Autor: Camilla Reis
Submissões até 29 de Maio para a 11a Conferência da ISTR América Latina e Caribe – Quito, Equador – Outubro de 2017
[La democracia y la sociedad civil en América Latina y el Caribe en tiempo de cambios]
Quito, Ecuador, 18 al 20 de octubre de 2017
La Sociedad Internacional para la Investigación del Tercer Sector (ISTR,International Society for Third Sector Research) es una asociación de investigadores y centros académicos fundada en 1992, con asociados en todo el mundo. ISTR (www.istr.org) promueve la investigación y la educación sobre la sociedad civil y el sector sin fines de lucro a nivel internacional.
10 de marzo de 2017
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Publicación de la Convocatoria a la Decimoprimera Conferencia Regional de ISTR
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29 de mayo de 2017
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Plazo final para recepción de propuestas para la presentación en la Conferencia
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15 de julio de 2017
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Comunicación de aceptación de trabajos para la Conferencia
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15 de agosto de 2017
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Postulación a becas parciales con envío de trabajo completo (dependerá de disponibilidad de recursos)
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01 de setiembre de 2017
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Comunicación de aceptación de solicitudes de becas parciales de participación
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20 de setiembre de 2017
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Plazo final para recepción de ponencias completas para su inclusión en el sitio electrónico oficial de la Conferencia
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18 – 20 de octubre de 2017
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Decimoprimera Conferencia Regional de ISTR para América Latina y El Caribe
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Call for papers in English:
Smart Cities: os caminhos que levam uma cidade a ser inteligente
Por Luciano Valentim Silva, Natasha Cristine Costa e Raquel Brancher*
Grande parte das definições de Smart Cities as apresenta como sistemas de pessoas interagindo e usando energia, materiais, serviços e financiamento para catalisar o desenvolvimento econômico e contribuir para a melhoria da qualidade de vida. Essas interações são consideradas inteligentes por fazer uso estratégico de infraestrutura, serviços, informação e comunicação com planejamento e gestão urbana para dar resposta às necessidades sociais e econômicas da sociedade.
De acordo com o Cities in Motion Index, do IESE Business School na Espanha, dez dimensões indicam o nível de inteligência de uma cidade: governança, administração pública, planejamento urbano, tecnologia, meio-ambiente, conexões internacionais, coesão social, transporte e mobilidade, capital humano e economia.
(Fonte: FGV Projetos – Link: http://fgvprojetos.fgv.br/noticias/o-que-e-uma-cidade-inteligente)
Mas até que ponto esses elementos realmente definem o que são as Smart Cities? Como medimos e avaliamos se uma cidade é inteligente? Quais dimensões devem ser consideradas?
Nesse sentido, Castelnovo, Misuraca e Savoldelli (2016) propuseram um modelo de análise que não se preocupa apenas com a definição do que é uma Smart City, nem quais dimensões devem ser consideradas, mas em como essas dimensões interagem entre si, e de que forma acontece a governança desse sistema complexo.
Essa análise parte do pressuposto de que as cidades inteligentes são aquelas que não veem a tecnologia como ponto central, mas que a utilizam para simplificar e melhorar as operações do governo, facilitando a interação entre o Estado, cidadãos e demais interessados, permitindo a participação cidadã e garantindo a inclusão e igualdade de oportunidade para todos.
Para que essa interação entre as dimensões seja possível, como também o envolvimento dos cidadãos, as estruturas governamentais devem ser flexíveis, incentivando a participação, tanto na implementação, como no monitoramento e na avaliação dos serviços.
Ao aproximar a sociedade das discussões, os agentes públicos criam laços de confiança com os cidadãos e, além disso, estimulam a participação e o sentimento de pertencimento, e compartilham a responsabilidade na produção dos bens e serviços públicos. Este envolvimento dos cidadãos não é apenas uma forma de legitimar as ações e a tomada de decisão, mas pode ser visto como um processo de inovação social que permite coproduzir valor público.
Os modelos internacionais de Smart Cities, ao lado de outras iniciativas adotadas em diversas cidades ao redor do mundo, sugerem de que forma a inovação, a tecnologia e a otimização na gestão de recursos podem servir de norte para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida da população urbana brasileira.
