O trabalho pode interessar também a grupos em outros países que desejem inspirar-se na campanha e adaptar algumas de suas estratégias em suas próprias realidades – o que responde ao apetite demonstrado em dois recentes eventos em Washington (detalhes aqui e aqui).

Se você é parte de um desses grupos: O que você gostaria de saber sobre a construção de uma nova geração de advocacy anticorrupção? Quais aspectos do design, da implementação e da avaliação dessa nova geração de campanhas anticorrupção lhe tiram o sono?! Envie-nos suas questões e comentários twitting @guerzovich & @ChiesSchommer com a hashtag #nextgenACadvocacy.

Next gen anticorruption campaigns: connecting a tale from Rio de Janeiro, the role of the judiciary in raising awareness, and 4 advocacy evaluations

By Florencia Guerzovich and Paula Chies Schommer

(*para versão em português, clique aqui)

A Rio de Janeiro tale: citizen’s awareness by other means

On November 2018, Rio de Janeiro’s Luis A. Pezão governor was imprisoned due to corruption and money laundering charges. The case is a reminder that the Car Wash operation is still unfolding, as is the political, technical and legal battle for the survival of its results.

The Pezão case is also a reminder that power holders are still trying to sustain the status quo:

  • Pezão was allegedly sustaining the criminal organization formerly led by his predecessor Sergio Cabral, which included among other illicit, bribes for public officials in state control bodies.  As Professor Mauricio Santoro noted: Every governor elected from 1998 to 2014, every president of the state’s legislative assembly (1995 to 2017), 10 out of 70 state legislators, 5 out of 6 counselors in the state’s Court of Accounts and the Attorney General of the state have been jailed. Please note, this crowd largely belongs to MDB Party  – rather than Luis Inacio Lula Da Silva’s Worker Party.
  • Michel Temer (MDB), outgoing president of Brazil, has issued a pardon that would let many of his allies out of jail (a tool used in other contexts for similar purposes). The Brazilian Supreme Court was discussing the constitutionality of the pardon on the day Pezão went to jail.

Two years before, one of us was living in Rio de Janeiro on the day the previous state’s governor Sergio Cabral (MDB) went to jail in 2016 (he has been found guilty of money laundering and corruption multiple times since then). That morning on a public bus, the driver yelled and honked to the newspaper guy in the corner: Cabral is in jail! The driver referred to the dire situation of public services and security in the state. Rio de Janeiro’s fiscal situation was and is dire, even in comparison with other Brazilian states (see graph below).

That morning in a Rio de Janeiro gym, in true Carioca spirit, music was loud and fun. A group of pensioners were at once celebrating and pining over the news about Cabral’s imprisonment. They also talked about the police’s lack of basic resources (paper and gas) to provide security, the crisis of public education, and the lack of medicines in the public health system. For @shannongsims the scene would be repeated three years later.

An anticorruption advocate’s “dream” scenario: people in the street making the link between corruption and their daily lives. We heard Brazilian commenting the news in the beaches of Joao Pessoa, in the northeast, and Florianopolis, in the south. No advocacy campaign had been necessary to get the conversations going. Or at least not a traditional civil society organization-led campaign. Civil society in localities across Brazil were turning anger into different forms of action – from manifestations to social accountability.

The judiciary’s role in communicating what enables corruption and its effects

If people did not realize through campaigns that corruption affects their lives and kills, judges and prosecutors have consistently made the link between the state’s fiscal crisis, deficient service delivery and the corrupt organization under investigation. The causal link between corruption and the public interest appears in judicial documents, it is reinforced in messages in press conferences, and in social media. Car Wash’s main prosecutor has argued that “corruption is a serial killer that is disguised as holes in roads, lack of medications, street crimes and poverty.” Car Wash’s Judge in the State of Rio de Janeiro argued “corruption is the main cause of the state of calamity (due to the fiscal crisis in Rio).”

Supreme Court Judge Luis Alberto Barroso argued against Temer’s pardon stating that corruption is a “violent crime”. Corruption “kills in the queue of the Unified Health System, kills through the lack of beds in hospitals, kills in the absence of medicines, kills roads without proper maintenance. Corruption destroys lives that are not adequately educated due to the absence of schools.” Using development language, Barroso made the link between corruption and human capital (#investinpeople). Barroso was speaking to his Brazilian audience – his colleagues in the Court, prosecutors that advance against all odds, and society that is supporting anticorruption change.

Barroso’s argument in the Supreme Court’s plenary was cast in national TV  and multiplied in social and traditional media 1000s of times. He  mentioned that there are three groups who will not hear his message: a) “part of progressivism in Brazil thinks that the ends justify the means and corruption is a footnote in the history of Brazil;” b) “part of the conservatives think that corruption, if it is of the conservative colleagues, there are no problems,” c) “there is the ones that do not want to be punished ….there’s a worse lot in Brazil: it’s the ones that do not want to be honest even moving forward, and they want everything to be as it always has been.” As Constitutional scholar Roberto Gargarella has argued, thinking beyond retribution, Car Wash is  providing an unprecedented opportunity to communicate and enable public acknowledgement of the mechanisms that underlie public life. In Brazil, we have noted that judicial operators seem to be changing their communication practices accordingly.

We know little about why and how people mobilize against corruption once they acknowledge the state of affairs. A forthcoming paper by Francis Fukuyama and Francesca Recanatini argues that anticorruption initiatives,  mainly focused on measurement, have basically failed. Corruption is essentially political – a challenge for judicial operators who have to be and appear to be non-partisan in the game. Anticorruption advocacy campaigns are often designed without clear understanding of whether the assumptions we make are relevant, overly ambitious or counterproductive.

