Como a transparência pública pode melhorar a alimentação escolar?

Por Maria Eduarda Amaral e Nathalia Azevedo*

A alta de preço dos alimentos é uma das grandes preocupações na atualidade. Mas o que isso interfere na alimentação escolar? De onde vem os recursos  para a compra dos alimentos servidos nas unidades públicas de ensino?  Fique aqui com a gente, que iremos te explicar neste texto  um pouquinho sobre o tema.

A alimentação escolar é direito dos alunos e dever do Estado, conforme expressa a lei federal n° 11.947 de 16 de junho de 2009 em seu artigo 3°, a saber: 

Art. 3° A alimentação escolar é direito dos alunos da educação básica pública e dever do Estado e será promovida e incentivada com vistas no atendimento das diretrizes estabelecidas nesta Lei (LEI n° 11947/2009).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 208, ressalta a participação do Estado na educação e alimentação aos educandos:

 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(…)

 VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional no 59, de 2009).(grifo da autora) (CRFB/1988).

Este artigo da Carta Magna, no inciso VII, prevê  a criação de programas suplementares na alimentação e demais áreas. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), foi criado para isso. Sua  normatização legal vigente é a Resolução/CD/FNDE no 6, de 8 de maio de 2020.

O objetivo do PNAE conforme a Resolução, em seu artigo 4°, é:

Art 4° O PNAE tem por objetivo contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de práticas alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo.

O Programa caracteriza-se como a política pública de maior longevidade na área de segurança alimentar e nutricional do país e o mais abrangente e duradouro programa na área de alimentação escolar do mundo (PEIXINHO, 2013). É por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que acontece o repasse mensal aos estados e municípios dos recursos do PNAE. O Fundo é responsável pela assistência financeira em caráter suplementar na alimentação escolar e cabe às Entidades Executoras (a Secretaria Municipal de Educação de cada município) complementar o repasse.

No município de Florianópolis, por exemplo,  o valor total gasto com gêneros alimentícios no ano de 2019 foi de R$ 11.315.165,60 (onze milhões e trezentos e quinze mil e cento e sessenta e cinco reais e sessenta centavos). Destes, R$ 4.804.528 (quatro milhões e oitocentos e quatro mil e quinhentos e vinte e oito reais) foram recursos vindos do FNDE e R$ 6.510.638 (seis milhões e quinhentos e dez mil e seiscentos e trinta e oito reais) se referem a contrapartida da SME para suplementação da alimentação escolar (PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS). Em uma média percentual, 42,46% foram recursos federais e 57,54% foram recursos do município.

São diversas as formas de gerir os recursos da alimentação escolar, tais quais: centralizada, descentralizada, semi-descentralizada e terceirizada. No município de Florianópolis, a administração da alimentação escolar é feita de maneira centralizada, ou seja, o município recebe o repasse do governo federal, acresce a contrapartida por parte da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis e faz a compra dos alimentos para as unidades educativas.

Neste município, a alimentação escolar é administrada pelo Departamento de Alimentação Escolar (DEPAE), vinculado à Diretoria Operacional (DIOP). O setor conta com 2 nutricionistas efetivas e outras 14 terceirizadas, bem como a chefia do departamento e uma estagiária na área administrativa. O setor é responsável pela contratação das empresas que fornecem os alimentos, formulação de políticas de serviço, monitoramento, avaliação da qualidade nutricional, prestação de contas junto ao Conselho de Alimentação Escolar (CAE), bem como pelos trâmites administrativos demandados.

No Brasil, durante a pandemia de Covid-19, a alimentação escolar foi extremamente afetada, enfrentando diversos desafios na distribuição. Desde o ano de 2020, a Lei Federal 13987/20 permitiu que alimentos que seriam servidos nas escolas públicas de todo o País fossem distribuídos para os alunos consumirem em suas casas, já que as escolas estavam fechadas por causa da pandemia de Covid-19.

Os estados adotaram medidas para que esses alimentos chegassem aos estudantes, porém muitos deles acabaram recebendo-os poucas vezes ou até mesmo não recebendo. De acordo com uma notícia divulgada no sítio eletrônico da Câmara de Deputados, 30% dos alunos da rede pública não receberam alimentação escolar durante a pandemia. 21% afirmaram que só receberam uma cesta uma vez em 15 meses de pandemia (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2021).

Segundo reportagem publicada no site Outras Mídias (Tavares, 2021), Alagoas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amapá, Rio Grande do Norte, Sergipe, Rio Grande do Sul e Tocantins, a cobertura se deu com distribuição de kits de alimentação para todos os estudantes matriculados na rede. No Espírito Santo, Acre e Minas Gerais, apenas os estudantes que constam no CadÚnico receberam cestas básicas. Na Bahia, no Ceará e no Pará, os alunos receberam um vale alimentação. No Distrito Federal, o modelo foi misto: começou com distribuição de alimentos e depois se reverteu em um benefício chamado ‘bolsa alimentação escolar emergencial’ (Tavares, 2021). 

O estado de Goiás realizou três iniciativas: auxílio alimentação (de abril a julho de 2020), entrega dos kits (agosto a dezembro de 2020 e fevereiro a junho de 2021) e distribuição de cartões (a partir de julho de 2021), sendo a primeira somente para estudantes com vulnerabilidade social. Já no Paraná, houve distribuição de alimentos a alunos beneficiários do Bolsa Família e em situação de vulnerabilidade. Em Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro, foi oferecida uma espécie de cartão alimentação somente para estudantes de maior vulnerabilidade social com recursos próprios de cada estado. Em Pernambuco, no entanto, houve uma mudança e a alimentação escolar passou a ser oferecida nas escolas por conta da retomada das aulas presenciais. No Piauí, a partir do programa Merenda em Casa, famílias beneficiárias do Bolsa Família, com filhos matriculados na rede estadual de ensino, receberam auxílio mensal, assim como em Santa Catarina (Tavares, 2021). 

Esse breve panorama mostra que houve estratégias variadas e adaptações.

Cada município também buscou adaptar-se àquela realidade à época. Em Florianópolis, no início da pandemia, foi  iniciado um processo licitatório para contratação de empresa para o fornecimento de Kit alimentação. As entregas foram feitas durante quase 2 anos para as famílias que demonstraram interesse, junto à unidade em que seu filho(a) encontrava-se matriculado(a). 

Já antes da pandemia de Covid-19, alguns municípios vinham criando inovações para aproximar familiares e estudantes das informações sobre a alimentação escolar. Um exemplo disso é o município de São Paulo, com o aplicativo “Prato Aberto”. O aplicativo permite consultar o que é servido na alimentação escolar nas mais de 3 mil escolas municipais. A ferramenta, que pode ser acessada em computadores e dispositivos móveis, como celulares e tablets, mostra os cardápios por dia e por escola, sendo possível fazer uma avaliação da qualidade das refeições e interagir com usuários via Facebook e Telegram, por meio de um assistente virtual, o Robô Edu. O projeto é resultado da 1ª Seleção de Inovação Tecnológica do Pátio Digital, em que equipes de todo o país tinham o desafio de melhorar a disponibilização de informações sobre o cardápio escolar por meio da criação de um aplicativo.

O Prêmio “Gestor Eficiente”, realizado pela organização Ação Fome Zero, é também um exemplo que valoriza a boa gestão. A iniciativa identifica e reconhece ações criativas e responsáveis das prefeituras para aprimorar a aplicação dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Levando em consideração esses exemplos, bem como os desafios e inovações buscadas durante a pandemia na gestão da merenda escolar, é possível perceber que a transparência pública e a aproximação entre gestores, educadores, familiares e estudantes podem contribuir para a eficiência e a qualidade da  alimentação escolar. As inovações e melhorias são ainda mais importantes em um momento como o atual, com elevação do preço dos alimentos e insegurança alimentar de muitas famílias.

Sobre a alimentação escolar, os Estados e Municípios tem muito a aprimorar suas gestões. São diversos os problemas enfrentados ainda, a exemplo da verba pública destinada para este fim, pois os recursos oriundos do governo federal não acompanham os índices inflacionários aumentando mês a mês. O resultado disso? A baixa da qualidade na alimentação dos alunos da rede pública de ensino. Deixamos essa reflexão com vocês, leitores.

* Texto elaborado pelas acadêmicas de Administração Pública Maria Eduarda Amaral e Nathalia Azevedo, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2022.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 de jun. 20222.

BRASIL. Presidência da República. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Pesquisa aponta que 30% dos alunos da rede pública não receberam merenda escolar durante a pandemia Fonte: Agência Câmara de Notícias. 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/820583-pesquisa-aponta-que-30-dos-alunos-da-rede-publica-nao-receberam-merenda-escolar-durante-a-pandemia/#:~:text=Desde%20o%20ano%20passado%2C%20a,da%20pandemia%20de%20Covid%2D19. Acesso em: 28 de jun. 2022.

FIOCRUZ, epsjv. Na pandemia, a batalha pela merenda escolar. 2021. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/na-pandemia-a-batalha-pela-merenda-escolar/. Acesso em: 28 de jun. 2022.

G1, São Paulo. Pioneiras da ‘máfia da merenda’ nos anos 2000 criaram novo esquema para manter fraudes, diz Polícia Federal. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/pioneiras-da-mafia-da-merenda-nos-anos-2000-criaram-novo-esquema-para-manter-fraudes-diz-policia-federal.ghtml. Acesso em: 28 de jun. 2022.

METRO. Aplicativo permite fiscalizar merenda nas escolas municipais de São Paulo. 2017.  Disponível em: https://www.metroworldnews.com.br/foco/2017/12/08/aplicativo-prato-aberto-fiscalizar-merenda-escolas-sao-paulo.html. Acesso em: 28 de jun. 2022.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Resolução n° 6, de 8 de maio de 2020.

PEIXINHO, Albaneide Maria Lima. A trajetória do Programa Nacional de Alimentação Escolar no período de 2003-2010: relato do gestor nacional. Revista Ciência e Saúde Coletiva, v. 18, n. 4, p. 909-916, 2013.