Apresentamos, na sequência, projetos de sucesso de duas Smart Cities bem-conceituadas mundialmente, Amsterdam Smart City e Montréal Smart City. No primeiro caso, a funcionalidade da cidade inteligente de Amsterdam está na divisão dos temas para resolução dos problemas e melhoria dos serviços da cidade. Os temas são: Infra-estrutura e Tecnologia; Energia, Água e Resíduos; Mobilidade; Cidade Circular; Governança e Educação; e Cidadãos e Vida (Fonte: https://amsterdamsmartcity.com/)
Observa-se que na “aba” Projetos (impressão de tela abaixo) qualquer pessoa tem acesso às informações sobre o desenvolvimento da cidade inteligente, é possível conferir os projetos que estão sendo executados e também enviar o seu próprio projeto. Exige-se apenas que este contribua para o desenvolvimento urbano inteligente e se refira a um dos seis temas da plataforma.
Amsterdam Smart City
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Projetos
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Objetivos
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Smart Flow
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Solução que visa guiar o fluxo de carros e pedestres dentro da cidade de uma forma mais inteligente, fornece aos motoristas conselhos para os melhores e mais baratos lugares para estacionar. Também fornece aos visitantes e turistas orientação para evitar multidões e longas filas de espera.
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Powow
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Aplicativo que funciona como um canal de comunicação inteligente que busca trazer transparência e facilidade de comunicação entre os cidadãos e os serviços públicos durante emergências e transmissão de informações (para um bairro-alvo).
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Co-Criando Espaços Urbanos Responsáveis
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O projeto reúne designers urbanos, desenvolvedores de conceitos interativos e interessados locais para explorar o desenvolvimento de espaços urbanos responsivos, que possam se adaptar aos seus utilizadores em tempo real, melhorando substancialmente a qualidade residencial do local e a percepção de segurança dos utilizadores.
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Fundo de Sustentabilidade de Amsterdam
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Seleciona tipos de projetos que são elegíveis para financiamento. Considera a instalação de painéis solares em telhados, instalação de armazenamento de calor/frio, edifícios sustentáveis com uma cooperativa de energia ou, por exemplo, a reciclagem de matérias-primas. Qualquer pessoa pode apresentar um pedido para o Fundo: iniciativas de moradores, empresas e instituições sociais.
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Civocracy
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Uma plataforma on-line que envolve os cidadãos em questões políticas e sociais. Possibilita que os cidadãos aprendam mais sobre o assunto e expressem suas opiniões, mostra os melhores argumentos, notícias relevantes, e também dá uma visão geral de todas as maneiras que você pode ser ativamente envolvido, como assistir a uma reunião de prefeitura ou se inscrever como um voluntário.
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Smart Students
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Neste projeto, estudantes da Universidade de Ciências Aplicadas de Amsterdã planejam estudar como os moradores de Nieuw-West reagem a soluções inteligentes para seu ambiente.
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Comissão Democratização e descentralização
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Aprofundar a relação com a comunidade de Amsterdam, renovar o orgulho de suas universidades.
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No caso de Montreal Smart City, a proposta é de trabalhar em nove áreas-chave, tendo como objetivo principal tornar Montreal líder de renome mundial entre cidades inteligentes e digitais até 2017. As áreas-chave para resolução dos problemas e melhoria dos serviços da cidade são: Desenvolver a rede de telecomunicações; Definir dados abertos; Atualizar a arquitetura tecnológica; Codesenvolver soluções com a comunidade; Otimizar viagens; Crescimento dos serviços digitais disponíveis; Desenvolver sites de inovação e aprendizagem; Reforçar uma cultura de transparência e responsabilização, e Promover um setor emergente e de última geração. (Fonte: http://villeintelligente. montreal.ca/en):
Assim como no exemplo anterior, na “aba” Projetos é possível verificar as informações de todos os projetos já em andamento, e na “aba” Colaborativo o usuário pode descobrir projetos, monitorar seus resultados e contribuir para seu desenvolvimento. Mas diferentemente daquela primeira, não há possibilidade dos cidadãos encaminharem projetos.
