Blog do Grupo de Pesquisa Politeia – Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão, da Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas – UDESC/ESAG
A trajetória do brasileiro é marcada por uma coleção de fatos e notícias estranhas no noticiário, já que colecionamos um histórico nada orgulhoso de escândalos de corrupção. Já nos deparamos com casos como o do Mensalão, Operação Lava-Jato e Operação Navalha, que fizeram o país parar para acompanhar. Outros, como o Banestado ou o caso dos “vampiros da saúde”, não são tão lembrados, mas também causaram graves prejuízos ao erário. Só o Banco do Estado do Paraná (Banestado), desviou 42 bilhões de reais dos cofres públicos.
A relação do brasileiro com esses escândalos, além de muita revolta, acaba gerando desinteresse, apatia e até aversão à política, como demonstrado nas manifestações de 2013. A consequência dessa “despolitização” e falta de confiança é que aumenta o desafio para o engajamento entre governantes e cidadãos para a coprodução do serviço público, além de um perigo para a democracia, com possível (re)surgimento de ideais fascistas.
Para tentar minimizar essa ruptura com a política, causada e ao mesmo tempo contribuindo para os fatores que levam à corrupção, a accountability e a transparência tendem a contribuir para um maior grau de confiança da sociedade em relação ao Estado. Outro papel importante da transparência e da accountability é a contribuição para evitar novas ilicitudes, por meio da prevenção, advinda do controle, da disponibilização de diversos dados de livre acesso e do diálogo.
Como escândalos de corrupção não são novos por aqui, situações bizarras como dinheiro público encontrado dentro da cueca de lideranças políticas, tampouco. O que fez o brasileiro suspirar essa semana e voltar a se surpreender com o noticiário, fora o dinheiro público “sujo” encontrado com o vice líder do governo de Jair Messias Bolsonaro, o senador Francisco de Assis Rodrigues (DEM-RR). Ao todo, foram apreendidos cerca de 30 mil reais na casa do ex governador de Roraima.
Francisco Rodrigues já possuía históricos de investigações, em 2006, no caso da “Farra dos Combustíveis,” que investigava os altos gastos de deputados com gasolina. Ele assumiu posteriormente a adulteração de diversas notas fiscais como se fossem de combustível, a fim de receber ressarcimento, entretanto fora absolvido.
Outro escândalo parecido, que envolveu “dinheiro dentro da cueca”, foi aquele conhecido como “dólares na cueca” de 2005, envolvendo José Adalberto Vieira da Silva. Ele era assessor de Zé Guimarães (PT-CE), que é deputado federal e irmão do presidente do PT na época, José Genoino. A apreensão foi feita na tentativa de embarque para o Ceará, no aeroporto de Congonhas (SP), quando 100 mil dólares foram encontrados na cueca, e outros 209 mil reais estavam em uma maleta. A investigação concluiu que o dinheiro era fruto da propina de financiamento entre o Banco Nordeste do Brasil (BNB) e o consórcio Sistema de Transmissão do Nordeste, que movimentou 300 milhões de reais.
Qualquer escândalo de corrupção é motivo de indignação. O que gerou mais revolta essa semana, além da curiosa apreensão do dinheiro “nas nádegas”, foi a origem do dinheiro. Desde agosto de 2020, a Polícia Federal tem investigado, através da Operação Vírion (nome do coronavírus em seu estado infeccioso), a organização criminosa da qual Francisco de Assis Rodrigues é acusado de fazer parte e que já movimentou 50 milhões de reais. Esse dinheiro veio de desvios e fraudes de licitações de produtos que seriam utilizados no enfrentamento da pandemia no Estado de Roraima.
A eleição de Jair Bolsonaro, utilizou como base o discurso de combate à corrupção, anti-establishment, de mudança política. Com quase dois anos de mandato, o que de fato mudou além da cor da cueca?
Segundo relatório da transparência internacional de 2020, no ano passado, o Brasil testemunhou um aumento da interferência política em diversos órgãos de controle e fiscalização. Foram tomadas diversas medidas que centralizaram o poder e que imporam a supervisão das autoridades responsáveis pelas investigações de corrupção. Exemplos de órgãos que foram afetados e analisados pelo relatório são o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a Polícia Federal, o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal.
As notícias que abordam essa polêmica envolvendo o vice líder do atual governo, em geral visam uma perspectiva baseada em investigações e punições, o que também é importante. O campo dos estudos sobre accountability, ao analisar a situação da corrupção, agrega, para além da responsabilização, a prevenção e a colaboração.
Accountability envolve aplicação de sanções, controle e coresponsabilização. O controle sobre recursos públicos e ações de gestores e políticos, pressupõe participação social, mesmo que através de manifestações e indignação por parte da sociedade, tal qual em 2013. Fica a questão: por que, diante de tanto absurdo, notícias bizarras como “dinheiro na cueca”, que parece ter se tornado comum entre representantes políticos, prevalece o silêncio da população?