Four evaluations challenging anticorruption groups to rethink advocacy

A group of evaluations of Transparency International’s advocacy in different contexts argue that civil society groups need to develop new types of advocacy campaigns. Campaigns that are relevant for citizens and elites (increasingly) aware about corruption’s effects. An evaluation of the “Unmask the Corrupt Campaignfound that the campaign was able to builds expectations of actions & results (justice) early on. However, it didn’t deliver on the promise, meaning the campaign ultimately breeds disillusionment and disengagement.

Flores and co-authors present “a three-level model that captures the micro, meso, and macro factors that affect individual decision-making, including the sequence in which individuals process information and —subsequently — evaluate and re-evaluate whether to take action against corruption”.  They argue that the model can help domestic actors systematically try out, reflecting on, and adapting their strategies for stimulating citizen engagement. It can help international actors provide more adequate backing for these processes. For the authors, activists working in disillusioned contexts face a different, often uphill battle than those that work in apathetic or optimistic ones.

A 2018 evaluation of  TI’s global advocacy argues that “it is worth celebrating success in establishing anticorruption agendas, commitments and institutions. At the same time, it’s important to consider questions about collective progress and the assumptions driving anti-corruption work considering the continuing extent of corruption and impunity … it is time to reorient around a small number of global advocacy priorities on which the Movement can make a sustained push for change. This will be dependent on sharpening advocacy approaches and moving towards more effective staffing and resourcing.”

 In 2012, an evaluation of TI Latin America’s advocacy work made a related diagnostic and prescription “the anticorruption policymaking environment in the region has changed at a faster pace than advocacy. In the early 1990s, advocates were able to speak of a public policy vacuum in the anticorruption arena … In the 2000s, project-based islands of integrity produced some additional results … the 2010s pose a different challenge.” At the heart of the challenge is strategically focusing on multi-stakeholder collaborative efforts bringing about concrete and effective policy changes that fit and transform the anticorruption environment in the region.

How to design campaigns that are cognizant of the pensioners in Rio de Janeiro, the judicial struggles in Brasilia, and what we are learning as a field?

An opportunity to learn about doing next generation advocacy

Transparency International Brazil has acted on these cues. In 2018-TI-BR, in partnership with FGV’s Law School,  have implemented an innovative anticorruption campaign focused on policy action and targeted at citizens and elites that are aware about the negative consequences of  corruption: the United against Corruption or 70 measures against corruption campaign.

In January and February 2019, we will carry out a reflective exercise TI-BR to learn more about the decisions, trade-offs, opportunities and challenges, and lessons of putting together a broad multi-stakeholder anticorruption campaign in a polarized environment. The goal is to provide food for thought to help groups in Brazil who are interested taking the 70 measures to their state and local-level work. We will also be working on guidance for groups in other countries who might be interested in figuring out whether and how to adapt the campaign to their own realities – responding to appetite at two recent events in Washington (here and here).

So, if you are part of one of these groups: What would you like to know about doing next generation anticorruption advocacy? What aspects of designing, implementing or evaluating a next gen anticorruption campaign keep you awake at night? Send us your questions by twitting us @guerzovich & @ChiesSchommer with the hashtag #nextgenACadvocacy.

Uma coprodução franca – participação social e governança compartilhada na APA da Baleia Franca

Por Gessica Silva, Amanda Arioli Putti e Rafael Tachini de Melo*

Todos os anos, entre os meses de julho e novembro, o litoral catarinense vivencia uma experiência ambiental peculiar: torna-se o principal perímetro reprodutivo e de criação de filhotes da espécie Baleia Franca Austral em águas brasileiras.

Crédito: SCPar Porto de Imbituba

A histórica tradição da caça às baleias-francas em Santa Catarina quase levou a sua extinção na década de 1970. No entanto, um esforço para a preservação da espécie resultou, em 2000, na criação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, formalizada por meio de Decreto Federal s/n° de 14 de setembro de 2000.

Também conhecida como Unidade de Conservação (UC), a APA da Baleia Franca abrange nove municípios catarinenses, desde o sul da Ilha de Santa Catarina, onde fica a capital, Florianópolis, até Balneário Rincão, na Região Sul do estado.

Por ser um território densamente ocupado e de grande fragilidade ambiental, pois abriga diversas atividades, tais como mineração, turismo, agricultura e pecuária, pesca industrial e artesanal, etc., desde sua criação, o principal desafio de gestão da UC tem sido a elaboração do seu Plano de Manejo (PM), instrumento legal necessário para o ordenamento da ocupação territorial e da utilização dos seus recursos naturais.

Entre 2000 e 2007, a APA BF foi gerida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O período foi marcado pela criação de rotinas de trabalho e de estruturação de um Conselho Gestor, atendendo o dispositivo legal de criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC, Lei Nº 9.985 de 2000, regulamentado pelo Decreto Nº 4.340, de 22 de agosto de 2002).

Assim, em 2006, nasce o Conselho Gestor da APA da Baleia Franca – CONAPA BF, órgão formado por 42 instituições conselheiras, divididas em uma gestão paritária de três setores: 1/3 do setor público, 1/3 dos usuários dos recursos (moradores, órgãos de representação de classe, universidades etc.) e 1/3 de Organizações Não-Governamentais (ONGs).

Os representantes se submetem voluntariamente à eleição, a cada dois anos, para formação de um novo conselho. Desde 2007, com a criação de uma autarquia do Ministério do Meio Ambiente (MMA) responsável pela gestão do SNUC, a gestão da APA BF está sob responsabilidade do ICMBio.

A rede CONAPA BF tem como objetivo essencial a proteção da baleia-franca.  Sua função é contribuir para o ordenamento do território da APA, a fim de preservar o habitat de procriação da espécie. De forma consultiva, o Conselho auxilia nas decisões do ICMBio sobre questões relacionadas à gestão do território da APA como, por exemplo, na avaliação de Estudos de Impacto Ambiental (EIAS) e Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente (RIMAS). Além disso, nesses últimos 12 anos, o CONAPA BF dedicou-se à elaboração do Plano de Manejo da UC, instrumento que rege a utilização da APA, definindo as regulamentações para o uso e ocupação do território.

Relacionamento em Rede

A rede que constitui e dá sustentação ao CONAPA BF combina características de natureza formal e informal. Formal por ser hierarquizada em sua operação. Como podemos ver na imagem a seguir, a estrutura da rede é constituída pelo presidente, servidor do ICMBio que exerce o cargo de chefe da APA BF; um comitê executivo; câmaras técnicas e grupos de trabalho. O aspecto de uma rede formal também se apresenta no Regimento Interno e na metodologia de condução das reuniões. Convidados, por exemplo, não podem ter a fala se não forem indicados pelos atores formais.

Elaborado pelos autores com base no Regimento Interno.

Já a natureza informal da rede é observada quando a pluralidade dos atores que a constitui participa nos espaços de debate e influencia as discussões e as decisões. Além disso, pelas relações e processos informais gerados a partir da interação e dos objetivos mais formalizados.

Um ponto de destaque da participação social da rede englobada pelo CONAPA é o engajamento dos integrantes e o interesse na cooperação desses nas decisões, formulação das políticas e ações propostas. Por exemplo, durante a plenária para revisão do Plano de Manejo, realizada no segundo semestre de 2018, o contexto vivenciado em dois dias de reuniões do grupo demonstrou que o interesse na participação é tanto que a metodologia de condução dos encontros precisa delimitar quantos conselheiros vão expor a sua opinião sobre cada ponto a ser debatido e o tempo de fala de cada um, rigorosamente cronometrado pela equipe do ICMBio. Ainda assim, os encontros do Conselho se estendem por horas e horas de debate.

Uma hipótese para essa característica é o envolvimento destes pelo mesmo propósito. Tal objetivo é uma prerrogativa da equipe de servidores que trabalha na construção do plano, objetivo expresso no site da rede como “buscar a participação direta dos atores sociais da região na elaboração, para que o plano de manejo seja um ‘pacto social’ que garanta um desenvolvimento sustentável e diferenciado no sentido da proteção ambiental do território”.

Esse interesse na participação também é evidenciado na quantidade de instituições que disputam as 12 vagas em cada setor, na medida em que geralmente há mais interessados do que o número de cadeiras.

Além do propósito comum, que é a elaboração do Plano de Manejo da unidade, uma vez que a normativa tornará mais clara e personalizada as regras para uso da área, cada grupo de atores busca seus interesses próprios. Entre os benefícios buscados por cada instituição participante, podem ser citados: o uso racional dos recursos naturais da região; a normatização da ocupação e utilização do solo e das águas; o uso turístico e recreativo; as atividades de pesquisa e; o tráfego local de embarcações e aeronaves.

A participação dos atores nos espaços de debate é a oportunidade para colocarem suas necessidades, discutirem as melhores saídas e entrarem em um consenso para que algo seja realizado.

Na imagem a seguir, vê-se um registro do primeiro dia de plenária para finalização do PM, em 27 de setembro de 2018.

Crédito: Géssica Silva.

Em resumo, o trabalho do CONAPA BF vive uma rica experiência de participação social e coprodução em prol da construção de um ambiente em constante evolução e aprendizagem, incluindo divergências e conflitos para a convivência entre as atividades humanas e o propósito da conservação dos biomas presentes na APA e a proteção da baleia-franca. Representa, também, uma iniciativa que atravessa mais de uma década, liderada por um órgão público e fortemente enraizada no engajamento de diversos atores, marcada por fatores como articulação de interesses, codesign de metodologias de mediação e negociação e aprendizagens, como veremos a seguir.

Uma coprodução franca

Dada a diversidade de atores que se envolve no CONAPA BF e a ênfase nos esforços de codesign do Plano de Manejo, é perceptível, através do acompanhamento de um encontro do grupo e de entrevistas com um representante de cada setor, que o Conselho é um espaço fortemente político. Aqui entendendo política como arte de negociação para compatibilizar interesses.

1º dia de plenária para finalização do PM, em 27/09/2018.
Crédito: Géssica Silva

Ao longo da elaboração do Plano de Manejo, foi necessário o codesign de metodologias de mediação, negociação e comunicação para que o projeto desenvolvido em conjunto pudesse tomar forma. Esse processo foi do início ao fim discutido com as entidades participantes, através de oficinas de planejamento participativo, grupos de trabalho, câmaras técnicas, oficinas setoriais, intersetoriais e intrassetoriais e nas próprias assembleias ordinárias do Conselho, que ocorrem, no mínimo, quatro vezes ao ano.

Tinha razão o professor Francisco G. Heidemann, catedrático da gestão pública que em 15 de agosto de 2018 disse em sala de aula que a democracia é cara e demorada, propriedades que fizeram, nesse caso, e devem fazer parte de processos democráticos.

Para a própria governabilidade do sistema, percebe-se a importância da equipe técnica do ICMBio como mediadora dos debates, colocando na mesa de discussão o ponto de vista institucional e legal do órgão gestor da APA, mas aceitando a deliberação da maioria dos atores. Também revisões feitas pelo ICMBio passam pela defesa, discussão e aprovação da assembleia.

Durante a finalização do Plano de Manejo, a forma de chegar a uma “opinião comum” entre os atores pauta-se pela apresentação de propostas previamente apresentadas pelas entidades. Aqui, cabe um parênteses para o fato de que os técnicos do ICMBio se preocupam se todos entenderam as propostas, simplificando as informações quando necessário ao entendimento do interlocutor que representa a entidade. Isso denota o reconhecimento de que a participação de atores locais, como pescadores e moradores nativos, é essencial para o Plano.