A partir de um esforço conjunto do governo e de seus cidadãos, se firmou o compromisso de tornar Montreal uma cidade inteligente de classe mundial até 2017, e desta forma criou-se o Smart e Digital City Office na primavera de 2014. Sendo assim, foi organizado um diálogo civil com parceiros institucionais e do setor privado, funcionários municipais e a população em geral. Partindo das discussões das melhores práticas e visando as reais necessidades da cidade, o comitê executivo elaborou e adotou o Plano de Ação Smart 2015-2017 de Montreal Smart e Digital City. Este documento determina os mais de trinta projetos concluídos ou em andamento.
Na sequência, apresentam-se algumas ações desta “cidade inteligente”:
Montreal Smart City
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Projetos
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Objetivos
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Ver orçamento
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Ferramenta on-line para permitir aos cidadãos um maior acesso ao orçamento municipal. Aproveitando-se da apresentação do Orçamento 2016 da cidade de Montreal, foi lançado em 25 de novembro de 2016 a primeira versão de sua nova ferramenta de visualização chamado “Orçamento Visão Geral”, que permite aos cidadãos compreender melhor e de forma simplificada o acesso à informação financeira relacionada com o orçamento municipal.
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Cidadãos testadores
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Um grupo de cidadãos faz testes de aplicações e serviços públicos digitais destinados a eles. São atividades de cocriação, testes de aplicativos, serviços ou produtos recém-desenvolvidos, etc.
Montreal quer entender melhor as necessidades e expectativas dos utilizadores, o montante dos projetos, e mantê-los envolvidos durante todo o desenvolvimento
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Visita da segurança pública
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Divulgação de dados relacionados à segurança pública (resposta de emergência, dados sobre o crime, incêndio, dados de segurança, etc.) e desenvolvimento de uma ferramenta de visualização de pesquisa para os novos dados e aqueles disponíveis em dados abertos.
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Fundos de investimento
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Intelligent Capital Mtl, um grupo formado inicialmente por empresas de capital de risco, 23 grupos financeiros e corporações. Estes 23 membros disponibilizam o montante de US$ 100 milhões em capital privado para financiar empresas inovadoras que não contribuem apenas para construir a cidade inteligente, mas também para o desenvolvimento do conhecimento e a criação de emprego na metrópole.
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Ainda neste sentido, existe uma iniciativa capitaneada por diversas empresas e organizações públicas e privadas, que vem apresentando como resultado um ranking anual, denominado “Ranking Connected Smart Cities”. Este projeto foi desenvolvido com o intuito de elencar as cidades brasileiras que possuem iniciativas relevantes para o desenvolvimento das cidades, promovendo um crescimento sustentável e conectado, rumo ao conceito de uma cidade inteligente. Trata-se de um estudo único no Brasil, que tem por meta propor um crescimento balanceado, de modo a possibilitar um avanço qualitativo em áreas deficientes, tão comuns nos espaços urbanos brasileiros.
A última edição do ranking foi elaborada em junho de 2016, com a participação de mais de setecentos municípios, que foram avaliados a partir de um total de setenta e três indicadores, distribuídos em onze áreas ou setores, como mobilidade, tecnologia, saúde, segurança e educação. Ainda que esta categorização não indique com precisão o grau efetivo de desenvolvimento apresentado pelas cidades mais bem posicionadas, podem ser observados aspectos interessantes. Por exemplo, destacam-se nas primeiras colocações as capitais brasileiras, além de um grupo de cidades do interior do estado de São Paulo. As regiões sul e sudeste chegaram a atingir o percentual de oitenta por cento dentre as cinquenta melhor classificadas.
Os fatores determinantes para conquistar uma posição de destaque neste ranking resultam de um equilíbrio entre o avanço tecnológico e um bom desempenho nos índices socioeconômicos da população, de forma a proporcionar um incremento profícuo e consolidado na qualidade de vida dos moradores destes municípios.
Já existem cidades no Brasil dando os primeiros passos para se tornar uma “Smart City”, contudo, é importante que tanto os munícipes quanto os administradores públicos tenham consciência de que é necessário muito mais do que soluções tecnológicas para que uma cidade possa ser considerada inteligente.
