Felicidade é Caminhar e Andar de Bicicleta

*Por Enio Luiz Spaniol
Em Fronteiras do Pensamento
Enrique Penãlosa de Bogotá: Felicidade é caminhar e andar de bicicleta.
As calçadas são os elementos mais importantes da estrutura democrática das cidades.”
O direito de estacionar não está previsto na Constituição.
Um ônibus transportando 80 pessoas, num processo democrático, tem direito de ocupar o espaço de 80 carros particulares.”
Estas são algumas frases de efeito pronunciadas pelo ex-Prefeito de Bogotá, o urbanista Enrique Peñalosa, em palestra proferida na Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), nesta segunda-feira a noite, dia 7, em Fronteiras de Pensamento, sob o título “uma cidade mais sustentável”. Ele foi prefeito de Bogotá, entre 1998 e 2001, implantando um sistema de transporte coletivo que hoje é considerado modelo. O ex-prefeito resolveu o problema do trânsito da cidade sem alargar avenidas, mas construindo 350 km de ciclovias e calçadas largas e com a proibição de que os carros estacionassem nas ruas. Enrique preside atualmente o Institute for Transportation and Development Policy (ITDP), ONG norte-americana que presta assistência técnica no desenvolvimento de meios de transporte sustentáveis na Ásia, África e Américas. Estudou Economia e História na Duke University, na Carolina do Norte (EUA) e fez Doutorado em Administração Pública na Universidade de Paris II, França.
Enrique Penãlosa: Ex-Prefeito de Bogotá
Ele disse também, em sua palestra em Florianópolis, que felicidade é caminhar; necessitamos caminhar; caminhar é um prazer. Por isso, urge organizar nossas cidades para a mobilidade das pessoas com calçadas largas e desobstruídas e ciclovias protegidas.
Na crítica que fez às cidades atuais, destacou que se tem a impressão de que as cidades foram feitas para os carros e não para as pessoas. Constroem-se mais autopistas, que são perigosas e não resolvem os engarrafamentos. Pelo contrário, aumentam os mesmos. Construir mais pistas rápidas para veículos com a finalidade de resolver os problemas dos engarrafamentos é como querer apagar o fogo com gasolina, disse o ex-prefeito.
Nesta mesma linha de raciocínio crítico, na busca do entendimento das raízes do problema urbano, relatou que a proposição de construir mais pontes em cidades banhadas com água, para solucionar os problemas de engarrafamento, deve ser motivo de internação do proponente em manicômio e não de atendimento do pedido. Quanto mais autopistas e mais espaços de estacionamento tivermos nas cidades, maiores serão os engarrafamentos.
Outra expressão crítica feita por Peñalosa foi de que usar os shoppings para encontros de lazer é sinal de enfermidade. Disse que os shoppings não são causa, são a consequência.
Em sua palestra mostrou algumas fotos e apontou contradições da estrutura urbanística de Florianópolis. Sugeriu que não se podem ter autopistas perto da água – rios e mar – pois esta riqueza natural deve ser melhor preservada. Propôs grandes calçadas, árvores e muita luz. Uma proposta radical que solucionaria grande parte de nossos problemas de mobilidade em Florianópolis seria faixas exclusivas para ônibus, de acordo com Peñalosa. A foto da democracia seria o ônibus ou o trem transitando livremente e com rapidez em sua faixa exclusiva, enquanto os carros particulares estariam engarrafados em suas pistas. E para sustentar seu argumento, apresentou a aritmética da equivalência entre fixas de ônibus e de carros particulares: uma faixa de ônibus corresponde a 70 faixas de carros individuais.
Foi insistente em duas questões óbvias: ciclovias em maior quantidade, mais espaçosas e mais seguras; e calçadas largas e arborizadas para os pedestres. E, por fim, também propôs, por imagem animada, a cidade de Florianópolis tendo alternadamente uma via para veículos e uma via para ciclistas e pedestres. Assim, a metade das ruas de Florianópolis seriam para ciclistas e pedestres e a outra metade para veículos. Implantar esta forma de mobilidade urbana é uma questão política, não é técnica de engenharia, de acordo com o ex-Prefeito de Bogotá.
O encontro, conduzido por Renato Igor, teve como um dos debatedores o Secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Superintendente do IPUF, Dalmo Vieira Filho. Houve muitas perguntas do auditório da FIESC, que estava lotado e aplaudiu por diversas vezes o ex-Prefeito de capital da Colômbia.

Espero que Florianópolis aprenda com esta experiência. As nossas pesquisas apontam caminhos similares. Os interesses econômicos privados e intensamente controladores precisam de rupturas. Só assim poderemos pensar e pesquisar com mais liberdade; andar a pé e de bicicleta e sermos, quem sabe, mais felizes.
*Enio Luiz Spaniol é Professor de Sociologia no Curso de Administração Pública da UDESC/ESAG. e Pesquisador do Grupo Politeia.

