Incentivos como promotores da coprodução: o caso do abastecimento de água da região metropolitana de São Paulo

Por Rogério Simões*
O processo de coprodução do bem público, segundo muitos estudiosos do assunto, deve ocorrer de forma voluntária por parte dos cidadãos, e não por imposição de obrigações, taxas ou multas. Os incentivos, em contraposição às punições, podem ser utilizados como uma forma de envolver os cidadãos em temas públicos, contribuindo para que estes coproduzam os serviços prestados por agentes governamentais. Jeffrey Brudney e Robert England (1983), pioneiros no estudo do tema, apontam que a coprodução requer uma combinação de atividades realizadas pelos produtores regulares de serviços públicos e usuários (cidadãos). Essas atividades são positivas (em vez de negativas), voluntárias (diferente das cumpridas por hábito ou temor de represálias) e ativas (e não passivas).

Um caso brasileiro interessante do emprego de incentivos para motivar a participação cidadã em assuntos públicos foi a crise hídrica pela qual o estado de São Paulo passou entre os anos de 2013 e 2015, que praticamente inviabilizou o abastecimento de água da região metropolitana da Capital.
Durante esse período, devido à grande escassez de chuvas na região e ao volume impressionante de mais de 70 m3/s necessários para o abastecimento de água nas cidades que formam a região metropolitana de São Paulo, o volume armazenado nos reservatórios ficou próximo a 10% de sua capacidade total. Isso exigiu que a companhia de abastecimento de água de São Paulo (SABESP) adotasse medidas de utilização dos volumes de reserva do Sistema Cantareira para viabilizar o abastecimento de água durante mais de um ano (dados disponíveis em Sabesp/mananciais).

Como alternativa para aumentar os níveis de seus reservatórios, não dependendo somente do aumento da pluviometria da região, no final de 2014, a SABESP criou um incentivo aos cidadãos usuários, que consistia em um abatimento percentual nas faturas de água e esgoto para aqueles que reduzissem o seu consumo de água tratada e, consequentemente, contribuíssem para uma redução na água retirada dos reservatórios.

Os consumidores não se restringiram a reduzir o consumo de água tratada, simplesmente como um dever cívico, uma consciência de coletividade e de cuidado com um recurso comum e limitado que todos devemos ter. Muitos deles implementaram em suas residências formas de coleta de água da chuva para que a mesma pudesse ser utilizada na lavagem de áreas externas das casas, para regar plantas, etc, além de serem fiscais do desperdício de água eventualmente realizado pelos seus vizinhos, na lavagem de carros e calçadas, ou mesmo de problemas estruturais, como vazamentos na rede de abastecimento. Desta forma, os usuários participaram do desenho e da implementação de alternativas para reduzir o desperdício de água, agindo de forma positiva, voluntária e ativa com relação ao problema. Com esta medida, o volume de água tratada reduziu para pouco mais de 50 m3/s no início de 2015 (uma redução de cerca de 30% na produção de água tratada no período de incentivo), o que auxiliou na recuperação progressiva dos níveis dos reservatórios geridos pela companhia.

Apesar desses incentivos terem sido retirados no segundo semestre de 2016, devido à normalização dos volumes armazenados nos reservatórios e, consequentemente, do aumento da produção de água tratada, que atualmente é cerca de 60 m3/s, a medida de incentivo promovida pela SABESP refletiu em uma economia atual de cerca de 15% no consumo de água tratada. Isso mostra que os incentivos foram uma boa forma de atrair a atenção dos cidadãos para a problemática do abastecimento de água da região, auxiliando na normalização da prestação dos serviços na época da crise hídrica e na posterior redução do consumo em períodos de abastecimento normal, o que contribuirá para atenuar futuras possíveis crises no abastecimento de água da região.
Referências

BRUDNEY, J. L.; ENGLAND, R. E. Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review. 43 (1), 59-65, 1983.

SABESP. Situação dos mananciais. Disponível em http://www2.sabesp.com.br/mananciais/DivulgacaoSiteSabesp.aspx

* Texto elaborado por Rogério Simões, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.