É importante que exista engajamento mútuo e forte investimento em setores essenciais para a população, como educação, infraestrutura, saúde e segurança. E até mesmo mudanças culturais podem ser necessárias, de forma a viabilizar, em um futuro próximo, cidades de fato inteligentes. Conforme afirma Roberts (2004), a participação dos cidadãos é intrinsicamente valiosa porque desenvolve as mais altas capacidades humanas e promove um caráter moral ativo, de espírito público. Quanto maior for a participação, mais pessoas são atraídas para esse processo, o que o torna mais democrático e inteligente. Em outras palavras, a participação é um importante mecanismo de mudança e transformação social.
Referências
CASTELNOVO,W.; MISURACA,G. ; SAVOLDELLI,A. Smart Cities Governance: The Need for a Holistic Approach to Assessing Urban Participatory Policy Making. Social Science Computer Review, 2016, Vol.34(6), pp.724-739.
ROBERTS, N. Public Deliberation in an age of direct citizen participation. American Review of Public Administration, v. 34, n. 4, p. 315-353, Dec. 2004.
Links:
* Texto produzido por Luciano Valentim Silva, Natasha Cristine Costa e Raquel Brancher, em 2016, no contexto da disciplina Governança e Redes de Coprodução do Bem Público, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no Mestrado Profissional em Administração da Udesc Esag.
Raquel Brancher é graduada em administração pública pela Udesc Esag e atualmente é acadêmica do mestrado em administração pela UFSC.
Perspectivas e desafios para que o Brasil avance em governança pública e coprodução de serviços públicos
por Gabriel Marmentini, mestrando em Administração, Udesc Esag
Para avançar nas práticas de governança pública e coprodução de serviços públicos precisamos primeiro avançar para uma visão sistêmica em detrimento do pensamento cartesiano, que ao meu ver ainda prevalece no Brasil. Essa visão das partes e não do todo nos faz cada vez mais reducionistas, não conseguindo enxergar as verdadeiras raízes dos desafios que devemos enfrentar. Não é de agora que os problemas sociais estão ficando mais complexos e demandam um nível alto de agilidade e inovação nas soluções propostas. Vejo ser impossível esperar que isso aconteça mantendo a velha mentalidade de que o Estado deve resolver tudo sozinho.
Quando converso com as pessoas sobre a necessidade de mais participação social, poucas refletem sobre o seu papel enquanto cidadão, insistem em um discurso vitimista de que os pilantras estão no poder, as grandes corporações controlam tudo às escuras e não há nada que a sociedade faça que possa mudar, afinal, a culpa é toda daqueles. No entanto, penso que muito dos problemas que temos enquanto sociedade são advindos de nós mesmos. Nossos representantes apenas nos refletem, com lastros de um povo patrimonialista, coronelista, nepotista e orgulhoso de um jeitinho brasileiro. Sendo assim, fica difícil enxergar caminhos concretos de mudanças estruturantes e sistêmicas quando nosso principal ativo, o povo, se vitimiza, se conforma ou, ainda pior, se corrompe. Embora haja um belíssimo trabalho sendo feito por mais de 300 mil organizações da sociedade civil e por incontáveis pessoas que participam de causas e exercem sua cidadania de fato, ainda é uma amostra limitada, dado o tamanho da população brasileira. Como dito anteriormente, os problemas sociais são complexos e para que tenhamos êxito em melhorias significativas e escaláveis, precisamos de uma população inteira com a consciência cidadã fluindo, cientes de que participar deve ser um direito mas também um dever. Cientes de que participar requer preparo e tempo.
Referências
OSBORNE, Stephen. P. The new public governance? Emerging perspectives on the theory and practice of public governance. Oxon and New York: Routledge, 2010. (Introduction: The (New) Public Governance: a suitable case for treatment? Pgs. 1-16).
POOCHAROEN, Ora-orn; TING, B. Collaboration, co-production, networks: convergence of theories. Public Management Review. Vol 17, n. 4, 587-614, 2015.
Entre o Estado e o Indivíduo, o que há? Reflexão a partir do filme “Eu, Daniel Blake”
por Paula Chies Schommer
Assisti recentemente o filme Eu, Daniel Blake (trailer), dirigido por Ken Loach. Fui ao cinema curiosa, pois vários amigos haviam comentando sobre a obra, que retrata em primeiro plano a relação entre um cidadão britânico e a burocracia para receber o seguro saúde enquanto afastado do trabalho para se recuperar de um infarto.