Crédito: Géssica Silva

Em seguida, é aberta a rodada de discussão, com espaços para falas delimitados por tempo e número de “opinadores”, seguido de votação para verificar a concordância com a proposta. Nesse processo, vê-se debates acalorados, de prós e contras, de personalização da atuação na rede em detrimento da representação institucional e, portanto, de conflitos de interesses negociados, mas não evitados. É um processo demorado, tenso e truncado, que tem mantido a rede engajada e culminou, em 2018, no encaminhamento do que pode ser considerado o primeiro Plano de Manejo da APA da Baleia Franca, que passa agora para a aprovação do ICMBio, em Brasília.

O perfil dos diversos atores, sobretudo do Chefe da APA, coincide com aquele desenhado pelo modelo de administração pública do novo serviço público, caracterizado por Janet e Robert Denhardt como “uma alternativa para a ‘nova administração pública’ que tem origem em uma tradição mais humanista”.

O ‘Novo Serviço Público’ retira sua inspiração da teoria política democrática (especialmente enquanto preocupada com a conexão entre cidadãos e seus governos) e de abordagens alternativas à gestão e ao design organizacional. Desta maneira, o governo e, consequentemente, o servidor têm um papel de articulação e mediação dos atores e cidadãos interessados na política pública.

Neste ponto, destaca-se, como substrato da accountability democrática empreendida pelo Chefe da APA, a governança da rede, a qual inclui diferentes setores de representação institucional e participativa e tenta, a todo momento, compor com todas as partes interessadas. Também promove a responsividade da rede em face dos serviços codesenhados e coproduzidos, desde o Plano de Manejo até iniciativas que veremos a seguir.

Coprodução, codesign e cogestão. Coprodução se refere a relações regulares e de longo prazo entre profissionais prestadores de serviços públicos (em qualquer setor) e usuários, ou outros membros da comunidade, onde todas as partes fazem contribuições substanciais de recursos, protagonizando papéis diferentes de acordo com os seus interesses (BOVAIRD, 2007). A coprodução focaliza a participação do usuário ou da comunidade na entrega ou na implementação do serviço público. Codesign é a participação dos mais diversos atores no desenho do serviço público, enquanto cogestão é o engajamento dos atores interessados no gerenciamento da política pública e na prestação do serviço público. Alguns autores entendem que codesign e cogestão estão inseridos na coprodução, outros preferem distinguir bem os conceitos e práticas. Tony Bovaird, por exemplo, considera coprodução não apenas no relacionamento entre o provedor do serviço público e um conjunto de usuários de serviços públicos, mas também no Planejamento, Atribuição, Desenho, Gerenciamento, Prestação, Monitoramento e Avaliação do serviço público.

Muito além da baleia

Além da elaboração do Plano de Manejo e da avaliação, de maneira consultiva, de EIAS e RIMAS, o processo de cogestão e codesign desenvolvido no âmbito do CONAPA BF enseja o desenvolvimento de outras formas de coprodução de serviços na região da APA, para além do que está delimitado formalmente a priori.

Um dos serviços coproduzidos diz respeito, diretamente, ao objetivo básico de proteção da baleia. O Protocolo de Encalhe, elaborado por especialistas e usuários, trata de procedimentos para lidar com baleias em situação de encalhe nas praias abrangidas pela área de preservação, envolvendo ações delimitadas aos cidadãos, e aquelas a cargo das entidades comprometidas com o procedimento.

Outra circunstância de destaque na preservação do meio ambiente adequado à baleia-franca, a qual envolveu diversos atores na cogestão da APA, foi a obra de ampliação do Porto de Imbituba, realizada em 2009. Por causa do funcionamento de uma máquina de “bate-estacas”, com intenso ruído subaquático, o ICMBio embargou a obra e exigiu que fosse mitigado o impacto acústico no mar, que interfere no bem-estar dos cetáceos. Tal circunstância gerou, por parte da empresa responsável pela obra, método inédito de estaqueamento com ruído reduzido no mar. Também resultou na criação de um programa de monitoramento de baleias que é realizado até hoje.

Na interação em questão, verificou-se a coprodução na gestão da APA e uma solução para um problema específico com a participação, na esfera federal, do MMA, IBAMA, ICMBio e Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA)/ICMBio; e na esfera local, da APA BF, Prefeitura Municipal Imbituba, CIA Docas (então empresa administradora do Porto), Santos Brasil (empresa responsável pela execução das obras), e o Projeto Baleia Franca (PBF).

Programa de Monitoramento de Baleias-francas do Porto de Imbituba.
Crédito: SCPar Porto de Imbituba

O projeto de manejo da abertura da Barra da Ibiraquera também se originou de uma rede formada pela equipe da APA, denominada Comitê Gestor da abertura da barra. Este Comitê leva em consideração os interesses dos moradores locais, dos pescadores e a preservação do meio ambiente para definir o melhor momento da abertura da barra que liga o mar e a lagoa da Ibiraquera, que ocorre naturalmente pela deposição de areia pelo oceano.

Outra circunstância de destaque na preservação do meio ambiente adequado à baleia-franca, a qual envolveu diversos atores na cogestão da APA, foi a obra de ampliação do Porto de Imbituba, realizada em 2009. Por causa do funcionamento de uma máquina de “bate-estacas”, com intenso ruído subaquático, o ICMBio embargou a obra e exigiu que fosse mitigado o impacto acústico no mar, que interfere no bem-estar dos cetáceos. Tal circunstância gerou, por parte da empresa responsável pela obra, método inédito de estaqueamento com ruído reduzido no mar. Também resultou na criação de um programa de monitoramento de baleias que é realizado até hoje.

Abertura da Barra de Ibiraquera.
Crédito: Simão Marrul Filho

Além disso, há serviços coproduzidos que abarcam a aprendizagem e o compartilhamento de conhecimento entre os atores da rede CONAPA BF, envolvendo contextos que circundam o objetivo básico que os une. As Oficinas de Pesca Artesanal e Surf, por exemplo, buscam proporcionar o diálogo entre os pescadores artesanais e os surfistas, os quais compartilham o mesmo espaço, a praia, para suas respectivas atividades, sobretudo na época da pesca da tainha, quando a atividade de um pode prejudicar a do outro.

