Por Clélia Kruschinski Müller, Andrei Colonetti, Natan Corazza e Leonardo Busnello Guimarães*
A Lei de Acesso à Informação, LAI – lei Nº 12.527/2011 – traz os direitos dos cidadãos quanto ao que eles têm acesso e o que eles podem pedir acesso por não estar disponível naquele momento – isto é, não está disponibilizado publicamente naquele momento, mas estará disponível caso requerido, no caso de seguir a legislação.
O processo de construção da LAI iniciou em 2003, com o objetivo de que houvesse a garantia de acesso ao conhecimento das ações e estruturas do governo, além dos resultados de ações e aplicação de recursos públicos. A Lei entrou em vigor no país em 2012, devendo ser cumprida pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em todos os níveis do governo – Federal, Estadual, Municipal e o Distrito Federal, bem como pelas entidades da administração indireta.
Outra lei importante relacionada à informação é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – lei Nº 13.709/2018. Ela foi sancionada em 2018, e entrará em vigor em agosto de 2020, regulamentando o uso de dados pessoais de clientes e usuários por parte de empresas públicas e privadas. Segundo Maurício Rotta, em entrevista no programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc, a Lei Geral de Proteção de Dados é uma lei de governança que estabelece papéis e responsabilidades para todos os atores relacionados aos dados (desde os detentores até os controladores dos dados), cada um dos atores com seus direitos – e deveres. As empresas que incluírem informações de seus clientes em suas bases devem passar a seguir os procedimentos definidos na lei.
Cabe então considerar: até que ponto as informações devem ser públicas, e até qual ponto devem ser privadas? Quando consideramos que a publicização de dados é, de fato, importante, é necessário considerar que dados pessoais podem se tornar disponíveis, e, com isso, podem ir contra a proteção de dados pessoais, mesmo que no momento isso não fique claro. Quais dados devem ser, de fato, públicos? E quais devem ser privados? Até que ponto os dados da administração pública – e dos cidadãos – devem ser publicizados, e em qual ponto devem ser protegidos? Como definir quais dados entram em uma seara, e quais em outra?
As tecnologias da informação e de sistemas facilitam a sistematização dos dados do governo, que por sua vez aumenta a transparência, ao possibilitar que cidadãos comuns e profissionais acessem os dados e os utilizem para realizar análises variadas e precisas sobre a ação dos governos. Por outro lado, informações pessoais de servidores públicos, por exemplo, também estão disponíveis, o que poderia causar inclusive problemas para sua segurança, no caso de pessoas agindo com má-fé. Além disso, outras informações podem se tornar perigosas caso sejam utilizadas de forma negativa, o que poderia causar problemas tanto para administração pública quanto para outras pessoas no geral. Por isso o questionamento de quais dados entram na seara de publicização e quais deveriam ser, de fato, privados – e quem deve decidir isso.
Com isso, trazemos a entrevista feita com Maurício Rotta, que é advogado com expertise nas áreas de Direito Digital e Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento, com ênfase em Governo Eletrônico, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Em conversa com ele no Programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc, tratou-se de diversas questões, especialmente voltando para a questão do acesso à informação versus proteção de dados.
O entrevistado comentou sobre a lei de acesso à informação assegurar o direito dos cidadãos de terem acesso à informações públicas ou solicitá-las quando não disponíveis naquele momento – para ele, a LAI foi pioneira em formar uma cultura de transparência no momento. Ele também comenta que a Lei de Proteção de Dados Pessoais não é contraditória com uma cultura de transparência – por mais que possamos imaginar que seja.
Ambas as leis necessitam de governança, e vale-se ressaltar que a LAI, conforme Maurício comenta, é de suma importância para a prestação de contas e até mesmo para se ter o controle da transparência, sendo assim, qualquer novo instrumento que venha a surgir nessa vertente servirá como complemento para dar mais segurança aos dados e fortalecer a confiança dos cidadãos como um todo.