Os pesquisadores Fernando de Souza Coelho (USP), Lindijane de Souza Bento Almeida (UFRN), Suylan Midlej (UNB), Marco Antonio Carvalho Teixeira (FGV SP) e a integrante do grupo de pesquisa Politeia da ESAG UDESC, Paula Chies Schommer publicaram o artigo ” O campo de públicas após a instituição das diretrizes curriculares nacionais (DCNs) de administração pública: trajetória e desafios correntes (2015-2020)” na revista RAEP da FGV.
A publicação relaciona o campo de públicas, o qual reúne os saberes das disciplinas de Administração Pública, Gestão Pública, Ciências do Estado, Gestão de Políticas Públicas e Gestão Social e Política Públicas, com os desafios e oportunidades gerados em 2014 com a instituição das DCNs de Administração Pública. Essas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são normas obrigatórias para a educação, que orientam o planejamento curricular dos sistemas de ensino.
O artigo é importante para quem deseja compreender melhor o que é o campo de públicas, o seu histórico de construção desde 2010 e os desafios a partir de 2015, após sua consolidação.
Em 2020, o termo “Campo de Públicas” (CP) completou 10 anos no Brasil. A nomenclatura, utilizada originalmente por docentes e discentes dos cursos de graduação em Administração/Gestão/Políticas Pública(s), surgiu no ato de uma Audiência Pública realizada pelo Conselho Nacional de Educação, no dia 5 de abril de 2010, para se discutir a elaboração de DCNs de Administração Pública (AP). A história do ensino de AP no Brasil, com seus diversos ciclos desde 1952, incluindo o movimento de redefinição da identidade da educação superior nesse campo do saber, que resultou na instituição das DCNs em 2014, é retratada por muitos livros e artigos. Todavia, a institucionalização do Campo de Públicas no período 2015-2020, com o estabelecimento de entidades representativas, o processo de implementação das DCNs nos cursos, a criação de eventos científicos próprios, a organização do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de AP, a elaboração de publicações com títulos referentes ao CP e a conformação de uma comunidade acadêmica multidisciplinar, faz jus a uma sistematização. Assim, o objetivo deste artigo é descrever essa trajetória recente e analisar os desafios correntes do CP. A metodologia baseou-se no cotejamento da literatura com documentos para denotar os marcos do CP pós-DCNs e desvelar seus reptos, que, a partir das respostas de 365 membros – entre professores(as), pesquisadores(as), alunos(as) e egressos(as) – a uma survey, foram priorizados. Como resultado, o texto constitui um balanço sobre o processo de construção do CP no país.
A Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia vai promover a primeira semana de políticas públicas em 2020. O evento será coordenado pela professora Luiza Teixeira e pelo professor Antônio Sérgio Fernandes.
O início se dará no dia 26 de Outubro (segunda-feira) e o seu termino no dia 29 (quinta-feira).
Sessão 1 – 26/10/2020 (1º. Dia – 17:00-18:00) – Abertura Sessão 2 – 26/10/2020 (1º. Dia – 18:00-20:00) – “As eleições Municipais nas Capitais e Grandes Cidades: Qual Impacto na Eleição de 2022?”
Sessão 3 – 27/10/2020 (2º. Dia – primeiro horário 10:00-12:00) – “O burocrata de nível de rua no Brasil em tempos de políticas públicas disruptivas e de COVID-19: “Qual a perspectiva pós-pandemia para o implementador de políticas públicas no front?” Sessão 4 – 27/10/2020 (2º. Dia – segundo horário 18:00-20:00) – “A Questão dos Gastos Públicos e do Orçamento Federal: O Teto de Gastos, os Gastos com COVID-19 e os Gastos Sociais Pós-Pandemia”
Sessão 5 – 28/10/2020 (3º. Dia – primeiro horário 16:00-18:00) – “Políticas Sociais no Contexto Político Disruptivo e a Perspectiva Pós Pandemia” Sessão 6 – 28/10/2020 (3º. Dia – segundo horário 18:00-20:00) – “A Administração Política no Contexto Político Disruptivo e da COVID-19 e os Efeitos Pós-Pandemia”
Sessão 7 – 29/10/2020 (4º. Dia – primeiro horário 10:00-12:00) – “Cooperação Inter-federativa no Brasil e em perspectiva comparada: o que esperar na pós-pandemia” Sessão 8 – 29/10/2020 (4º. Dia – segundo horário 16:00-18:00) – “Capacidades Estatais Municipais e a Pós-Pandemia” Sessão 9 – 29/10/2020 (4º. Dia – terceiro horário 18:00-18:30) – “Encerramento”
Por Anna Clara Leite Pestana, Fabiano Domingos Bernardo e Renato Costa*
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública deve ser exercida pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, órgãos técnicos especializados, com autonomia orçamentária, administrativa e financeira e independência funcional em relação aos três Poderes da República. Dessa forma, fica a cargo do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, das Câmaras de Vereadores e do Sistema de Tribunais de Contas brasileiro, formado por 32 (trinta e dois) órgãos colegiados no país, o controle externo – de despesas e de receitas – do Estado e demais recursos a ele vinculados, mesmo que delegados a terceiros.
Embora com suas atribuições bem definidas no ordenamento jurídico brasileiro, as Cortes de Contas ainda são estruturas pouco conhecidas da República e têm sido questionadas por diversos setores da sociedade. Dentre os questionamentos, destaca-se a baixíssima abertura desses órgãos à participação dos cidadãos no planejamento e no exercício de suas atividades, fragilidade ainda mais evidente durante a pandemia da Covid-19.
Em vista disso, os Tribunais de Contas devem buscar novas formas de atuação, fundadas na comunicação e na articulação com o cidadão e demais atores que compõem a esfera pública, com vistas a proporcionar o exercício de um controle que, para além do caráter punitivo, privilegie a colaboração para o pleno e célere atendimento das demandas sociais.
Essa atuação conjunta entre o cidadão (usuário do serviço público), agentes privados e o poder público é denominada coprodução. A coprodução de bens e serviços públicos baseia-se em um engajamento mútuo e ativo entre governantes e cidadãos, individualmente ou por meio de organizações associativas ou econômicas, organizadas em parcerias ou redes, e com compartilhamento de responsabilidades e poder (SALM, 2014, p. 42). A coprodução tende a contribuir tanto para reduzir custos, gerar eficiência econômica na produção de bens e serviços públicos e permitir atendimento a diversos tipos de necessidades, dificilmente passíveis de serem contemplados por estratégias mais centralizadas ou orquestradas (perspectiva econômica), como para gerar participação cidadã, emancipação política, aprendizagem social e desenvolvimento das múltiplas capacidades humanas (perspectiva política) (SCHOMMER et al., 2011).
A coprodução é uma forma de gerar sinergia a partir da atuação do poder público com o engajamento cidadão (OSTROM, 1996). Essa sinergia pode ser um estímulo para impulsionar a atuação do sistema de controle externo brasileiro, num contexto em que sinergia é considerada a ação coletiva de diversos agentes que buscam obter um desempenho melhor do que aquele demonstrado isoladamente.
Com relação à motivação do cidadão, a coprodução tem como fundamento a ideia de que o ser humano se realiza plenamente quando desenvolve suas múltiplas naturezas. Guerreiro Ramos (1989), quando tratava da multidimensionalidade do ser humano, observava que o cidadão sente a necessidade de participar da vida pública, fazer parte da sociedade, fazer valer o seu caráter político, algo favorecido em contextos democráticos.
Nesse contexto, a abertura dos Tribunais de Contas aos cidadãos, aos agentes públicos e à iniciativa privada é capaz de trazer ganhos a todos os envolvidos. De início, mencione-se que a efetiva colaboração entre esses atores possibilitaria a coprodução de soluções para os desafios enfrentados pelos gestores públicos, resultando no fortalecimento do papel orientador, pedagógico e preventivo das Cortes de Contas, em mais segurança ao administrador público na tomada de decisão e no aprimoramento da prestação dos serviços à sociedade. Além disso, quando do exercício da função fiscalizadora, os Tribunais de Contas teriam o auxílio do cidadão, que, por estar mais próximo da prestação do serviço público, é capaz de identificar de imediato falhas ou irregularidades que demandariam uma atuação coercitiva.
Na busca de uma atuação mais efetiva, envolvendo o cidadão no controle público, alguns Tribunais de Contas têm fomentado iniciativas em que se podem perceber elementos de coprodução. Exemplo disso foi a Auditoria Operacional do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC) – processo n. RLA-15/00519054 – que visou analisar os investimentos em educação do Município de Anita Garibaldi: educação infantil e ensino fundamental, que além dos procedimentos legais e rotineiros da fiscalização em questão, realizou Audiência Pública em Anita Garibaldi com a participação de 164 munícipes (professores, pais de alunos, alunos, servidores, outros integrantes da comunidade e autoridades locais), debatendo a infraestrutura, transporte escolar, merenda escolar, valorização dos profissionais do magistério e gestão democrática da educação municipal.
Elementos que favorecem a coprodução também podem ser observados no Acordo de Cooperação Técnica nº 007/2019, relacionado ao projeto “TCE Educação” do TCE/SC, com o desenvolvimento de painéis eletrônicos de acompanhamento da execução dos planos estadual e municipais de educação a partir de uma base comum de dados para fins de gestão, controle e incentivo ao controle social. Participam do referido acordo, além da Corte de Contas catarinense, o Ministério Público estadual (MPSC), o Ministério Público de Contas (MPC/SC), a Assembleia Legislativa (Alesc), o Governo do Estado por meio da Secretaria da Educação, a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), a Federação Catarinense dos Municípios (Fecam), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de Santa Catarina (Undime/SC), o Conselho Estadual de Educação (CEE/SC) e a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação em Santa Catarina (Uncme/SC).
