* Texto elaborado por Nicolas Rufino dos Santos
O ato de acolhimento de uma das denúncias por crime de responsabilidade da Presidente Dilma Rousseff, realizado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, desencadeou a abertura do processo de impeachment da Presidente da República e abriu um leque de possibilidades a respeito da explicação de diversos temas:
a) O Legislativo enquanto instrumento de controle da Administração Pública;
b) A concretização da Accountability na Administração Pública Tradicional (APT);
c) A eficiência das instituições brasileiras na atualidade.
a) Primeiramente, é preciso ressaltar que nossa carta política promulgada em 1988 foi diretamente responsável por prever e empoderar órgãos e mecanismos de controle e participação comunitária na gestão das políticas públicas, além de manter mecanismos clássicos, sendo um deles o próprio Legislativo. O Poder Legislativo desenvolve um papel fundamental no controle da Administração Pública, desdobrando-se em duas frentes: o controle político e o controle orçamentário e financeiro. O primeiro está sendo exercido na atualidade, uma vez que existe participação direta da Câmara dos Deputados e o Senado Federal no controle de atos da Chefe do Poder Executivo Federal. Trata-se de um mecanismo de controle no qual um Poder exerce sobre o outro, concretizando o elemento principal do princípio da Tripartição de Poderes proposta por Montesquieu: os “checks and balances” (ou “sistema de freios e contrapesos”).
Este ato representa uma abordagem formal/legal de Accountability, uma vez que consiste num conjunto de regras no qual definem quais atores participarão, quais os instrumentos de controle que serão utilizados, como se dará divulgação das informações, os procedimentos internos, além de sua avaliação e auditoria. Trata-se de um controle focado no próprio sistema de freios e contrapesos (checks and balances). Além disso, tal conjunto de atos que permeiam o Impeachment consiste em um controle de cunho institucional, protagonizado pelo Poder Legislativo, realizados durante o mandato, sendo um dos principais – mas não únicos – instrumentos para a concretização da Accountability.
b) O mecanismo utilizado no contexto sociopolítico atual é a Accountability na Administração Pública Tradicional, proposta por Rocha (2011), sendo um modelo predominante em organizações públicas que apresentam a burocracia como modelo administrativo central. Trata-se da accountability fundamentada na ideia de “uma visão hierárquica, formal e jurídica da gestão pública” (ROCHA, 2011). É possível enxergar, no processo de Impeachment, um conjunto de atos legislativos focados no controle do próprio Executivo, por meio de um modelo de accountability tradicional, focada no controle padrão e, de acordo com Denhardt & Denhardt (2007, citado por ROCHA, 2011), “restritos à verificação da conformidade das despesas públicas que determinada a atuação da maioria dos órgãos de controle, pois representa ainda hoje, a visão mais comumente associada à accountability e à responsabilização dos agentes públicos.” Significa dizer que este conjunto de atos legislativos concretiza o próprio conceito-base de accountability, sendo definida como “como a responsabilização permanente dos gestores públicos em razão dos atos praticados em decorrência do uso do poder que lhes é outorgado pela sociedade” (Rocha, 2008, p. 3),
c) Uma das discussões pertinentes ao atual contexto sociopolítico brasileiro está na eficiência ou não das instituições brasileiras, visto os inúmeros casos de corrupção que impressionam toda a população diariamente. É de se ressaltar que um dos elementos que fortalecem as relações sociais entre cidadãos e governantes – a confiança -, é praticamente inexistente em determinadas instituições, um fenômeno já conhecido na história do Brasil. De acordo com o
Índice de Confiança Social de 2015, pesquisa feita pelo Ibope, dentre as instituições mais confiáveis pelos brasileiros, estão:
1º – Corpo de Bombeiros
2º – Igrejas
3º – Forças Armadas
4º – Meios de Comunicação
As menos confiáveis são:
1º – Partidos Políticos
2º – Congresso Nacional
3º – Presidente da República
4º – Governo Federal
Perceba-se que, dentre as quatro instituições mais confiáveis pelos brasileiros, três são de cunho de controle (Corpo de Bombeiros, Forças Armadas e Meios de Comunicação/ Mídia). Por outro lado, as instituições menos confiáveis pelos brasileiros são as responsáveis pela elaboração e formulação das políticas públicas que fornecerão as diretrizes para o país para os próximos quatro anos. Além disso, é possível notar, coincidentemente, que as instituições mais eficientes em seus papéis atualmente são as próprias instituições de controle, tais como a mídia – fornecendo e publicizando informações pertinentes acerca do contexto sociopolítico brasileiro à população -, o Ministério Público e a Polícia Federal, sendo esses dois os órgãos responsáveis pela maior investigação sobre corrupção conduzida até hoje na história do Brasil: a Operação Lava Jato. Isso não nos permite concluir que há relação direta entre confiança e eficiência nas organizações públicas brasileiras, mas há uma tendência interessante.
Embora a participação social ininterrupta nos negócios do Estado seja praticamente nula atualmente, a noção de engajamento cívico para o alcance da eficiência na provisão dos serviços públicos está em sua fase inicial no contexto sociopolítico brasileiro, e há fortes indícios de um horizonte otimista para o país, desde que a noção de accountability se torne contínua, e não uma exceção no cotidiano da Administração Pública. Essa possibilidade depende de três condições, ambas propostas por Campos (1990): a o
rganização dos cidadãos para exercer o controle político do governo; a descentralização e transparência do aparato governamental e a substituição dos valores tradicionais por valores sociais emergentes.
Referências Bibliográficas:
ROCHA, Arlindo Carvalho. Accountability na administração pública: modelos teóricos e abordagens. Contabilidade, Gestão e Governança. Brasília, v. 14, n. 2, p. 82-97, mai./ago. 2011. Disponível em: http://www.cgg-amg.unb.br/index.php/contabil/article/view/314/pdf_162
CAMPOS, Ana Maria. Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o português? Revista da Administração Pública. 24 (2), 30-50, fev./abr. 1990.
* Texto elaborado por Nicolas Rufino dos Santos, estudante de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas – Udesc/Esag e ex-Bolsista de Iniciação Científica do Grupo de Pesquisa Politeia – Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão.