Lei Rouanet: a nova “Bruxa do Guarujá”?

Por Marcelo Cogo*

A Lei Rouanet é um instrumento de incentivo à cultura no país, sendo ferramenta essencial na garantia do pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, conforme art. 215 da Constituição Federal. Contudo, a imagem da Lei Rouanet tem sido afetada por notícias sensacionalistas e as famosas “fake news”. As polêmicas que rondam a legislação são facilmente encontradas em sites de pesquisas, em manchetes que explicitam escândalos e chegam a apelidá-la de “roubanet”. Como a bruxa do Guarujá[1], a Lei Rouanet estaria sendo difamada inocentemente?

A Lei nº 8.313, de 1991, é popularmente conhecida como Lei Rouanet, nome este que lhe foi atribuído em homenagem ao seu criador, o então

[1] A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi morta após ter sido espancada por diversos moradores do bairro Guarujá, em São Paulo, após um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para realizar rituais de magia negra.

Ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet. Sancionada durante o governo de Fernando Collor de Mello, em momento de conturbadas reformas políticas, a lei tinha como propósito a redução do aparato estatal. Para isto, idealizou-se um mecanismo de participação da iniciativa privada no financiamento de recursos culturais.

A Lei Rouanet é pautada em três mecanismos: Fundo Nacional da Cultura (FNC), Fundos de Investimento Cultural e artístico (Ficart) e o mecenato. É este último o mais representativo e conhecido, que costuma ser alvo de questionamentos e difamações. O mecenato consiste em uma forma de captação de recursos privados para o financiamento de projetos no âmbito da cultura e funciona da seguinte maneira: determinado proponente apresenta projeto ao Ministério da Cultura, o Ministério por sua vez, avalia o projeto em conformidade com os ditames da lei; sendo o projeto aprovado, o proponente deverá buscar apoio junto a pessoas físicas e jurídicas, que poderão deduzir de seus impostos o aporte concedido ao projeto.

As polêmicas diante do mecenato giram em torno dos projetos aprovados como DVD do MC Guimê, no valor de R$ 516.550,00, Blog de poesias de Maria Bethânia, no valor de R$ 1.350.000,00, Turnê do Luan Santana, no valor de R$ 4.100.000,00, Turnê Cirque du Soleil, no valor de R$ 9.400.450,00, dentre outros valores astronômicos aprovados para a realização de eventos de artistas e eventos já consagrados.

Eis que chegamos ao ponto crítico. Quando a pessoa física ou jurídica aceita conceder parte de seus impostos para financiar um projeto cultural, é importante perceber que o valor concedido refere-se a um recurso público, do qual o Estado renuncia em prol da cultura. Contudo, quem escolhe a quem financiar é a própria iniciativa privada. É uma política com viés liberal, na qual se concede ao particular o poder da escolha do quê financiar, mas ao mesmo tempo, é o Estado quem arca com os custos do projeto e do próprio marketing que será aproveitado pelos financiadores.

A lei não explicita nenhum tipo de limitação quanto ao que deve ser financiado ou, ainda, a verificação de projetos que detenham potencial lucrativo e por isso não necessitariam ser objeto de financiamento público. Esse é o entendimento do Tribunal de Contas da União, ao analisar a aprovação de renúncia em relação ao Rock in Rio 2011: “projetos que apresentem forte potencial lucrativo, bem como capacidade de atrair suficientes investimentos privados independentemente dos incentivos fiscais”, ou seja, são autofinanciáveis, não sendo necessário a utilização de mecanismos de incentivo público, como a Lei Rouanet.

Deve-se considerar, porém, que apesar das distorções apresentadas, medidas regulatórias podem ser realizadas com o objetivo de aprimorar a ferramenta de mecenato. Esta, apesar das inconsistências, juntamente com as demais ferramentas que compõem a Lei Rouanet, são os pilares que atualmente mantém viva as aspirações da cultura brasileira, já que, os valores absorvidos por meio da lei se aproximam ou até ultrapassam o valor orçamentário da “função” cultura.

Assim sendo, deve-se reconhecer a importância que a lei representa para a cultura brasileira, não julgando erroneamente e sacrificando um instrumento a partir da opinião midiática, mas buscando conhecer o mecanismo e entender que processos regulamentares são suficientes para sanar distorções e tornar a política legitima e efetiva. Assim, não haverá linchamentos que levam à morte, equivocadamente, inocentes que apenas foram difamados, mas que são de boa fé, como a Bruxa do Guarujá e a própria Lei Rouanet.

Caso os leitores queiram mais informações ou dados efetivos dos projetos no âmbito da cultura, recomenda-se o site http://www.versalic.cultura.gov.br.


[1] A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi morta após ter sido espancada por diversos moradores do bairro Guarujá, em São Paulo, após um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para realizar rituais de magia negra.

 

Para saber mais sobre o tema:

http://www.cultura.gov.br/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2016/05/lei-rouanet-pros-contras-e-a-certeza-de-que-precisa-mudar-5812001.html

https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/lei-rouanet-acertos-e-problemas-a7plazies5emx39nu46dt5wnd

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/29/cultura/1467151863_473583.html

http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_08.09.2016/art_215_.asp

https://tarabori.jusbrasil.com.br/artigos/295693224/lei-rouanet-um-meio-legalizado-de-desvio-de-verbas-publicas

http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2018/02/05/sa-leitao-lei-rouanet-e-extremamente-inteligente-e-bem-sucedida.html

*Texto elaborado por Marcelo Cogo, estudante de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.