Gostei da história e da atuação dos atores, me emocionei e refleti bastante, mas senti certo incômodo com o tom e o cerne da crítica social presente no filme. Escrevi minhas impressões a um amigo, que me incentivou a publicá-las. Assim o faço agora, observando que o texto se dirige aos que já assistiram o filme. Portanto, aos que ainda não viram o filme e pretendem fazê-lo, sugiro não prosseguir com a leitura agora. Enfim, o que me ocorreu:
Somos seres multidimensionais. Uma boa vida, que inclui dores, frustrações e morte, depende de um delicado e dinâmico equilíbrio entre o que temos de natural/ambiental/físico, relacional/social, político, intelectual e espiritual. Há momentos em que estamos mais fortes, equilibrados, e assim podemos contribuir mais com outros. Há também momentos em que estamos mais frágeis ou desequilibrados, e aí precisamos pedir e aceitar receber mais ajuda.
O Estado, enquanto aparato legal, institucional e burocrático, por mais que funcione bem, não contempla ou satisfaz todas as nossas dimensões. Ainda bem. A Sociedade, por sua vez, é algo difuso, indefinido, contemplando todos, em múltiplas e dinâmicas relações. Quem faz a ponte entre indivíduo e sociedade é a Comunidade, em suas várias formas de articulação – família, vizinhança, igrejas, sindicatos, associações e grupos diversos.
Cada um de nós, em relações com outros, desenvolve suas múltiplas dimensões e define sua identidade ao longo da vida, em diferentes espaços e tipos de relações e organizações. Se nos isolamos, se participamos pouco da vida em comunidade, se não nos articulamos politicamente na comunidade, nos colocamos na condição de cliente, usuário, beneficiário, um número frente ao Estado e ao Mercado. Se não cultivamos relações afetivas, resumindo os “laços fortes” a uma pessoa (à esposa, no caso de Blake), nos limitamos afetivamente, e se essa única pessoa falta, ficamos perdidos. Se não nos adaptamos de alguma forma às mudanças em conhecimento e trabalho, tecnologias e formas de produção, se não buscamos alternativas para desenvolver nossos dons e talentos, inclusive produtivos, ficamos à margem.
Não coloco toda a responsabilidade no indivíduo, sim reforço o papel das comunidades – intermediadoras e articuladoras de indivíduos entre si e com o ambiente social mais amplo, em diferentes fases da vida. Nesse sentido, concordo com a análise de Leo Vinicius, em LeMonde Diplomatique Brasil: Nós, Daniel Blake, em lugar de Eu, Daniel Blake. Mas cada Eu tem muitos Nós envolvidos, não apenas a identidade como classe trabalhadora. Poderíamos, ainda, incluir o divino na equação, para além do que nos é possível alcançar como Eu e como Nós, humanos. Entretanto, acreditando-se ou não em Deus, o argumento central é o mesmo.
O aparato estatal e os servidores públicos podem e devem contribuir para incentivar, mobilizar e facilitar a cidadania e a mobilização comunitária, não as substituir. Também podem ser os garantidores de certas condições básicas a todos, mas não podem oferecer tudo o que desejamos.
Ser cidadão, por sua vez, é mais do que trabalhar, pagar impostos, cumprir regras, ser portador de direitos, beneficiário de programas e políticas ou usuário de serviços públicos. É ser sujeito de deveres e direitos, sujeito ativo em opinião, ação e articulação política. O que é trabalhoso e exigente. Além disso, cada um de nós não é apenas um cidadão, condição associada à nossa dimensão política. Há as demais dimensões para cultivar, desenvolver e harmonizar.
Daniel Blake declara que não quer ser reduzido a beneficiário, usuário ou cliente, quer ser cidadão. Ele trabalha, paga impostos, não joga lixo no chão, reclama dos que pervertem a ordem, é amigável com as pessoas e ajuda os outros – ótimo. Mas exerce a cidadania um tanto individualmente. Para além disso, resiste a ser ajudado, resiste a admitir que não pode fazer tudo sozinho (quando pede ajuda, recebe – não de todos, mas de muitos, que se mostram satisfeitos em ajudar) e, aparentemente, não participa de qualquer grupo mais regular, embora seja convidado. Sua família se resumia à esposa. Seus amigos são vizinhos ou colegas que ele encontra eventualmente. Até que aparece uma família – mãe e duas crianças recém-chegadas à cidade. Tornam-se amigos, visitam-se, ele os ajuda em vários aspectos e, depois de muita insistência, permite que o ajudem também.