Ainda, cita-se o projeto “TCE/SC na Escola”, um concurso de redação/crônica, em parceria com a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED/SC), aberto, desde 2010, aos estudantes do ensino médio da rede pública estadual, para aproximar os participantes à missão do TCE/SC.
Elementos de coprodução também podem ser observados na participação do TCE/SC em um projeto envolvendo o Fundo para Infância e Adolescência (FIA), denominado “Campanha Unificada FIA”, no qual diversos atores da sociedade civil e do setor público se uniram com o objetivo de impulsionar a captação de recursos para o fundo e de promover a concentração de esforços na execução da política pública voltada para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. A sinergia resultante da participação entre cidadãos e poder público neste projeto proporcionou: aumentos consideráveis no volume de recursos captados de doações de pessoas físicas e jurídicas; alterações normativas para melhor operacionalização do fundo; e maior atenção dos gestores estaduais e municipais nos benefícios que a gestão proativa do FIA pode proporcionar para a sociedade.
Outro exemplo, dessa vez no Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), consiste na promoção do envolvimento da sociedade no Programa Anual de Fiscalização (PAF). No planejamento para o exercício de 2019 e 2020, por intermédio de aplicação de questionários com cidadãos e observatórios sociais, o TCE/PR buscou captar as prioridades, demandas e expectativas sociais por fiscalização para embasar o controle externo e trazer resultados mais efetivos aos cidadãos paranaenses. As respostas foram consideradas conjuntamente com as avaliações dos técnicos do TCE/PR, permitindo elaborar um ranking de prioridades com base em vozes internas e externas ao órgão.
Por fim, cita-se o projeto “Rodas de Cidadania”, promovido pela Ouvidoria do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE/AM), desde 2019, por meio do qual são realizadas audiências públicas em municípios do Estado com vistas a informar os cidadãos sobre os canais de comunicação da ouvidoria e escutar as demandas da população, as quais, após análise da área técnica da Corte de Contas, são encaminhadas ao poder público para providências. Ao incentivar o papel proativo da ouvidoria, o programa teve o mérito de aproximar o Tribunal de Contas de uma parcela da população que, em geral, desconhece a atuação do órgão e, por falta de acesso à internet, não teria possibilidade de efetuar comunicações à ouvidoria.
Portanto, não é raro se deparar com esses ilustres desconhecidos denominados Tribunais de Contas abrindo suas portas à sociedade, por meio de capacitações, intercâmbios culturais, mídias virtuais e eventos dos mais diversos. Entretanto, verifica-se ainda incipiente a participação do cidadão no dia a dia das atividades dos Tribunais de Contas com discretos movimentos em prol da cidadania ativa.
Não há dúvidas, como guardiões do patrimônio público e defensores do interesse comum, as Cortes de Contas precisam avançar tornando-se órgãos de controle convidativos ao engajamento cidadão no planejamento e na execução de suas atividades. Além de suas portas abertas, há necessidade de tornar os usuários dos serviços públicos parte do controle e propiciar a participação na discussão dos rumos e de eventuais correções necessárias das políticas públicas.
*Texto elaborado por Anna Clara Leite Pestana, Fabiano Domingos Bernardo e Renato Costa, auditores fiscais de controle externo do TCE/SC e alunos especiais na disciplina Coprodução do Bem Público, ministrada pela professora Paula Chies Schommer e pela doutoranda Camila Pagani, no primeiro semestre de 2020, no Programa de Pós-Graduação em Administração do Centro de Ciências da Administração (Esag) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
AMAZONAS. Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Rodas de Cidadania. Disponível em <https://ouvidoria.tce.am.gov.br/?page_id=1714>. Acesso em: 06 ago. 2020.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 ago. 2020.
RAMOS, A. G. A Nova Ciência das Organizações:uma reconceitualização da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989.
ROCHA, Diones Gomes da; ZUCCOLOTTO, Robson. TEIXEIRA, Marco Antonio Carvalho. Insulados e não democráticos: a (im)possibilidade do exercício da social accountability nos Tribunais de Contas brasileiros. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 2, p. 201–219, 2020. Disponível em <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122020000200201>. Acesso em 30 jul. 2020.
SALM, José Francisco. Coprodução de Bens e Serviços Públicos. In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014. P. 42-44. Disponível em: <http://issuu.com/carlosvilmar/docs/e-book_dicionario_de_verbetes/46>. Acesso em: 06 ago. 2020.
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SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Comunidade de Anita Garibaldi participa de audiência pública do TCE/SC sobre a qualidade da educação no município. Disponível em: < http://www.tce.sc.gov.br/acom-icon-intranet-ouvidoria/noticia/24193/comunidade-de-anita-garibaldi-participa-de-audi%C3%AAncia>. Acesso em: 06 ago. 2020.
______. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Concurso estadual de redação: projeto “TCE/SC na Escola”. Disponível em: < http://servicos.tce.sc.gov.br/concurso/index.php>. Acesso em: 06 ago. 2020.
______. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Entidades assinam acordo de uso de base de dados comum para avaliar planos estadual e municipais de educação. Disponível em: <http://www.tce.sc.gov.br/intranet-acom-icon/noticia/49956/entidades-assinam-acordo-de-uso-de-base-de-dados-comum-para-avaliar>. Acesso em: 06 ago. 2020.
OSTROM, Elinor. Crossing the great divide: coproduction, synergy and development. World Development, Vol. 24, No. 6, pp. 1073-1087.1996.
SCHOMMER, Paula C; ANDION, Carolina M.; PINHEIRO, Daniel M.; SPANIOL, Enio L.; SERAFIM, Mauricio. Coprodução e inovação social na esfera pública em debate no campo da gestão social. In: SCHOMMER, Paula Chies; BOULLOSA, Rosana de Freitas (orgs.). Gestão social como caminho para a redefinição da esfera pública. Florianópolis: UDESC Editora, 2011 (pgs. 31-70).
*Por Artur Prandin, Antonio Felipe, Fernanda Carli e Flávia Antunes
A colaboração é uma atitude comum ao ser humano e, em especial, ao povo brasileiro que, em maior ou menor grau, lança mão dessa maneira de agir e de se relacionar na sua vida em sociedade. O momento atual, em razão da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus – COVID 19, reaviva a importância da cooperação como um caminho de sobrevivência. Assim, diferentes iniciativas desenvolvidas no Brasil têm evidenciado as parcerias como um mecanismo para enfrentamento dos problemas públicos, demonstrando a importância de modelos de gestão colaborativos para as questões da coletividade.
Os hospitais de campanha, construídos para o enfrentamento da pandemia, são um exemplo disso. No Brasil, os serviços de saúde são prestados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), de caráter público, e da rede privada, que abrange os planos de saúde e os demais atendimentos particulares. No contexto da pandemia, constatou-se que a estrutura existente não seria capaz de dar vazão à demanda por atendimentos de relativa complexidade, no que envolve atendimento médico e a disponibilidade de UTI.
De acordo com o levantamento da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), com dados apurados até 24 de abril de 2020, a rede privada possuia 4,9 unidades para cada 10 mil habitantes, o SUS possui apenas 1,4 unidades de UTI para o mesmo montante.
Sabedores da crise enfrentada e dos seus impactos, alguns atores da iniciativa privada resolveram financiar a construção de hospitais de campanha e oferecer estruturas prontas para atendimento assistencial, além de doar ou emprestar equipamentos para leitos de terapia intensiva e de contribuir para aumentar a capacidade de testes para Covid-19.
Tais ações buscam desafogar o sistema de saúde como um todo e ampliar a capacidade de cuidado dos pacientes infectados pelo novo vírus no país, o que ilustra um caso de governança colaborativa que envolve a parceria público-privado, no sentido das “colaborarquias”, na expressão cunhada pelo pesquisador Robert Agranof (2007).
No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a empresa privada Rede D’Or financiou o Hospital de Campanha Lagoa-Barra, arcando com R$ 25 milhões, junto com demais parceiros privados, como Bradesco Seguros, Lojas Americanas, Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) e Banco Safra que, contribuíram com o montante total de R$ 20 milhões, dividido em partes iguais. Destaca-se que o hospital de campanha foi feito para atender os pacientes do SUS, vítimas da Covid-19, e foi montado em um terreno do Governo do Estado, o que revela a relação público-privada que se estabeleceu para combater a pandemia.
Outra ilustração de colaboração é o aumento do volume de doações privadas para fins públicos. Conforme o Brasil Giving de 2020, um levantamento feito pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, observou-se que 78% dos entrevistados, de maneira privada, realizaram alguma atividade beneficente no ano passado (2019), seja doação em dinheiro ou por meio de voluntariado. Espera-se que este percentual aumente, pois a situação pandêmica estimulou, ao que tudo indica, esta prática também no âmbito das pessoas jurídicas (PJ). Segundo levantamento da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, ABCR, até meados de julho foram doados aproximadamente R$ 6 bilhões para ações de combate à pandemia, quase a totalidade advindos de PJ, organizados em milhares de campanhas diversas.
Esta situação ilustra o termo coprovisão, utilizado por James Ferris (1984) para designar uma contribuição de recursos por ente privado para expandir os serviços públicos. Desenho este de participação do setor privado na área pública que, para autores como Robert Whelan e Robert Dupont (1986), implica risco de captura da instituição pública por grupos de interesse, o que requer cuidado.
Ambos os casos nos permitem reflexões sobre a solidariedade e a generosidade humana, que dialogam com as diferentes motivações para a coprodução de bens e serviços públicos, abordadas por diversos pesquisadores do tema, entre eles John Alford (2002).
Sob o viés das relações organizacionais e suas implicações nos serviços públicos, a situação suscita algumas questões: o incremento de ajuda ao próximo feito durante a pandemia, conforme valores informados acima, se tornará algo permanente para os vindouros como causa social?
A continuidade e articulação com outras ações é fundamental para que a doação seja, uma ferramenta de desenvolvimento social. Neste sentido, a visão de Marcia Kalvon Woods, presidente do conselho da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) e membro do comitê gestor do Movimento pela Cultura de Doação, de que “o Brasil só vai se desenvolver se olhar para o outro. É fundamental manter a população sensibilizada em relação às demandas que vêm ocorrendo, percebendo a diferença que pode fazer” são didáticas em relação ao assunto.
De outro lado, nota-se uma ausência de demonstração dos critérios de seleção das campanhas de doação, do material a ser entregue e do público-alvo e uma ausência de feedback dos executores da campanha para quem doou seus recursos. É raro nas páginas das campanhas de doação, a apresentação da entrega dos recursos às pessoas/instituições determinadas, tampouco uma breve análise sobre como a doação feita irá impactar a vida daquelas pessoas e do local.
Portanto, ainda que os processos participativos e democráticos continuem sendo uma grande aposta para enfrentamento dessa crise e que eles sejam apresentados como uma solução para os problemas públicos de natureza complexa, os casos citados ratificam a necessidade de se incrementar as questões de governança e coprodução do bem público – aqui entendido coprodução como a participação do usuário no processo de produção do bem/serviço público – com o senso que diz respeito à transparência nos critérios de escolha e ao resultado alcançado com as campanhas de doação.
A condição provocada pela pandemia torna oportuna a reflexão sobre as mudanças em curso nos relacionamentos cooperativos entre os diversos atores, desde usuários, profissionais e governo. O objetivo dessas parcerias é desenvolver mecanismos que ajudem a organizar a gestão pública em prol do interesse da coletividade.
Referências:
FERRIS, James M. Coprovision: Citizen Time and Money Donations in Public Service Provision. Public Administration Review, 44, 324-333. 1984.
WHELAN, Robert; DUPONT, Robert. Some Political Costs of Coprovision: The Case of the New Orleans Zoo. Public Productivity Review, 10(2), 69-75. 1986.
ALFORD, J. Why do public-sector clients coproduce? Toward a contingency theory. Administration & Society, v. 34, n. 1, p. 32-56, 2002.
* Texto elaborado pelos acadêmicos no âmbito da disciplina de Coprodução do Bem Público, da Pós-Graduação em Administração da UDESC/ESAG, ministrada pela professora Paula Chies Schommer e pela doutoranda Camila Pagani, no primeiro semestre de 2020.
Por Érica Stuart de Abreu, Helena Regina Martins da Silveira e Carolina Barros de Lima*
Marketing pode ser entendido como um conjunto de ações voltadas para promover uma marca, produto ou comportamento, tornando-os conhecidos pelo público que se almeja alcançar, aumentando, assim, seu poder de difusão ou venda (Castro, 2018). Já o marketing social é uma vertente do marketing voltada para o impacto social (Vaz, 2003).
O marketing social tem como objetivo contribuir para atenuar ou eliminar problemas, carências da sociedade relacionadas com questões de higiene, saúde pública, trabalho, educação, habitação, transporte e nutrição. Tem potencial para auxiliar em causas sociais e levar os cidadãos a mudanças de comportamento, substituindo velhos hábitos por novos comportamentos, melhorando a qualidade de vida das pessoas e do coletivo.
Para isso, utiliza-se de técnicas e ferramentas do próprio marketing, buscando obter mudanças de comportamento em certo público, visando beneficiar a sociedade e o interesse público. Os programas de marketing social podem atuar em três níveis: Conscientização, Mobilização e Sustentação, buscando desta forma atingir pessoas cujo comportamento precisa ser alterado.
Uma dificuldade enfrentada pelo marketing social é a resistência à mudança, uma vez que ao tentar mudar o comportamento de alguém, além de possíveis inseguranças, também haverá resistência à mudança por parte do sujeito. Quando se promove algo que não contrapõe as ideias ou ações de um indivíduo, socialmente ou ideologicamente, a aceitação tende a ser mais acessível.
Um exemplo do uso do marketing social é o incentivo à doação de sangue pelo Hemosc. A missão dessa instituição é disponibilizar à população, através da Hemorrede Pública, acesso ao atendimento Hemoterápico e Hematológico de Qualidade. Para atingir seu objetivo, utiliza de campanhas motivacionais diretas, para conscientizar sobre a necessidade das doações de sangue, de modo a mobilizar os cidadãos a uma ação.
Essas ações do Hemosc, usando instrumentos de marketing social, também podem ser compreendidas como práticas de nudges, o nudge thinking, ou ciência comportamental (Eggers et. al, 2020), que vem sendo utilizado por organizações e governos em diversos países. Traduzido do inglês como um “empurrãozinho” no pensamento, é o uso da arquitetura de escolha e de outras técnicas para tentar influenciar o pensamento e a ação das pessoas.
