Reforma fiscal deixa de melhorar transparência de estados e municípios, por Fabiano Angélico

* publicado no Blog do Fernando Rodrigues, em 24.03.2016 (http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2016/03/24/reforma-fiscal-deixa-de-melhorar-transparencia-de-estados-e-municipios/)

Fabiano Angélico*
Uma das principais medidas da reforma fiscal, anunciada nesta 2ª (21.mar.2016) pelos ministros da Fazenda, Nelson Barbosa, e do Planejamento, Valdir Simão, é oauxílio aos Estados e ao Distrito Federal. O pacote prevê ajuda financeira aos governos estaduais – tal apoio está condicionado a contrapartidas, como a aprovação de leis estaduais de Responsabilidade Fiscal e o veto à concessão de renúncias fiscais. São propostas necessárias e interessantes.
Porém, medidas que poderiam melhorar a governança local, como a exigência de mais transparência, ficaram de fora. O aumento da transparência pública é essencial para que se possa verificar se os Estados estão gastando bem esses recursos adicionais anunciados pelo Governo Federal.
A ausência de mecanismos que exijam mais transparência dos governos estaduais certamente não decorre de desconhecimento do problema, pois até outro dia o atual chefe do Planejamento, Valdir Simão, comandava a Controladoria Geral da União (CGU), ministério responsável pelas políticas de transparência do Governo Federal e por medidas de estímulo a mais transparência nos Estados e Municípios.
Em novembro de 2015, Valdir Simão, ainda ministro-chefe da CGU, anunciava a 2ª edição da Escala Brasil Transparente, índice que mede o grau de transparência pública em Estados e municípios brasileiros quanto ao cumprimento às normas da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Naquela ocasião, a CGU anunciou que sete Estados tinham nota inferior a 5 (a escala vai de zero a 10: quanto mais transparente, maior a nota). Além disso, 4 Estados – incluindo aí uma unidade federativa com um dos maiores orçamentos do País (o Rio de Janeiro) – obtiveram nota entre 6 e 8:
UF Região Nota
Amapá Norte 0,00
Amazonas Norte 1,39
Sergipe Nordeste 2,08
Mato Grosso do Sul Centro-Oeste 2,50
Roraima Norte 2,50
Acre Norte 3,33
Rondônia Norte 4,44
Pernambuco Nordeste 6,67
Santa Catarina Sul 6,94
Rio de Janeiro Sudeste 7,08
Alagoas Nordeste 7,92
Ceará Nordeste 8,06
Rio Grande do Norte Nordeste 8,19
Piauí Nordeste 8,47
Mato Grosso Centro-Oeste 8,61
Paraíba Nordeste 8,75
Rio Grande do Sul Sul 8,89
Pará Norte 9,03
Paraná Sul 9,31
Bahia Nordeste 10,00
Distrito Federal Centro-Oeste 10,00
Espírito Santo Sudeste 10,00
Goiás Centro-Oeste 10,00
Maranhão Nordeste 10,00
Minas Gerais Sudeste 10,00
São Paulo Sudeste 10,00
Tocantins Norte 10,00
Fonte: CGU