Essa família está em uma condição difícil, mudou para a cidade porque era onde havia moradia oferecida pela assistência social. A mãe busca emprego e mal consegue garantir que os filhos não passem fome. Mas ela não se coloca como vítima do sistema. Observa que ignorou os conselhos da mãe e não quer que esta a veja sem dinheiro. Percebe que se enganou nas expectativas em relação aos pais de seus filhos. Admite que se tivesse estudado estaria em uma condição melhor. Ela aceita ajuda, às vezes um pouco constrangida, mas sabe que precisa e é grata. Oferece ajuda, pois mesmo quando estamos frágeis podemos ajudar os outros em algo. Vê a prostituição como legítima para garantir comida para os filhos.
É claro que seria mais fácil se houvesse mais empregos, se os benefícios sociais fossem mais generosos e eficientes e se os pais ajudassem a criar os filhos, mas ela não está abandonada pelo Estado ou pela Sociedade. Sente e sofre as consequências dos problemas e virtudes do sistema, das pessoas próximas e de suas próprias escolhas. Blake também não se vitimiza, só é um pouco resistente a mudanças e tem dificuldade de pedir e de aceitar ajuda.
A crítica ao serviço público (impessoal, fragmentado, mal desenhado, terceirizado, automatizado, ineficiente etc.), embora um tanto óbvia, é pertinente. Precisamos avançar muito no desenho e na entrega dos serviços públicos, na articulação entre agências, na atuação dos servidores.
O que me incomodou no filme, afinal, foi o manifesto lido sobre o caixão de nosso personagem título. Seria lido na audiência de apelação para receber o seguro, mas não deu tempo. Ali faria todo o sentido, pois o manifesto ressalta a condição de cidadão, que luta para ser respeitado como tal. O momento e o tom da leitura, porém, convertem o cidadão em vítima. O Estado – sua ineficiência, insensibilidade, inadequação – é responsabilizado pela morte de Blake.
Me perguntei: se ele tivesse sido bem atendido, se os serviços fossem bem planejados e executados, se os servidores fossem mais gentis e flexíveis, se ele tivesse recebido o benefício sem chateações – não teria morrido? Ele sofreu um primeiro infarto por que seu trabalho era estressante e pesado e ele era oprimido? Não me pareceu. A impressão que tive é que ele gostava de seu trabalho e tinha uma boa relação com os colegas. Ele teria se recuperado bem se não tivesse os desgostos com a burocracia? Talvez, mas me parece improvável. Eu apostaria mais que sua recuperação e gosto pela vida na nova condição dependeria de ele permitir ser cuidado, de cultivar relações com amigos, familiares, organizações comunitárias, talvez até o sindicato, a igreja, enfim, viver novas experiências, outras possibilidades.
O Estado pode ajudar a promover uma boa vida, pode garantir certas condições a todos, facilitar mais do que atrapalhar a cidadania. Mas o Estado não pode nos garantir vida plena. Quem cuida de cada um de nós, quem nos permite uma vida melhor somos Eu-Nós, em múltiplas e dinâmicas relações, com Deus presente para quem o admite.
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* Nota: minhas impressões e argumentos estão relacionados a pesquisas, aulas, atividades e debates em nosso curso de administração pública e grupo de pesquisa e aos ensinamentos de parceiros e mestres ao longo da vida, neste caso especialmente José Francisco Salm e Francisco G. Heidemann, a quem sou sempre e muito grata. Agradeço também ao Carlos Nunes pelo diálogo e incentivo para publicar este texto.
Submissões de trabalhos para encontro da ISTR em Acra, Gana até 28 de Fevereiro
A 4a edição do Encontro Regional da International Society for Third-Sector Research, ISTR, na África, acontecerá de 21 a 23 de Junho de 2017, em Acra, Gana.