Na atualidade, porém, em meio a tantas informações maquiadas ou fake news, podemos notar que ferramentas do marketing social ou nudges, embora idealmente voltadas para o interesse público,podem ser usadas para incentivar comportamentos negativos ou questionáveis.
Com a tecnologia, as notícias falsas ampliaram seu alcance e passaram a fazer parte do dia a dia das pessoas. Dessa forma, o que poderíamos chamar de “marketing social negativo” pode alcançar grande repercussão e confundir as pessoas sobre o que é o melhor a ser feito para si e para o coletivo. Podemos exemplificar com a situação atual do mundo, a pandemia do novo Coronavírus.
No Brasil, muitas notícias falsas ou contraditórias sobre a Covid-19 são repassadas, junto com informações incompletas, ou meias verdades. O resultado é a confusão de muitos cidadãos, que não sabem em que acreditar. Em vez de utilizar o marketing social para conscientizar, educar e passar informações coerentes sobre o vírus e a doença, seu uso gera confusão, espalhando desconfiança e falta de credibilidade e tornando as ações de prevenção e cuidado menos eficazes e eficientes.
O exemplo da pandemia mostra que o marketing social e o uso de nudges pode se fortalecer na medida que estejam associados à transparência e à qualidade das informações e à accountability, que remete à prestação de contas e à responsabilização por atos e omissões. Uma vez que haja transparência e accountability nos dados disponibilizados pelos governos durante a pandemia do Covid-19, podemos saber, por exemplo, se ações de marketing social obtiveram êxito ou falharam, tanto nos meios quanto em relação aos fins. A diminuição ou o aumento do número de novos casos e óbitos podem ser indicadores de que as ações foram eficazes ou não.
*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Érica Stuart de Abreu, Helena Regina Martins da Silveira e Carolina Lima de Barros, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.
Referências
CASTRO, Ivan Nunes de. Quais são os objetivos do marketing? Descubra cada um e as principais estratégias para alcançá-los. Disponível em: < https://bit.ly/3mBtwvD >. Acesso em: 30 de ago. 2020.
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G1. Coronavírus: Constituição diz que é dever do Estado evitar doenças — esse dever foi cumprido? Disponível em: https://glo.bo/35UvqRW. Acesso em: 28 ago. 2020.
VAZ, Gil Nuno. Marketing Social e Comunitário. Marketing Institucional. São Paulo: Ed. Thomson Learning Edições, 2003. p. 280-298.
O Brasil é um país no qual a política sempre foi associada a um ambiente masculino. Tanto é que o voto feminino só foi permitido em 1932, quando o governo de Getúlio Vargas criou o Código Eleitoral Provisório, o primeiro código eleitoral que tivemos. Contudo, o voto era facultativo e poderiam votar somente mulheres viúvas e solteiras que tivessem renda própria e mulheres casadas com a permissão do marido. Em 1934, com a promulgação da nova Carta Magna, o direito ao voto passou a ser um dever, independente do gênero. Essas conquistas são frutos do movimento sufragista que buscava o direito ao voto feminino, o direito de se candidatar e de ser eleita.
Com o movimento feminino mais presente e forte, de lá para cá, foram criadas leis de ações afirmativas para incentivar e proporcionar mais espaço para as mulheres ocuparem cargos políticos. As leis para cotas de gênero nas candidaturas para as eleições proporcionais de todo o país tornaram-se as mais significativas até o momento. O quadro 1, a seguir, apresenta a evolução de leis de cotas de gênero no Brasil.
Quadro 1 – Leis referentes a cotas de gênero no Brasil
Fonte: Elaborado pelas autoras.
A Lei nº 9.100, de 1995, garantiu 20% dessa cota de gênero, sendo que dois anos depois, com a Leinº 9.504, de 1997, a cota passou para 30%. Esta cota garantia que a lista de cada partido ou coligação incluísse pelo menos 30% por candidaturas de cada sexo nas eleições estaduais e federais. Contudo, a lei de 1997 também possibilitou o aumento de 30% do número total de vagas para candidaturas, permitindo que os partidos lançassem candidatos em até 150% do total de vagas. Outra mudança ocorreu no ano de 2009, com a Lei nº 12.034, a qual institui em seu artigo 10, § 3°, que “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.
No ano de 2017, houve nova alteração, a Emenda Constitucional nº 97 vedou as coligações nas eleições proporcionais e isso afeta diretamente a cota de gênero. Agora, nas eleições de 2020, cada partido deve preencher o mínimo de 30% da cota, proporcionando assim a presença de mais mulheres na disputa política. Além das cotas de gênero, foi definida a reserva de no mínimo 30% do fundo eleitoral para o financiamento das campanhas das candidatas, a qual foi aprovada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.617/2018.