Um levantamento semelhante, mas capitaneado pelo Ministério Público Federal, analisou, além do cumprimento à Lei de Acesso à Informação, o nível de transparência em relação a despesas e receitas. Também realizado no fim de 2015, o Mapa da Transparência apresentou resultados parecidos: Estados do Norte e Nordeste – além do Mato Grosso do Sul – com as mais baixas pontuações, e Estados com orçamento considerável, como o Rio de Janeiro, na metade inferior do ranking.
MUNICÍPIOS
Além da falta de incentivos a mais transparência por parte dos Estados, o plano de auxílio do Governo Federal poderia, ainda, estimular maior abertura dos municípios. Sabe-se que as cidades brasileiras dependem, em sua grande maioria, de repasses federais e estaduais. Assim, uma ajuda federal aos Estados poderia passar por um incentivo, por parte destes, ao aumento de transparência de seus municípios.
Além disso, uma das contrapartidas do plano de auxílio aos Estados é limitar o crescimento de despesas correntes à variação da inflação, com exceção das transferências aos municípios (ver página 8 da apresentação que se encontra no site oficial do Ministério da Fazenda). Uma vez que as transferências estaduais às cidades estão fora do controle de gastos, o governo federal poderia ter incluído uma exigência de mais transparência aos municípios.
É urgente a necessidade de se elevar o grau de transparência municipal. A já citada Escala Brasil Transparente, da CGU, indica que que 85% das cidades brasileiras (acima de 50 mil habitantes) têm grau baixíssimo de abertura: obtiveram nota zero ou 1 no levantamento.
Mesmo cidades médias e grandes, que tem orçamento razoável (e, portanto, recursos para contratar soluções), têm nota baixa. A tabela abaixo apresenta os 42 munícipios de mais de 200 mil habitantes que têm nota inferior a 5, segundo o Ministério Público Federal:
UF Município População Nota
AM Manaus 2.020.301 3.9
PE Jaboatão dos Guararapes 680.943 0
SP Ribeirão Preto 658.059 4.7
MG Uberlândia 654.681 4.6
MG Contagem 643.476 3
GO Aparecida de Goiânia 511.323 1.4
PA Ananindeua 499.776 3.3
RJ São João de Meriti 460.711 4.8
SP Mauá 448.776 4.3
AP Macapá 446.757 4.3
SP Itaquaquecetuba 348.739 4.7
PR Ponta Grossa 334.535 4.1
PE Paulista 319.769 0.7
MG Ribeirão das Neves 319.310 3.7
PR Cascavel 309.259 3.4
RJ Petrópolis 298.017 2.7
PR São José dos Pinhais 292.934 3.5
RN Mossoró 284.288 4.1
SP Taboão da Serra 268.321 1.1
TO Palmas 265.409 3.7
CE Juazeiro do Norte 263.704 2.2
PR Foz do Iguaçu 263.647 4.1
SP Sumaré 262.308 2.9
SP Barueri 259.555 4
SP Embu das Artes 259.053 4.4
MG Ipatinga 255.266 3.6
MA Imperatriz 252.320 0.4
RS Viamão 251.033 4.4
RJ Magé 233.634 0.4
MG Sete Lagoas 229.887 4.1
MG Divinópolis 228.643 3.1
SC São José 228.561 2.4
SP Americana 226.970 2.8
SP Itapevi 220.250 3.8
BA Itabuna 218.925 4.4
BA Juazeiro 216.588 4.1
MG Santa Luzia 214.830 4.1
SP Hortolândia 212.527 4.5
MT Rondonópolis 211.718 3.9
MS Dourados 210.218 3.1
SC Criciúma 204.667 0
RJ Cabo Frio 204.486 3.5
Fonte: levantamento do MPF
Diante deste quadro de baixa transparência nos estados e municípios, é de se lamentar que o Governo Federal perca a oportunidade de funcionar como indutor de aprimoramentos na governança local. Nos fóruns internacionais sobre transparência e governo aberto, o Governo Federal costuma apresentar seus estudos e levantamentos sobre transparência local (como a Escala Brasil Transparente) como evidência de seus esforços para estimular boas práticas.
De fato, tais iniciativas são positivas. No entanto, a exigência de transparência como contrapartida a transferência de recursos e outras bondades seria um mecanismo mais decisivo para o aprimoramento da governança em nível subnacional no Brasil.
(*) Fabiano Angélico. 39. jornalista. é mestre em Administração Pública (FGV-SP) e tem pós-graduação em Transparência. Accountability e Combate à Corrupção (Universidade do Chile). Pesquisador. consultor e conferencista. é autor do livro “Lei de Acesso a informação: Reforço ao Controle Democrático” e presta ou já prestou serviços a organizações como Banco Mundial. Transparency International. Global Integrity. Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong).