Eleições 2016: as eleições dos políticos que não são políticos?

* Por Lucas Felipe Petry e Silva


“A solução não é política, é técnica”. Esse é o mote de campanha de um candidato à prefeitura de uma capital brasileira. Seu discurso não é isolado, está presente na fala de inúmeros candidatos nessas eleições, um fenômeno que ecoa na política brasileira, potencializado pelos recentes escândalos de corrupção e por um quadro de instabilidade política acentuada. Esse fenômeno consiste na tentativa de muitos dos candidatos a cargos públicos de salientar a pouca experiência política como um fator positivo, adotando um discurso de postura estritamente técnica.
Observa-se, neste último caso, a reprodução de uma falácia constantemente incorporada ao senso comum, que reforça a dicotomia entre técnica e política, a falácia tecnocrática, segundo a qual: “Os técnicos teriam todas as respostas e, quanto mais protegidos da sociedade ou dos políticos, melhores resultados produziriam”[1].
No entanto, além de reproduzir a falácia tecnocrática e intensificar a dicotomia entre técnica e política, o fenômeno observado nessas eleições é ainda mais nocivo à democracia. Preconiza não apenas que os técnicos não fazem política, como também que os próprios políticos são capazes de não fazer política. O que se mostra paradoxal, à medida que candidatos a cargos políticos prometem, se eleitos, que não serão políticos. Ao afirmar que o governo não deve pautar suas ações em critérios políticos, e, sim, em critérios de ordem meramente técnica, há uma deslegitimação da política, fazendo com que esta seja vista como algo espúrio e que deve ser evitado.
Em entrevista ao Nexo Jornal[2], Marco Antônio Carvalho Teixeira afirma que o discurso de que “quem dá certo na política é alguém de fora” é, na realidade, “um discurso de negação da política”. “Política é arte da negociação e da inclusão do outro, não da negação”, disse o cientista político e professor da FGV, segundo o qual o aspecto mais paradoxal dessa ideia seria de que “se trata de um discurso antipolítico disputando um processo eminentemente político”. “É um discurso, como se costuma chamar, de ‘janela de oportunidade’, aproveitando o desgaste causado pela crise política”, aponta Teixeira.
Em última análise, a deslegitimação e a negação da política são fruto de uma sociedade desacreditada e de uma elite política pouca comprometida com a mudança desse quadro. A visão da política como algo ruim favorece a manutenção do status quo, na medida em que, se ser político implica, necessariamente, ser desonesto e desonrado, os espaços de atuação política não serão ocupados por quem é, por outro lado, honesto e honrado. É preciso, antes de mais nada, desconstruir essa concepção de política.
A política é a arte de conciliar interesses diversos e articulá-los em torno do interesse público, e não um espaço reservado para os membros mais vis de nossa sociedade. Nessas eleições não é preciso eleger bons técnicos – vistos, nesse sentido, como os burocratas que não são influenciados por fatores políticos, o que, como dito anteriormente, constitui-se de uma falácia tecnocrática. É preciso, sim, de cidadãos – eleitores e eleitos – que sejam capazes de atuar politicamente por meio da conciliação entre os ideais de eficiência e democracia. Ideais estes que são pressupostos para a compreensão e assimilação de uma accountability democrática e para a construção de um cenário político mais responsivo aos anseios sociais e mais responsável em relação a suas ações.
Referências
ABRUCIO, Fernando Luiz; LOUREIRO, Maria Rita. Finanças públicas, democracia e accountability. In. ARVATE, P.; BIDERMAN, C. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2004.

NEXO. Quais as causas e os efeitos da frase ‘não sou político, adotada por vários candidatos nesta eleição. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/09/19/Quais-as-causas-e-os-efeitos-da-frase-%E2%80%98n%C3%A3o-sou-pol%C3%ADtico%E2%80%99-adotada-por-v%C3%A1rios-candidatos-nesta-elei%C3%A7%C3%A3o. Acesso: 23 set. 2016.

* Lucas Felipe Petry e Silva é acadêmico de administração pública na Udesc Esag, acadêmico de direito na Univali e voluntário junto ao Observatório Social de São José.


[1]ABRUCIO e LOUREIRO, 2004, p. 4.
[2] NEXO. Quais as causas e os efeitos da frase ‘não sou político, adotada por vários candidatos nesta eleição. Disponível em: < https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/09/19/Quais-as-causas-e-os-efeitos-da-frase-%E2%80%98n%C3%A3o-sou-pol%C3%ADtico%E2%80%99-adotada-por-v%C3%A1rios-candidatos-nesta-elei%C3%A7%C3%A3o>. Acesso: 23 set. 2016.

2 comentários em “Eleições 2016: as eleições dos políticos que não são políticos?”

  1. Caro Lucas,
    Achei muito pertinente o texto “Eleições 2016: as eleições dos políticos que não são políticos” e importante a reflexão.
    Gostaria de acrescentar uma argumentação que na minha opinião permite compreender (mesmo que não concordar) as escolhas que alguns políticos fazem ao posicionar-se no pleito eleitoral, especialmente em candidaturas majoritárias.
    Pelas “regras do jogo” são privilegiadas alianças que em grande medida fogem a ideais programáticos, ou são privilegiadxs candidatxs que são mais conhecidxs (por já terem participado de outros pleitos, ou possuem/já possuíram mandatos no passado). Em um período curto de tempo, com pouca exposição e restrições financeiras, as campanhas têm dificuldade de apresentar um/a candidatx até então desconhecidx do grande público, oxalá conseguem alcançar também, para esse público, a função ‘educativa’ em relação a nuances dos discursos.
    Nessas condições, as mensagens precisam ser pontuais, identificar xs candidatxs e demonstrar suas diferenças, para uma maioria de eleitores que não estão dispostos a aprender, a refletir nuances. Àqueles dispostos a fazer essa reflexão, facilmente encontram nas falas dos candidatos (em debates, ou mesmo nas interações hoje facilitadas pelas mídias sociais) suas nuances, o modo de pensar e conseguem formar uma visão menos caricata para decidir seu voto e afirmar sua escolha junto aos demais eleitores quando assim acharem pertinente.
    Veja bem, não acredito que os políticos estejam necessariamente fazendo um mal à população quando marcam suas posições durante as campanhas, quando condensam na mensagem um estereótipo que facilita a identificação e a diferenciação. Acredito que estão fazendo um jogo cujas regras vêm sendo amadurecidas ao longo dos anos como vem amadurecendo nossa sociedade. É possível com pouco esforço esclarecer as nuances das mensagens quando se quer (e a maioria do eleitorado – que decide as eleições – ainda não quer. Temos que trabalhar, como sociedade, para mudar isso).
    É nossa responsabilidade como estudiosos, interessados, participantes mais ativos da política, questionar, esclarecer nuances e fazer críticas considerando a complexidade do contexto, sob pena de contribuirmos para formar opiniões medíocres sobre oportunidades para nossas cidades. Não acredito que ‘tom professoral’ e as ‘explicações meticulosas’ tenham sucessos em campanhas eleitorais para o grande público, em tempo reduzido de exposição. Pedir isso para os políticos, é pedir que abram mão de um dia estarem em condição de governar e ajudarem a sociedade a avançar. Mas acredito que os políticos devem estar preparados para responderem diretamente aos eleitores interessados quando confrontados com as minúcias de seus discursos. Se não estão, espero que não sejam jamais meus representantes.
    Um abraço e sigamos desenvolvendo nossas visões considerando complexidade e praticidade.

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