Dois pontos nesta “evolução” das leis para cotas de gênero merecem destaque. Diante das novas regras, inicialmente os partidos e coligações aumentaram o número de candidatos masculinos nas disputas eleitorais, isto é, preenchiam a porcentagem necessária de candidatas aumentando o número total de candidatos. Somente com a Lei nº 12.034, em 2009, isso não foi mais possível. Outro ponto a destacar é que as cotas de gênero não são destinadas somente para mulheres. A cota foi sim criada com esse intuito, mas a cota representa a porcentagem de candidaturas por sexos.
Você já parou para analisar que sempre associamos a porcentagem a candidaturas femininas? Isso porque, de fato, as mulheres sempre foram minoria na política.
Para se ter uma ideia disso, vale conferir a Tabela 1, a seguir, elaborada pela Câmara dos Deputados, mostrando o número de mulheres eleitas para cargos políticos no Brasil até o ano de 2010.
O Brasil, mesmo após anos da criação de cotas para gênero das eleições, se encontra na posição 141ª, em um total de 193 países, no ranking da União Interparlamentar (IPU) que mede o percentual de mulheres nos parlamentos nacionais. Nesse ranking, de 2019, alguns países da América Latina aparecem entre os 50 primeiros, como:
– Bolívia (3º): em 2010, implementou a cota de 50% das candidaturas partidárias serem destinadas para mulheres e isso aumentou em 53% o número de mulheres deputadas e 47% de senadoras no país.
– Costa Rica (12º): em 1994, adotou a cota de 40% para candidaturas femininas nos partidos políticos. As mulheres eram apenas 12% das cadeiras na Assembleia Legislativa, hoje são 46%.
– Argentina (19º): em 1991, determinou o mínimo de 30% de candidaturas femininas nos partidos. A representatividade na Câmara dos Deputados aumentou de 5% para 41%. No Senado, a porcentagem de mulheres foi de 3% para 40%.
Dentro do cenário brasileiro, retomamos a pergunta central: as cotas de gênero nas eleições do Brasil funcionam?
A lei é positiva e proporcionou resultados significativos para o aumento na representação feminina nas eleições, mas ainda falta que isso se verifique nos resultados eleitorais. Importante dizer que os países citados, semelhantes ao Brasil, conseguiram alcançar resultados melhores quanto à participação feminina na política. Além das leis, há que se considerar como os partidos políticos tratam a questão, o desenho do sistema eleitoral e aspectos culturais, como o patriarcado e o machismo.
Para saber como essas questões estão presentes no dia a dia das mulheres candidatas, conversamos, em agosto de 2020, com duas então pré-candidatas a vereadora no estado de Santa Catarina: Mônica Duarte, de Florianópolis, e Giovana Mondardo, de Criciúma, que falaram um pouco sobre a realidade de ser candidata em nosso país. Clique na imagem para assistir o vídeo.
Considerações
Percebe-se que a representação política é marcada por desigualdades de gênero, os homens detêm o monopólio político em um país onde as mulheres representam 52% da população. Podemos dizer que a reduzida participação de mulheres, assim como de diferentes etnias, idades e condições sociais, expressa uma fragilidade da democracia, que não representa a diversidade de perfis e de ideias que estão presentes no conjunto da população.
As mulheres enfrentam muitas limitações que as afastam na ocupação dos espaços de poder, como a violência política de gênero. E não se trata apenas do machismo, como podemos observar no vídeo com as pré-candidatas a vereadoras, também existe a falta de apoio e preparo dos partidos políticos, além da tentativa de burlar a lei de cotas de gênero na utilização de candidatas laranjas. Os partidos políticos, que são peças chaves na accountability do processo eleitoral, muitas vezes criam entraves para a participação das mulheres na política, e assim fragilizam o sistema de accountability democrático como um todo. Para evitar o enfraquecimento desse sistema, é importante a participação da sociedade no processo, cobrando transparência no preenchimento das cotas de gênero, no financiamento das campanhas e, também, demandando dos órgãos de controle a responsabilização de partidos que infringem as leis. Esses são alguns dos passos para a articulação da inclusão feminina e da diversidade nos espaços de poder.
Além disso, precisamos de mais mulheres e homens eleitos compromissados com a equidade de gênero, que lutem para construção de uma sociedade para todos e contribuam para uma política representativa.
“Não é suficiente que haja muitas mulheres, mais mulheres ou mesmo número de mulheres, se a maioria delas ainda obedecer aos patriarcas e repetir a linha sem questionar o porquê. Precisamos de uma reforma intelectual e moral” – fala da cientista política e ex-deputada da Bolívia, Jimena Costa.
*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Camila Rizzatto e Géssina Zaniboni, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountabilily, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.
BRASIL. Lei n° 9.100, de 29 de setembro de 1995. Estabelece normas para realização das eleições municipais de 3 de outubro de 1996, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9100.htm. Acesso em: 9 ago. de 2020.
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