“A consciência de que cada um de nós é detentor de direitos – e um deles é o direito de privacidade de suas informações pessoais”.
Maurício Rotta também comenta sobre as plataformas de tecnologias da informação e a importância destas para a transparência – através delas diversos países tornam mais fácil o acesso à informação, tornando mais fácil, de fato, a transparência.
Uma das questões que de fato permeou todo o debate, foi justamente sobre a relação entre transparência e a Lei de proteção de dados, e com isso, Maurício nos traz uma importante questão, a de cada ator conhecer, de fato, seus papéis e responsabilidades.
“Uma vez que conheço meus papéis e que sei quais são minhas responsabilidades eu sei que tipo de prestação de contas eu tenho que fazer, e a partir daí que a transparência passa a ser empregada […], que eu presto conta dos meus deveres.”
Inclusive, conforme o próprio convidado fala, as empresas precisam dizer quais são os dados coletados, para que estão sendo coletados, e precisam também se desfazer desses dados uma vez que forem utilizados – e, além disso, elas precisam fazer um inventário destes dados. Esse tipo de método e legislação já existe em diversos países, que seguem garantindo a proteção dos dados de seus cidadãos, e o Brasil iniciou seu caminho na mesma direção.
Portanto, a transparência entra justamente para que haja a publicização, também, de como os dados das pessoas são utilizados por empresas privadas, o que garante assim maior segurança tanto para a população, quanto para as empresas.
Então, para poupar muitas preocupações: uma lei deixa claro até aonde a outra pode ir, e ambas pretendem garantir que a publicização dos dados vá até onde deva ir, sem prejudicar ninguém – e sendo muito claras sobre o que estão fazendo com esses dados.
Enquanto a LAI garante que a população saiba o que a administração pública está fazendo, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais garante que a população não seja prejudicada através da utilização de dados pessoais – e, com isso, ninguém sai perdendo.
Ouça aqui a entrevista completa com Maurício Rotta no programa Nas Entrelinhas, da Rádio Udesc
REFERÊNCIAS
ANGÉLICO, F. Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático. Estúdio Editores: São Paulo, 2015.
BRASIL. E-SIC: Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão. Disponível em: <https://esic.cgu.gov.br/SISTEMA/SITE/INDEX.ASPX>. Acesso em: 16 nov. 2019.
MICHENER, Gregory; CONTRERAS, Evelyn; NISKIER, Irene. Da Opacidade à Transparência? Avaliando a lei de Acesso à Informação no Brasil Cinco Anos Depois. Revista de Administração Pública: Rio de Janeiro, v. 52, n. 4, p. 610-629, jul./ago. 2018.
ROTTA, Maurício José Ribeiro et al. Digital Commons and Citizen Coproduction in Smart Cities: Assessment of Brazilian Municipal E-Government Platforms. Energies: v. 12, n. 14, p. 2813, 2019.
ROTTA, Maurício. Linkedin: Maurício Rotta. Disponível em: < https://www.linkedin.com/in/mauriciorotta/>. Acesso em 16 nov. 2019.
SENADO FEDERAL. Transparência. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/transparencia>. Acesso em: 16 nov. 2019.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Serviço de Informação ao Cidadão – SIC. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sic/projects/ouvidoria/wiki/In%C3%ADcio>. Acesso em: 16 nov. 2019.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Central do Cidadão e Atendimento. Brasília, 2019. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/PORTAL/CENTRALCIDADAO/MENSAGEM.ASP>. Acesso em: 16 nov. 2019.
UDESC. Entrevista com Maurício Rotta. Nas entrelinhas: Florianópolis, 2019. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1XkkA2Cax3WRG29jZ52c24pbip9ZCpmC1/view?usp=sharing . Acesso em: 9 nov. 2019.
*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Andrei Colonetti, Clélia Kruschinski Müller, Leonardo Busnello Guimarães e Natan Corazza, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 20