Por Amanda Schlichting, Ana Carolina Mussi, Bruna Rafaela, Rebeca Tonnera Mattos*
O termo fake news está vinculado a mensagens falsas divulgadas principalmente nas redes sociais. São boatos contendo inverdades que apelam para o emocional a fim de chamar a atenção do leitor. Costumam ser divulgados e compartilhados com o objetivo de legitimar um ponto de vista ou prejudicar uma pessoa ou grupo, geralmente figuras públicas. Algumas fake news têm poder viral, isto é, espalham-se rapidamente. As informações falsas geralmente são apelativas, fazendo com que as pessoas consumam o material “noticioso” sem confirmar se é verdade seu conteúdo.
Conforme o site Brasil Escola, o poder de disseminação das fake news é maior em populações com menor escolaridade e que dependem das redes sociais para obter informações. No entanto, as notícias falsas também podem alcançar pessoas com mais estudo, já que o conteúdo está comumente ligado ao viés político e emocional.
O que hoje é chamado de fake news é um fenômeno que esteve presente ao longo da história. O que mudou foi a nomenclatura, o meio utilizado para divulgação e o potencial de persuasão que o material falso adquiriu nos últimos anos, sobretudo com as plataformas digitais. A manipulação de imagens existe há muito tempo. Um exemplo é a intervenção em fotos oficiais do regime soviético, em meados do século XX. Uma foto de Stalin, em 1926, passou por duas alterações para excluir os inimigos políticos.
Conforme o site El País, séculos antes das redes sociais, os boatos e as inverdades alimentavam “pasquins” e “gazetas” na Europa, como se pode ver no filme francês Ilusões Perdidas, dirigido por Xavier Giannoli. Na longa história da desinformação, o surto atual de notícias falsas já ocupava seu lugar. Os folhetos foram métodos habituais para difundir notícias desagradáveis, em sua maioria falsas, sobre personagens públicos.
Atualmente, as fake news são divulgadas e disseminadas por meio das plataformas digitais. Através de um click se espalham rapidamente. Segundo reportagem do Correio Braziliense, no ano de 2020 o Facebook foi a rede social apontada como a principal disseminadora de fake news nas Filipinas (47%), nos Estados Unidos (35%) e no Quênia (29%). No Brasil, o Whatsapp foi mencionado como principal canal por onde mensagens falsas são disparadas (35%), ficando o Facebook em segundo (24%). Em países como Coreia do Sul e Japão, o Youtube e o Twitter ganharam destaque.
Nesse movimento, governos, empresas de tecnologia e plataformas de redes sociais estão buscando criar mecanismos de defesa contra as notícias falsas como, por exemplo, a criação da Agência Lupa, fundada em 2015 e considerada a primeira agência de fact-checking criada no Brasil. O grupo Globo também criou um quadro denominado “Fato ou Fake”, apurando notícias que estão sendo muito compartilhadas nas redes sociais.
Em 2016, vivenciamos as eleições para a presidência dos Estados Unidos da América, na qual Hillary Clinton e Donald Trump travaram uma disputa em um cenário altamente polarizado. Donald Trump ficou conhecido por usar a rede social Twitter como uma de suas plataformas de comunicação preferidas. Com a interferência da Rússia, governada por Vladimir Putin, as fake news fizeram parte das direções dessas candidaturas (PENA, 2018).
As mídias digitais são grandes disseminadoras de conteúdo, conforme Sastre et. al (2018), tornando as redes sociais e os aplicativos para troca de mensagens plataformas estimuladoras dos debates democráticos, mas também um fértil terreno para distribuição de notícias falsas, conforme informa estudo do Departamento de Análise de Políticas-Públicas-DAPP da Fundação Getúlio Vargas.
Atualmente, temos acesso a uma diversidade de informações que estão disponíveis em diferentes meios. Populações de diferentes lugares do mundo, com diferentes culturas, estão interligadas e podem também nos “seguir” nas plataformas digitais, o que nos conecta com todo tipo de informação, ou desinformação – fake news. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han analisa o fim dos “homens-massa”, aqueles que, no passado, eram apenas mais um dentre muitos em uma população. Hoje, somos um perfil em diferentes plataformas digitais disponíveis para o mundo.
Ocorre que o acesso facilitado e a conexão momentânea nos fazem refém da cultura do dataísmo, ou seja, a cultura dos dados. Para tomar decisões, usa-se dados concretos, tirados de alguma fonte real, para analisá-los e, a partir daí, fazer escolhas. No entanto, conforme Byung-Chul Han, essa “prisão aos dados” acarreta a uma “crise da verdade”, uma vez que não conseguimos mais confiar na palavra do outro sem uma fundamentação teórica em dados palpáveis. Diante disso, nos perguntamos: como saber se o que estamos lendo e clicando na internet são fatos reais ou irreais? Byung-Chul Han afirma surgir um ceticismo (niilismo) sobre as mais variadas informações que atualmente estão à disposição da sociedade nas redes sociais, impossibilitando com que consigamos distinguir entre verdade e mentira.