Percebe-se que a condução dessas redes pelo ICMBio busca valorizar a inclusão das populações tradicionais na Gestão Participativa e tornar as informações claras em todos os momentos do processo. Estabelece também diálogos e parcerias com o terceiro setor e com a iniciativa privada, sobretudo aqueles que causam impacto à Unidade de Conservação.

Neste contexto, com a entrega da 1ª versão do Plano de Manejo, vê-se como uma provocação para o futuro a própria manutenção da rede, buscando manter seus princípios no processo, valorizar o que foi alcançado e as aprendizagens conquistadas até aqui, com erros e acertos, sendo um grande envolvimento participativo dos atores e uma dinâmica de tomada de decisões eficiente.

Um desafio adicional é a participação destes atores em outras redes no âmbito regional, municipal e local, para que se engajem em “novas coproduções”, incluindo Planos institucionalmente exigidos, como o Plano Diretor e plano de resíduos sólidos, que, em tese, também envolvem atores presentes no CONAPA BF.

O CONAPA BF é uma iniciativa rica em práticas democráticas de governança, participação e controle social, na medida em que o Plano de Manejo foi codesenhado em rede com entidades representativas da região interessada, calcado em uma metodologia que franqueou e promoveu a participação efetiva dos interessados. Esta forma de trabalho da rede mostrou-se custosa sob a perspectiva de tempo, recursos e difusão do conhecimento de maneira permeável a todos, mas rendeu bons frutos ao desenvolvimento equilibrado e sustentável da região da APA BF.  

A rede CONAPA BF é um exemplo de que o exercício qualificado da democracia para se construir o desenvolvimento de uma região em que convivem atores com interesses tão diversos pode necessitar uma forma de organização complexa e com alta demanda de esforços e recursos, mas que nem por isso é inviável. A democracia é laboriosa, mas traz resultados profícuos à sociedade e ao cidadão.

*Texto elaborado por Amanda Arioli Putti (amandaarioli.putti@gmail.com), Géssica Silva (gessica.silvasc@gmail.com) e Rafael Tachini de Melo (rafaeltachini@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2018-2, no Mestrado Profissional em Administração da Udesc Esag.

Referências

BOVAIRD, Tony. Beyond engagement and participation: User and community coproduction of public services. Public administration review, v. 67, n. 5, p. 846-860, 2007.

DENHARDT, Janet. V.; DENHARDT, Robert. B. The New Public Service. Serving, not Steering. New York: M.E Sharpe, 2003.

Para saber mais sobre a APA Baleia Franca, visitar: http://www.icmbio.gov.br/apabaleiafranca/

Para saber mais sobre o Conapa, visitar: https://conapabaleiafranca.wordpress.com

Para saber mais sobre Plano de Manejo, visitar: http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao/plano-de-manejo

Alguns estudos já feitos sobre o Conapa:

Atores e redes na construção de territórios ambientais: o caso da APA da Baleia Franca: http://www.scielo.br/pdf/asoc/v20n2/pt_1809-4422-asoc-20-02-00039.pdf

Inovação, governabilidade e protagonismo de pessoas-chave na Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca (Santa Catarina, Brasil): http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/281118/1/Gerhardinger_LeopoldoCavaleri_D.pdf

“O Meu Lugar é do Outro”: As Vozes dos Invisíveis nos Espaços Formais de Gestão Ambiental Participativa do Território Sul da APA da Baleia Franca: http://www.anppas.org.br/encontro6/anais/ARQUIVOS/GT5-1269-1025-20120630155459.pdf

Reparou algo diferente nas eleições de 2018? O uso do marketing digital eleitoral e seus efeitos

Por Ana Paula Campos, Bruna Dédalo Gorjão, Bruna Cristina Sanches e Mara Fritsche*

Santinhos espalhados pelo chão, 45 minutos seguidos de propaganda eleitoral, cavaletes e outdoors anunciando os candidatos políticos, carros de som às 9 horas da manhã de um domingo. Isso tudo soa como eleição? Não mais. 

Consideradas por muitos especialistas como atípicas, as eleições de 2018 chegaram transformando o cenário brasileiro por suas características singulares de polarização e a propagação de ideias em meios inusitados de divulgação. Fatores que sinalizam para episódios inéditos no cenário político brasileiro.

O clássico marqueteiro político não é mais suficiente. Mídias tradicionais, como a TV, não conseguem atingir a mesma quantidade de eleitores de antes. Uma pesquisa executada pelo IdeiaBigData com eleitores brasileiros constatou que ao menos 70% dos entrevistados tinham a intenção de acompanhar os seus candidatos pela internet, enquanto 52% preferiam pela televisão. O marketing político digital, por outro lado, ganha força. Seu baixo custo de investimento, combinado aos 139 milhões de brasileiros (IBGE) que estão nas mídias sociais, parece gerar um fator decisivo para os resultados.

Em sintonia com essas mudanças, vê-se a candidatura e eleição de pessoas que há pouco se mostravam desconhecidos pela população, enquanto rostos já conhecidos não conseguiram obter votos suficientes para alcançar o almejado cargo político.

Em Santa Catarina, apenas seis candidatos conseguiram ser reeleitos para uma posição entre os 16 deputados do estado na Câmara Federal, em Brasília. Em âmbito nacional, 51 políticos que buscavam a reeleição e estavam sendo investigados na Operação Lava Jato, alguns deles tradicionais no cenário político brasileiro, foram derrotados nas urnas. No próximo ano, poderão ser investigados de forma regular, pois não terão mais o foro privilegiado.

A pesquisa do IdeiaBigData confirma que há forte descrença da população com os políticos brasileiros. O levantamento aponta que ao menos 95% dos entrevistados avaliam que os atuais políticos não são transparentes e 89% acreditam que os políticos não se preparam para desempenhar bem seu mandato – números estes que impactam diretamente nas decisões eleitorais.