Independência e Democracia

* Por Jeferson Dahmer

Está cada vez mais evidente para a sociedade que a Independência do Brasil, o famoso grito do Ipiranga, em 07 de setembro de 1822, não reverbera como força articuladora de um ideal de país. É mais do que claro que aquele foi um ato liderado e conduzido pela aristocracia da época, sem um devido envolvimento da população. Se o espírito da independência realmente estivesse consolidado, as bases da nossa democracia não estariam asseguradas?

Foto: Mariana Brochado

A onda de mobilizações que tomou conta do país clamando por mudanças, recebe hoje diversas interpretações, significações, distorções, análises científicas e ideológicas. Entretanto, muitos têm concordado que elas são uma crítica e uma resposta à falência do nosso modelo representativo de governo. Com isso, não afirmo que há ares de tomada do poder do Estado pelos que estão nas ruas. Esse é um discurso ultrapassado. O construir, com participação, começa a despontar no horizonte e a ser reconhecido pelo próprio governo como essencial a tomada de decisão e ideal para o fortalecimento democrático.

O cenário atual é desafiador, dinâmico, muda rapidamente. Há dificuldade por parte dos governos em compreender as dinâmicas da sociedade, o momento é de crise das instituições, pelo menos da forma como as conhecemos hoje, hierarquizada, normativa e fechada em uma torre de marfim, certa de que suas convicções dão a tônica das respostas a todos os problemas. Negar-se a reconhecer que a época é de mudança, que a lógica disseminada de ação está em declínio é persistir na sucessão de erros históricos que nos trouxe até os grandes problemas e dilemas da vida moderna. Nesse contexto, continuaremos a perpetuar o eco cansado de um sete de setembro que nos deixa um legado cultural carregado de controvérsias, mas que é fato consumado? Por estar consumado, não significa que não possamos ter outra possibilidade de futuro. A democracia começa a tomar corpo quando a sociedade começa a entender de democracia e a se interessar novamente pela política. Esse talvez seja o primeiro passo rumo ao futuro.

Algumas lições sobre a democracia podem ser compreendidas a partir do legado de Thomas Jefferson. Em Notes of Virginia ele declarou: “Em todo governo na terra, há um vestígio de fraqueza humana, um germe de corrupção e degeneração, que a astúcia vai descobrir e a maldade vai insensivelmente desenvolver, cultivar e aperfeiçoar. Todo governo degenera, se confiado tão somente aos governantes do povo. Assim, o próprio povo é o seu único depositário seguro. E, para torná-lo ainda mais seguro, a mente do povo deve ser aperfeiçoada […].’
Portanto, façamos nossa parte. A nossa real e sólida independência depende do exercício da política por cada um de nós. Esse é o grito que poderá garantir a verdadeira independência do país. Fazer política é a atividade mais nobre de um cidadão ao atuar na esfera pública, participando da vida da cidade, estando ele nos governos, nas empresas, nas organizações e nos movimentos sociais. Estas são apenas reflexões e não respostas, pois a mudança só acontece quando somos capazes de refletir sobre o mundo que nos cerca, sobre as contradições que nos rodeiam. Fazendo a necessária critica ao presente, a partir do legado de nosso passado é que, talvez, possamos chegar à possibilidade objetiva de um futuro democrático e independente.

*Mestrando – Programa de Pós-Graduação em Administração. Área de Concentração: Administração Pública e Sociedade.

De a “Bola da Vez” para a maior “Arquibancada do Brasil”

