Acesso à informação e transparência: o desempenho de Florianópolis e as iniciativas cidadãs

Por Maria Eduarda da Silva Bernardo, Renato Luz e Thiago Guimarães*

Em tempos de pandemia, é preciso redobrar os cuidados acerca da destinação dos recursos públicos. Nos últimos meses, inúmeras notícias relacionadas às compras públicas assolaram os noticiários, seja por falta de planejamento ou despreparo, seja por indícios graves de corrupção. Diante desse cenário, como está a situação do município de Florianópolis diante da necessidade de oferecer transparência?

Antes de tudo, cabe conhecer um dos principais instrumentos utilizados por cidadãos, jornalistas e organizações da sociedade civil, a chamada “LAI”.

Lei de acesso à informação

A lei de acesso à informação, LAI (12.527/2011), é um dispositivo legal em vigência desde 16 de maio de 2012 para obrigar órgãos públicos da administração direta e indireta a publicizar seus dados. Isso torna a transparência a regra na gestão pública, abrindo possibilidade para poucas exceções para que se tenha sigilo em casos como: preservar a identidade dos cidadãos dentro de programas governamentais ou informações que possam atrapalhar negociações, a intergovernabilidade ou algum julgamento.

Além dessa lei federal que obriga todos os entes federativos a publicizar seus dados, cada ente da federação deve produzir suas próprias legislações especificando como se dá o acesso à informação pública e de que forma deve ocorrer. A LAI demanda que todos os entes federativos se adequem a um novo contexto, buscando uma administração pública mais transparente e abrindo a possibilidade para que haja não somente o controle por parte dos entes, mas que a população tenha informações suficientes para fiscalizar e cobrar representantes, para acessar serviços públicos e contribuir com a solução dos problemas.

É possível aferir que a LAI, além de buscar garantir a transparência nos órgãos da administração pública direta e indireta, facilitando o acesso à informação por parte de qualquer cidadão, contribui para  fomentar uma administração pública mais responsável, possibilitando a  accountability, envolvendo os cidadãos (de forma individual ou coletiva) para exercer pressão sobre seus representantes, visando a qualidade dos serviços, das políticas e dos gastos públicos e verificando a eficiência (ou ineficiência) do poder público.

Tratando sobre o município de Florianópolis/SC

Em Florianópolis, a regulamentação da LAI e  do direito de acesso à informação pelo cidadão na capital foi feita através do Decreto nr  9988/12, no qual o Executivo define que a responsável pela disponibilização das informações ao cidadão no âmbito da administração direta e indireta do Poder Executivo municipal é a  Secretaria Executiva de Controle Interno e Ouvidoria. A esta compete orientar, cobrar e fiscalizar a efetividade por parte dos órgãos públicos na prestação desse serviço. O Decreto diz como é feita a disponibilização e informa alguns termos para o entendimento da matéria legislativa como um todo – utilizando como base a legislação federal.

A lei municipal No 9447/14, por sua vez, define a obrigatoriedade do Portal da Transparência em Florianópolis, sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Administração (SMA), a quem cabe  mantivesse sítio eletrônico para mantê-lo sempre atualizado e em conformidade com a lei.

Para verificar a situação do município, abordaremos a avaliação Escala Brasil Transparente, EBT, uma metodologia de monitoramento da transparência de estados e municípios adotada pela Controladoria Geral da União – CGU, concentrada na transparência passiva, sendo realizadas solicitações reais para os entes. As notas resultantes do processo avaliativo são dadas através da realização de quatro pedidos de acesso à informação (via LAI) para Estados e municípios, sendo três destes pedidos voltados para assuntos das principais áreas sociais: saúde, educação e assistência social. A quarta solicitação de informação diz respeito à regulamentação do acesso à informação pelo ente avaliado, servindo como uma pergunta de segurança para a mensuração realizada sobre a existência do normativo local.

Entre os anos 2016 e 2017, Florianópolis obteve a nota 2,08, uma das mais baixas entre os municípios brasileiros. Fatores que contribuíram para esta nota foram: 1) falta de previsão para autoridades classificarem informações quanto  ao grau de sigilo; 2) falta da localização no site da prefeitura a indicação quanto à existência de um serviço presencial; 3) falta de localização no portal da prefeitura de alternativa de enviar pedidos e solicitações de forma eletrônica; 4) não há possibilidade de acompanhamento dos pedidos realizados; 5) pedidos realizados são geralmente respondidos fora do prazo e 6) pedidos realizado não respondidos em conformidade com o que foi solicitado.

Considerando o ano de 2020, ainda que Florianópolis tenha melhorado o seu score no ranking, atingindo a marca de 6,87 (Acesse aqui), o município permanece abaixo da média dos municípios catarinenses avaliados (pontuação de 7,6).  “O portal do Mapa Escala Brasil Transparente fornece um mapa interativo que retrata, através de uma escala de cores, a pontuação auferida dos municípios avaliados em seus respectivos estados.” Na figura 1, vê-se municípios de Santa Catarina conforme avaliação de 2018.

Figura 1: Escala Brasil Transparente em municípios de Santa Catarina

Fonte: CGU, 2020

A pontuação é o resultado da aplicação de dois questionários, que visam verificar a situação da transparência ativa e passiva dos municípios analisados. Em relação à transparência ativa, quando os dados são disponibilizados sem que sejam expressamente solicitados, o relatório aponta para a falta da divulgação, por parte do município, de relatórios estatísticos que constem o número de pedidos de lei de acesso à informação (recebidos, atendidos ou indeferidos). A falta de relação das bases de dados abertos do município também foi apontada pelo relatório. Referente à transparência passiva, que ocorre em resposta a solicitações de informação (por não ter sido publicizada ou não estar completa) por indivíduos ou coletivos, por meio de  Serviços de Informação ao Cidadão (SIC), o relatório indica, justamente, a ausência de um SIC presencial, impossibilitando a entrega de um pedido de forma presencial.

Uma das ações de destaque que visam melhorar a transparência do município é a criação da Comissão Parlamentar Especial pela Transparência, CPE, na Administração Pública de Florianópolis, com a finalidade de analisar diversos aspectos da transparência da cidade, entre eles a adequação à LAI, ações voltadas para a transparência das compras públicas e estratégias para melhorar a interlocução junto à sociedade civil. O trabalho da Comissão é fruto de cooperação entre a Câmara de Vereadores, agentes públicos (em especial, agentes de controle e universidade) e organizações da sociedade civil.

Entre as iniciativas de promoção da transparência da sociedade civil, pode-se citar o Observatório Social do Brasil, que integra uma rede de organizações que visam promover a transparência e o controle social dos gastos públicos, por meio da participação de cidadãos que se voluntariam para fiscalizar o serviço público. Além de participar dos trabalhos realizados na CPE, o Observatório Social de Florianópolis faz parte de uma iniciativa de enfrentamento ao desvio de recursos públicos em tempos de pandemia, chamada Força Tarefa Cidadã, resultado da articulação de uma rede de atores que se comunicação para a verificação de indícios de má gestão no serviço público.

As ações da Força Tarefa Cidadã são pautadas em três eixos, que são Monitoramento, Transparência e Ação Integrada. Entre as referências para o trabalho, está uma cartilha elaborada pela Transparência Internacional-Brasil e o Tribunal de Contas da União, para auxiliar a sociedade na verificação da transparência nas contratações emergenciais  em resposta à Covid-19.

Uma das organizações participantes dessa ação é a OSB-Santa Catarina, que por sua vez mobiliza os observatórios municipais em uma ação integrada no âmbito da Rede de Controle da Gestão Pública em Santa Catarina, para a verificação dos padrões de transparência do estado. Um dos resultados desse esforço coletivo é a produção de um mapa (Figura 2) que aponta os municípios catarinense que apresentam problemas no que tange à transparência, a partir de um processo avaliativo comum a todas as organizações da Rede, que avaliou os portais dos 295 municípios do estado sobre contratações emergenciais do Covid-19.

Figura 2: Mapa Transparência Municipal Covid-19 em Santa Catarina

Fonte: Rede de Controle da Gestão Pública de Santa Catarina, 2020

Segundo o relatório apresentado pelo Observatório, acerca da avaliação da transparência dos municípios catarinense em relação à Covid-19, Florianópolis está classificada como “Parcialmente Cumprido”, o que corresponde a cerca de 33% dos municípios catarinenses.  Verifica-se a aplicação de diversos roteiros avaliativos que procuram verificar a qualidade da informação prestada nos portais, as informações disponibilizadas sobre compras públicas, avaliando-se editais licitatórios, além das informações sobre dispensa/inelegibilidade, contratos, pagamentos e empenhos.

Ante o exposto, nota-se a importância dessas avaliações no estímulo à transparência no município de Florianópolis. A leitura do desempenho da administração pública, de forma sistematizada e padronizada, possibilita a comparação entre municípios, facilitando o entendimento do cidadão e trazendo referências para promover respostas mais ágeis e adequadas. Os resultados publicados, quando realizados por organizações reconhecidas e de credibilidade, exercem influência política sobre os seus gestores. Rankings abrangentes oferecem resultados mais isentos, na medida em que são igualmente aplicados a entes pares. Quando acompanhados de uma metodologia clara, transformam-se em roteiros que oferece um norte para a identificação de oportunidades de melhorias. 

Além dessas iniciativas, a própria administração pública pode utilizar ferramentas de gestão para implantar sistemas mais robustos de transparência, buscando referências em prefeituras e Estados que possuem avaliações positivas de órgãos de controle social com relação ao acesso à informação. São pequenas ações que podem garantir grandes frutos no futuro com relação ao controle e à confiança social. Aos cidadãos, cabe pressionar e colaborar para que isso seja prioridade dos agentes públicos.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Maria Eduarda da Silva Bernardo, Renato Luz e Thiago Guimarães, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

Referências

Lei de Acesso à Informação: transparência ao seu alcance. Instituto Politize. Disponível em <https://www.politize.com.br/lei-de-acesso-a-informacao-transparencia-ao-seu-alcance/>. Acesso em: 10 jul. de 2020

O que é Accountability e como fortalece a democracia? Disponível em <https://www.clp.org.br/o-que-e-accountability/> Acesso em: 12 jul. de 2020

Lei de Acesso à Informação – A informação é direito de todos. Disponível em <https://www.novo.justica.gov.br/news/lei-de-acesso-a-informacao-a-informacao-e-direito-de-todos#:~:text=Outro%20importante%20aspecto%20da%20lei,a%20segunda%2C%20refere%2Dse%20%C3%A0> Acesso em: 12 jul. de 2020

BRASIL, LEI No 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm> Acesso em: 15 jul. de 2020

Transparência dos portais dos municípios. Disponível em <http://sites.google.com/view/transparenciacovidsc> Acesso em: 20 jul. de 2020

BERNERS-LEE, Tim. 5 star data, 2012. Página Inicial. Disponível em <https://5stardata.info/pt-BR/> Acesso em: 14 set. de 2020