A era do dataísmo está nos ensinando que não devemos acreditar em tudo que vemos nas plataformas digitais, precisamos usar nossa sabedoria enquanto cidadãos e filtrar as informações que recebemos. Conforme a charge a seguir ilustra:
A partir do aculturamento do dataísmo, nossa sociedade se coloca em uma caverna do platão novamente, conforme a analogia de Byung-Chul Han, que explica que a prisão digital é como se fosse uma zona de bem-estar inteligente e não há resistência ao regime prevalecente. O “like” excluiria qualquer revolução, ou seja, a partir dos nossos “likes”, a entrega das informações no mundo digital está atrelada a um algoritmo (microtargeting), causando uma tribalização da rede. Isso porque recebemos apenas assuntos relacionados aos nossos “likes”, reduzindo as chances de acharmos que aquilo que está vinculado é irreal ou que há informações para além das nossas cavernas tribalistas. Dentro da caverna, não é comum se questionar e até mesmo desenvolver as habilidades para buscar, filtrar e interpretar essas informações.
Com a falta de conhecimento ou habilidade de ir atrás das informações veiculadas, se fortalece aqueles que desejam que a sociedade permaneça dentro da caverna, uma vez que, aqueles que vinculam as fake news sabem sobre a deficiência social e manipulam a percepção das pessoas, ou seja, as aprisionam nas cavernas.
* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Amanda Schlichting, Ana Carolina Mussi, Bruna Rafaela, Rebeca Tonnera Mattos, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.
REFERÊNCIAS
Byung-Chul Han: Infocracia e a caverna digital. Disponível em: <https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/byung-chul-han-a-infocracia-e-a-caverna-digital/>. Acessado em: 18 de jun. de 2022.
Facebook é a maior plataforma de fake news, aponta pesquisa. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/tecnologia/2020/06/17/interna_tecnologia,864689/facebook-e-a-maior-plataforma-de-fake-news-aponta-pesquisa.shtml>. Acessado em: 18 de jun de 2022.
O que são Fake News?. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/o-que-sao-fake-news.htm>. Acesso em: 18 de jun de 2022.
TSE assina com o Supremo acordo para combater as fake news sobre o Judiciário. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Maio/tse-assina-com-o-supremo-acordo-para-combater-as-fake-news-sobre-o-judiciario>. Acessado em: 19 de jun de 2022.
PL das Fake News: Webinar aborda o desafio de regular as redes sociais. Disponível em: <https://portal.fgv.br/noticias/pl-fake-news-webinar-aborda-desafio-regular-redes-sociais>. Acesso em: 19 de jun de 2022.
PENA, L. P. J. Fake news: uma breve análise acerca de sua trajetória internacional. Consequências políticas e perspectiva jurídica. Revista Dizer. 2018, p.136-150.
SASTRE, A., DE OLIVEIRA, C. S. P., BELDA, F. R. (2018). A influência do “filtro bolha” na difusão de fake news nas mídias sociais: reflexões sobre as mudanças nos algoritmos do facebook. Revista GEMInIS, 9(1):4–17.
Para saber mais sobre o tema:
Artigos, leis e projetos de lei estão a favor do uso responsável dos veículos de comunicação, a fim de garantir à população o acesso a informações de credibilidade.
Projeto de lei Nº 6.812/2017: Dispõe sobre a tipificação criminal da divulgação ou compartilhamento de informação falsa ou incompleta na rede mundial de computadores e dá outras providências ( Aguardando Parecer do Relator na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática – CCTCI).
Lei 9.504/97 (alterada pela Lei 13.488/2017): Tipifica como crime a contratação de pessoas para propagar conteúdo falso que influencie no processo eleitoral.
Lei 9.504/1997 (alterada pela Lei 12.891/2013) – Quadrilhas virtuais:
Art 57 H § 1º – Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou difamar a imagem de candidato, partido ou coligação.
Pena: detenção de 2 a 4 anos e multa de R$ 15 a R$ 50 mil.
Art 57 H § 2º – Quem é contratado também comete crime, punível com detenção de 6 meses a 1 ano e multa de R$ 5 a R$ 15 mil.
Art. 326-A- Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral: (Incluído pela Lei nº13.834, de 2019)
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº13.834, de 2019)
§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído. (Incluído pela Lei nº13.834, de 2019)
Código Civil : Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Código Penal : Artigos 138 e 141. Crimes contra a honra, com aumento de 1 3 da pena em razão do uso da internet.
Livro que analisa o tema em vários países – Brasil, Índia, Filipinas e outros: https://www.companhiadasletras.com.br/livro/9788535933628/a-maquina-do-odio
Filme: A rede social – para entender melhor sobre a manipulação dos dados.
https://www.netflix.com/pt/title/70132721
Outros sites que abordam o tema:
http://www.plataformademocratica.org/Arquivos/Sobrevivendo_nas_redes.pdf