* Por Jeferson Dahmer
O histórico 17 de Junho de 2013 mostrou ao Brasil e aos seus representantes políticos que a pátria não estava adormecida. Outras manifestações aconteceram em anos recentes com pautas distintas, sem muitas vezes o impacto significativo que aconteceu ontem. Muitas lutas dos movimentos contra a corrupção, a má qualidade dos serviços públicos, a ineficiência na aplicação dos recursos, contra os preconceitos de raça, gênero e opção sexual. Enfim, pautas manifestadas de forma isolada nos últimos anos, ontem gigantemente se encontraram nas diversas capitais brasileiras e extrapolaram as fronteiras do nosso país, clamando por mudança.
Para os governantes é fácil dizer que “estão perplexos”, que “não compreendem” a pauta política do movimento. Se não são capazes de compreender é porque a muito se “esqueceram” (e aí interprete como quiser) de olhar para a sociedade, de enxergar às reais dificuldades com que cada cidadão brasileiro constrói esse país cotidianamente. Da empregada doméstica que pega um ônibus lotado todos os dias para fazer o sustento de sua família até nossos empresários que sofrem com alta carga tributária do país, passando por tantas outras realidades é que agora essas pautas se encontram, se transversalizam e nos querem mostrar a falência do nosso modelo de democracia representativa.
Vamos, portanto, acabar com o Estado? Com os mecanismos de participação que já existem? Com tudo que já se construiu e começar algo novo? NÃO. A falência do modelo nos mostra que devemos refletir e repensar as suas bases, a questão não é acabar com ele. Na noite de ontem, os manifestantes não invadiram o Congresso Nacional, apenas ocuparam um espaço que sempre foi e sempre será seu. Estar insatisfeito com a atual situação econômica do país, com a falta de transparência, contra os abusos de diversas comissões, contra os escândalos de corrupção, contra a falta de condições dignas de saúde e EDUCAÇÃO, contra os exorbitantes gastos com a Copa do Mundo e as Olimpíadas e, principalmente, com relação à falta de perspectivas quanto a um futuro promissor por parte dos jovens que acreditam na força da democracia e da cidadania é que levaram milhares a resgatar o Congresso e simbolicamente nas ruas do país dizer aos nossos Governantes e ao Povo Brasileiro que a hora da mudança chegou, que a pauta pode até ser difusa, mas sua contribuição maior é colocar o Brasil no rumo certo.
A “bola da vez” era vendida aqui e vista lá fora. Ontem se deu uma resposta contundente da “maior arquibancada do Brasil” da situação como ela realmente é. Colocou-se para fora a insatisfação com questões econômicas, sociais, estruturais, o descrédito em relação ao futuro, mas acima de tudo a vontade de todo brasileiro de ser vencedor, de por amor a sua pátria dizer que um novo Brasil é possível, com cidadãos dizendo o que querem e o que deve ser feito, e o que os cidadãos querem não é apenas manifestar sua opção a cada quatro anos, é também ser responsável e controlador social da riqueza nacional, que tem escoado tão facilmente pelo ralo da corrupção e da ineficiência do gasto e na entrega dos serviços. Talvez esse seja o primeiro passo, mas é o passo mais importante que foi dado depois da democratização e da queda de Collor. A empolgação é imensa e espera-se que a partir de agora as questões políticas do país estejam SEMPRE sob a supervisão de um cidadão vigilante quanto ao seu futuro.
Como estudioso da Administração Pública, muito tenho a apreender com tais lições. Não concordo com algumas posturas, como a depredação do patrimônio público, mas já está claro que isso é fruto de uma minoria. Embora pense que sempre é uma contradição, afinal, quando é Carnaval, urinar em estátua, pular em praças históricas, etc., parece não ser depredação, pois em Carnaval tudo é permitido. E como a mídia adora mostrar isso! O pacifismo das caminhadas de ontem é muito mais simbólico e contagiante para as pessoas do que o sensacionalismo que está sendo mostrado. Entretanto já melhoraram as abordagens no decorrer da semana (Muito bom, ver Arnaldo Jabor se desculpando)!
Não concordo com passe livre, pois de alguma rubrica esse dinheiro vai sair! Talvez do investimento em saúde e educação, acho isso inviável. O caminho é abrir as caixas-pretas do transporte e não colocar o lucro dos empresários acima do acesso a um transporte público de qualidade. É a velha história, o interesse privado sobrepondo-se ao interesse público.
Outra coisa que me impressionou bastante foi a capilaridade da articulação dos movimentos, as mídias sociais estão aí e se alguém tinha alguma dúvida sobre seu potencial mobilizatório e de um espaço livre de manipulação, a organização deste movimento nos trouxe algumas lições. Ali todas as opiniões podem ser vistas e você tem então a possibilidade de compreender melhor as coisas, o caso está aí para ser analisado. Ontem, passei a noite em claro acompanhando os vídeos, as mensagens, os apoios que pipocavam por todo o país, compartilhadas instantaneamente, possibilitando uma injeção de ânimo, de euforia que nos fazia participar pelo curtir e compartilhar (não o ato em si, mas o simbolismo e contribuição que isso representava naquele momento), mesmo não estando nas ruas.

Temos agora a possibilidade de transformar, a hora é agora. Da “maior arquibancada do Brasil” para as instituições públicas, para as organizações não governamentais, para as empresas, com ética, responsabilidade e respeito construir projetos políticos que contribuam para essa transformação. Mudar a lógica da política pública, dos gabinetes governamentais para a formação de agendas com as cidades e com a participação popular. Vamos utilizar e melhorar os canais já existentes. Vamos aderir aos movimentos que pedem por melhorias, que lutam contra abusos, contra irresponsabilidades, que querem um Brasil melhor. Somente assim seremos “a bola da vez” e poderemos comemorar com nossos atletas em campo em 2014 e 2016.