Se antes era natural a imperícia do saber político e a tomada de decisão sem o conhecimento da população, hoje, ações políticas desfavoráveis à opinião pública promovem impactos sem precedentes.

Durante o processo eleitoral, muitos indivíduos utilizaram os canais de comunicação digitais para exigir explicações em assuntos relevantes, tais como as propostas e trajetória dos políticos, bem como motivos e valores de ações que antes se mantinham fora da alçada da sociedade. Além da prestação de contas mais célere e descomplicada nos meios digitais, houve possibilidade de interação bilateral entre campanhas e eleitores.

O marketing digital eleitoral, por um lado, carrega em si a transparência e a accountability direta na relação entre candidatos e eleitores. Isso facilita o controle das ações dos políticos no uso dos recursos públicos e permite monitorar as doações para as campanhas, por exemplo. Em parte, isso aconteceu, mas não foi só isso. Há também possibilidade de explorar a desinformação e as brechas da lei.

Os tribunais eleitorais, TREs e TSE, receberam diversas denúncias sobre esquemas de impulsionamento ilegal de mensagens via Whatsapp. Segundo Marcelo Vitorino, consultor de marketing digital da campanha de Geraldo Alckmin, do PSDB, foram apresentadas mais de 20 propostas de empresas que ofereciam o serviço ilegal. Vitorino também disse que, em 2017, foram feitas denúncias aos órgãos de controle, mas estes ignoram a dimensão do problema.

Em meio a uma avalanche de mensagens difundidas via Twitter, Whatsapp e Facebook, o Tribunal Superior Eleitoral depara-se com lacunas na lei e até mesmo no entendimento do fenômeno. Além da quantidade de mensagens, boa parte delas continha informações falsas, as famosas fake news. Trata-se de um problema crescente, uma poderosa ferramenta que pode influenciar os resultados eleitorais.

Esse cenário tem relação com o de outros países. Ao longo da campanha política para a presidência americana, Donald Trump gastou cerca de US$ 70 milhões para exibir cerca de 50 mil posts patrocinados por dia, não apenas para promover sua candidatura, mas também para atacar sua concorrente, Hillary Clinton, buscando diminuir a quantidade de votos que ela receberia.

Os candidatos brasileiros não atingiram o mesmo patamar de gastos que o presidente americano. Apesar de não existir um limite específico para gastos com posts patrocinados, houve um teto máximo de recursos investidos nas campanhas, de acordo com o cargo. Isso busca prevenir o excesso de informações políticas nas mídias sociais e garantir certo equilíbrio de presença entre os candidatos. Entretanto, houve difusão de mensagens sob patrocínio de indivíduos, supostamente sem o conhecimento dos partidos e candidatos.

Embora tenham havido iniciativas pontuais de controle, não foi articulada uma ação eficiente sobre o que se postou nas plataformas, não houve capacidade de prever ou monitorar o que se tornou essa avalanche de informações, tanto reais quanto fake. Os partidos políticos também falharam ao não monitorar o ambiente virtual dos debates. Portanto, a legislação nova evidenciou falhas, os Tribunais Eleitorais e a sociedade tiveram pouca capacidade para compreender e conter o incontrolável que se tornou o ambiente virtual.

De um lado, temos a liberdade de expressão das pessoas e dos meios de comunicação, algo essencial para a democracia. De outro, cidadãos que recebem uma enxurrada de informações e não tem experiência e conhecimento para buscar sua validação, o que dificulta a formação de um processo eleitoral justo que consiga levar à responsabilização dos políticos que não correspondem às necessidades da população.

Nosso país se encontra em meio a profundas mudanças no processo eleitoral. As expectativas da sociedade e modos de expressá-las e os meios de responsabilização democrática dos candidatos políticos também estão mudando. Se não forem compreendidos e monitorados, o clima de desconfiança pode aumentar, fazendo crescer ainda mais o descontentamento político pelo qual nossa nação está passando.

O interesse político de parte da população, o clima de incerteza e desconfiança no país, combinado à disponibilização de meios digitais para as grandes massas, fez com que as eleições de 2018 gerassem um processo quase inédito no Brasil. As lições desse processo ainda estão sendo compreendidas. Portanto, perguntamos: diante das surpresas das eleições em 2018, como isso afetará o exercício dos mandatos daqui para a frente? E como os órgãos de controle e fiscalização, partidos políticos, candidatos e cidadãos vão se preparar para as próximas eleições?

Para saber mais sobre o tema, entrevistamos o jornalista e empresário Cícero Mendes, que por meio de sua empresa “Em Pauta” comandou campanhas digitais de políticos em todo o país nas últimas eleições. Ouça aqui :

Referências

 FOLHA UOL. Redes são o novo normal na política. Disponível em:                                                               

<https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marco-aurelio-ruediger/2018/10/redes-sao-o-novo-normal-na-politica.shtml?loggedpaywall> Acesso em 28 out. 2018.

Gestor Político. Software. Disponível em: <https://neritpolitica.com.br/> acesso em 05 out. 2018

IdeiaBigData Pesquisa. Disponível em: <https://ideiabigdata.com/pesquisa/> Acesso em 12 out.2018.

JUSTIÇA ELEITORAL – Cartilha sobre Propaganda Eleitoral na Internet. Disponível em:

<http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/propaganda-eleitoral-na-internet>

acesso em 05 out. 2018

UOL tecnologia. Whatsapp é o novo vilão da eleição.  Disponível em:                                                                                  

<https://www.uol/tecnologia/especiais/whatsapp-e-o-vilao-da-eleicao.htm#frases-1> Acesso em 17 out. 2018.

TI Inside Online. Mais de 30% dos brasileiros ainda não tem acesso à Internet  Disponível em:                                                                     

<http://tiinside.com.br/tiinside/home/internet/21/05/2018/mais-de-30-dos-brasileiros-ainda-nao-tem-acesso-a-internet/> Acesso em 31 out. 2018.

*Texto elaborado por Ana Paula Campos, Bruna Dédalo Gorjão, Bruna Cristina Sanches e Mara Fritsche, no segundo semestre de 2018, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da graduação em administração pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

O papel do Ministério Público no processo de prestação de contas das fundações de direito privado

Por Arthur Bernardo Corrêa, Leticia Macedo, Mariana Silva e Vitor Antonio Celso*

Você conhece a relação entre as fundações e o Ministério Público? Será que o processo atual é o mais eficiente e efetivo?

As fundações, em especial as fundações de direito privado, possuem o propósito de prestar serviços que sejam relevantes à sociedade e que colaborem com o Estado. Elas exercem uma função social e algumas podem se caracterizar como entidades beneficentes, dependendo de sua finalidade, consoante ao artigo 62, do Código Civil.

O Controle das Fundações

A partir da criação de uma fundação de direito privado, ela passa a ser fiscalizada (velada) pelo Estado, que fica responsável pela fiscalização quanto ao cumprimento de seus propósitos e regras.

Para uma fiscalização mais presente, a responsabilidade é atribuída aos Ministérios Públicos localizados nos respectivos estados em que está a sede de cada fundação.

Esse controle é regulamentado pelos artigos 62 a 69 do Código Civil Brasileiro, Código de Processo Civil (arts. 1199/1204) e Lei de Registros Públicos (arts. 114/120).

Em Santa Catarina…

O Processo de Fiscalização

No Ministério Público de Santa Catarina, o processo de velamento ocorre de três formas:

  1. Por meio da promotoria responsável por instaurar os procedimentos administrativos e fiscalizando se a atividades que estão sendo desenvolvidas pelas fundações vão ao encontro do seu estatuto, elaborados nos moldes dos artigos 1199 a 1204, do Código de Processo Civil;
  2. Por meio do Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos e o Terceiro Setor, que atua no suporte técnico para as fundações e na criação de campanhas que conscientizem sobre o tema;
  3. Há, ainda, o Centro de Apoio Operacional Técnico (CAT), que realiza a auditoria das prestações de contas das fundações.

O Processo de Prestação de Contas

Todo processo de prestação de contas é facilitado pela utilização do Sistema de Cadastro e Prestação de Contas – SICAP.

Um software por meio do qual as fundações preenchem suas informações cadastrais e seus demonstrativos contábeis. As prestações de contas, após análise realizada pelo CAT, são remetidas à Promotoria de Justiça da respectiva comarca, até seis meses após o encerramento do exercício financeiro.

Esse controle é regulamentado pelo artigo 19 Ato N. 168/2017/PGJ

A Accountability e o Ministério Público

O processo de accountability nos remete um princípio básico da administração pública, que é a transparência dos atos públicos, tendo em vista que o próprio conceito se volta mais à fiscalização e responsividade de tais atos.

O MP atua fiscalizando e gerando informações qualificadas e disponíveis ao público.

O que se vê na atuação do Ministério Público de Santa Catarina ao agir no controle de fundações, é uma ação de controle institucional sobre organizações da sociedade civil e que busca defender o interesse público.

  • Accountability institucional: é quando acontece o processo de avaliação e responsabilização no âmbito do próprio Estado.

Além disso, a fiscalização não se refere apenas à atuação ex post e à aplicação de sanções, se for o caso. Trabalha-se de modo preventivo e buscando oferecer  apoio técnico. O que caracteriza outro conceito ou tipo de accountability:

  • Accountability horizontal: processo que acontece por meio das agências governamentais que ajudam a monitorar as atividades entre os poderes, deixando nesse caso os cidadãos mais distantes desse processo de fiscalização.

Então, observa-se que o MPSC possui uma função imprescindível para com a sociedade e o Poder Público. É uma instituição que auxilia nas ações das autoridades públicas diante de tais fundações, ao mesmo tempo que fornece um apoio e vela pelas mesmas. Porém, mesmo aplicando algumas estratégias que promovam a transparência, o Ministério Público de Santa Catarina não possui envolvimento ativo da sociedade em todo seu processo de fiscalização.

A Relação entre as Fundações e o MP

As fundações precisam – obrigatoriamente – prestar contas de forma clara e formal ao Ministério Público. Mas por quê? As fundações recebem amparo do Poder Público  e, por isso, precisam mostrar que estão cumprindo com suas obrigações legais e seu estatuto, de modo a validar o respectivo apoio. A forma de demonstrar isso seria através do velamento realizado pelo órgão do Ministério Público, que também oferece apoio técnico e feedbacks às fundações.

Este é uma espécie de fomento às fundações de modo a apoiar sua finalidade, através do Poder Público, atuando o Ministério Público como um fiscalizador da respectiva instituição, que avaliará se faz jus ao provimento ou não.

Por exemplo, existem imunidades tributárias, segundo as quais as fundações não precisam pagar impostos sobre o que é destinado às suas finalidades. Ilustrando…

  • Um território de propriedade de uma fundação, que possui o fim específico de ser utilizado em seus serviços, tem imunidade no IPTU.

O artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal, é explícito quanto à vedação de instituir impostos às fundações sem fins lucrativos que seguem em conformidade com a lei.

Deveres das Fundações

Com toda essa fiscalização, cabe à instituição seguir as normas para atingir o apoio e imunidades já citados. Veja algumas das diretrizes que as fundações precisam seguir:

  • aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos objetivos sociais;
  • apresentar demonstrativos contábeis e relatório de atividades;
  • seguir em conformidade com seu estatuto previamente elaborado;
  • atuar de modo a atingir seu objeto social, sendo através de atividades lícitas e sem a finalidade de almejar lucros;

A eficiência e a efetividade do processo

Todo esse procedimento de fiscalização e controle imposto pelo Estado faz questionar sobre a eficiência e a efetividade do processo, considerando as fundações existentes em Santa Catarina.

Além disso, a crescente carga de trabalho atribuída às mais variadas áreas do Ministério Público acaba tornando difícil para se ter um controle, fiscalizar todas as fundações. Ainda, a partir de suas funções, prestar suporte técnico a todas às fundações, devido a uma certa sobrecarga do órgão. Essa situação faz com que surjam algumas incógnitas recorrentes:

  • Deveria existir mais incentivos para que a população ajudasse de alguma maneira nesse processo?
  • A concentração do poder de controle pelo Estado não se tornae um agravante dessa falta de atuação mútua com a sociedade?

Para ilustrar

Fomos atrás de especialistas no assunto! Em uma conversa com Dr. João Carlos Teixeira Joaquim, pudemos entender melhor o cenário.

Ficou interessado? Veja só o que o Promotor de Justiça e Coordenador do CAT e do LAB-LF, do Ministério Público de Santa Catarina, nos respondeu:

Dada a experiência em Santa Catarina, como o MP avalia o processo de velamento de fundações? O propósito da lei que o define é cumprido? O que poderia ser aprimorado?

A norma geral de regulamentação nesse tema é o Código Civil (art. 62 a 69) que, apesar de sucinta, orienta sobre os preceitos básicos do velamento pelo Ministério Público.

No âmbito do Ministério Público de Santa Catarina, a atividade de velamento das Fundações privadas é regulamentada pelo Ato n. 168/2017/PGJ. Tal atividade contempla desde o acompanhamento da instituição (aprovação de estatutos) e o desenvolvimento das atividades (prestações de contas e atas de reuniões dos órgãos de gestão), até o encerramento das atividades (extinção administrativa ou judicial).

Oportunidades de aprimoramento ocorrem em todos os aspectos do velamento, especialmente uma potencial agilização dos processos a partir de sua automatização e da digitalização dos procedimentos de fornecimentos de dados por parte das fundações. Bases de dados digitais podem ser analisadas com maior agilidade, facilitando o fornecimento dos dados e potencializando resultados mais efetivos do velamento.

Existem canais de comunicação entre o MPSC e as fundações de direito privado para que os envolvidos recebam feedback e busquem em conjunto o aprimoramento dos processos?

O principal canal de comunicação à disposição da Fundação é a Promotoria de Justiça, que tem a atribuição na área de Fundações e Terceiro Setor, na comarca onde está situada a entidade. De forma complementar, uma equipe técnica composta por servidores com formação em contabilidade pode auxiliar no esclarecimento de dúvidas quanto ao preenchimento das prestações de contas enviadas anualmente ao Ministério Público.

O MPSC consegue atender à demanda existente por apoio técnico e outras atividades relativas ao velamento das fundações de direito privado?

Atualmente há 150 fundações privadas em atividade em Santa Catarina, distribuídas por 56 Comarcas (cerca de 40 foram extintas, tendo como motivo principal a inatividade nos últimos anos). Cada promotoria de Justiça tem seus próprios controles de acompanhamento e fiscalização.

No que tange ao apoio técnico, a equipe técnica conta com três servidores, que tem prazo de 120 dias para apresentar relatório técnico-contábil das análises realizadas nas prestações de contas. Normalmente ocorre acúmulo de demandas nos primeiros meses do segundo semestre, pois as fundações têm até o dia 30 de junho para prestarem contas do ano anterior, e acabam enviados seus arquivos bem próximos à data limite.

Como o MPSC vê a participação dos conselhos das fundações e suas comunidades para auxiliar na transparência e cumprimento das expectativas sobre o papel das fundações na sociedade?

A partir do pressuposto de que “conselhos das fundações” sejam os órgãos de gestão, tais como Conselho Curador e Conselho Fiscal, tem-se que o Conselho Fiscal atua como principal fonte de informações de eventuais irregularidades, em função da sua atribuição (parecer sobre as contas) e autonomia funcional. Quanto à participação das partes relacionadas, sociedade civil, fornecedores, beneficiários, funcionários ou dirigentes, não há atuação efetiva em termos de controle social, apesar de ser importante fonte secundária de informações.

Então

Nota-se que as fundações são constituídas para um fim específico de interesse público.

Assim, poderia existir um trabalho em conjunto com a população, para que além de solucionar os problemas citados, também ajudaria a fortalecer a confiança da sociedade para com o terceiro setor.

E como você enxerga as soluções?

Referências

BARROS, Vitor. Entrevista concedida para equipe. Florianópolis, 29 nov. 2018. Disponível  em: <https://docs.google.com/document/d/e/2PACX-1vQUDIpIloxpsvhHBqNOaE-X5J1VY7YA6LdAr7JL5iBHPUwNvS9qa1ZAbSdVT48DBliXvquKqz5DDHJl/pub> 

BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. BRASIL, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 31 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.  Institui o Código Civil. BRASIL, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 31 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.  Código de Processo Civil. BRASIL, Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 31 out. 2018.

MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Terceiro Setor, Disponível em: < https://www.mpsc.mp.br/areas-de-atuacao/terceiro-setor>. Acesso em: 01 out. 2018.

SCHOMMER, Paula Chies. Coprodução do Controle e Accountability Social: panorama de iniciativas e tendências. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=q6kusUUhgd0>. Acesso em: 25 nov. 2018

*Texto elaborado por Arthur Bernardo Corrêa (arthurbernardocorrea@gmail.com), Leticia Macedo (macedoleticiam@gmail.com), Mariana Silva (marianasilva270897@gmail.com) e Vitor Antonio Celso (vitorcelss@gmail.com), no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada no segundo semestre de 2018 pela professora Paula Chies Schommer, no curso de administração pública da Udesc Esag.