Por Florencia Guerzovich e Paula Chies Schommer
(*an English version is available here).
Uma história do Rio de Janeiro: a conscientização dos cidadãos por diferentes meios
Em novembro de 2018, o governador do Rio de Janeiro Luis A. Pezão foi preso sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. O fato é um lembrete de que os desdobramentos da Lava Jato ainda estão em curso, em meio a um processo que combina elementos políticos, técnicos e legais buscando a continuidade de seus resultados.
O caso do governador Pezão mostra também que os detentores de poder ainda estão buscando manter o status quo:
- Pezão é acusado de manter a organização criminosa antes liderada por seu antecessor, Sérgio Cabral, o que inclui o pagamento de propina para servidores públicos que ocupam cargos em órgãos de controle, entre outros ilícitos. Conforme observa o professor Mauricio Santoro: cada um dos governadores eleitos entre 1998 e 2014, cada um dos presidentes da Assembleia Legislativa entre 1995 e 2017, 10 dos 70 legisladores do estado, 5 dos 6 conselheiros do Tribunal de Contas e da Procuradoria Geral do Estado já estiveram ou ainda estão presos. A maioria deles do mesmo partido, o MDB.
- Em 2017, o presidente do Brasil, Michel Temer (MDB), concedeu indulto de Natal que livraria vários de seus aliados da cadeia (um instrumento usado em outros contextos com propósitos similares). O Supremo Tribunal Federal estava justamente discutindo a constitucionalidade desse indulto no dia em que Pezão foi preso.
Dois anos antes, uma de nós morava no Rio de Janeiro e estava na cidade no dia em que o governador do estado Sérgio Cabral (MDB) foi preso (ele segue preso e foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção várias vezes desde então). Naquela manhã de 2016, em um ônibus urbano, o motorista buzinava e gritava para os pedestres: Cabral está preso! O motorista também comentava sobre a péssima situação dos serviços públicos e da segurança no estado. A situação fiscal do Rio de Janeiro era realmente terrível, como se pode poder ver no gráfico a seguir, na comparação com outros estados brasileiros, também em dificuldades.
Na mesma manhã, em uma academia na cidade do Rio, em típico espírito carioca, a música era alta e animada, enquanto um grupo de aposentados celebrava e comentava sobre a prisão de Cabral. Eles também falavam sobre a falta de recursos básicos, como papel e combustível, para a polícia trabalhar na segurança pública, a crise na educação e a falta de medicamentos no sistema pública de saúde. Na previsão de @shannongsims, a cena se repetiria três anos depois.
Um cenário de “sonhos” para ativistas do combate à corrupção: o povo nas ruas fazendo relação entre a corrupção e suas vidas cotidianas. Ouvimos brasileiros comentando as notícias do Rio em ruas e praias de João Pessoa, no Nordeste do Brasil, e em Florianópolis, no Sul. Nenhuma campanha específica de advocacy foi necessária para que essas conversas ocorressem. Ou pelo menos não da maneira tradicional como são conduzidas campanhas desse tipo por organizações da sociedade civil. Em diferentes localidades no Brasil, a sociedade civil já vinha convertendo sua indignação em diferentes formas de ação – desde manifestações contra a corrupção até iniciativas mais articuladas de accountability social.
O papel do judiciário na comunicação dos fatores que favorecem a corrupção e seus efeitos
Se as pessoas não percebem por meio de campanhas que a corrupção afeta suas vidas e provoca mortes, juízes e promotores fazem constantemente a ligação entre a crise fiscal do estado, os problemas na entrega de serviços públicos e os casos e sistemas de corrupção sob investigação. A ligação causal entre corrupção e o interesse público aparece em documentos judiciais e é reforçada em entrevistas para a imprensa e nas mídias sociais. O principal promotor da Lava Jato argumentou que “a corrupção é uma assassina sorrateira, invisível e de massa. Ela é uma serial killer que se disfarça de buracos em estradas, falta de medicamentos, crimes de rua e pobreza”. O juiz da Lava Jato no estado do Rio de Janeiro disse que a “corrupção é a principal causa do estado de calamidade do estado (em função da crise fiscal no Rio).”
O Juiz da Suprema Corte Luis Alberto Barroso argumentou contra o indulto concedido por Temer dizendo que a corrupção é um “crime violento”. “Corrupção mata. Mata na fila do SUS, na falta de leitos, na falta de medicamentos. Mata nas estradas que não tem manutenção adequada.” “A corrupção destrói vidas que não são adequadamente educadas pela falta de escolas”. Usando linguagem do desenvolvimento, pode-se observar que Barroso fez a conexão entre corrupção e capital humano (#investinpeople). Ele se dirigia a seus colegas na Corte, a promotores que tem avançado no combate à corrupção em meio a dificuldades, e à sociedade que vem dando apoio às mudanças relativas ao combate à corrupção.
No plenário do STF, em fala transmitida ao vivo em redes nacionais de TV e internet, e multiplicada em mídias sociais e tradicionais milhares de vezes, Barroso mencionou que alguns grupos talvez não estivessem dispostos a ouvir sua mensagem: a) parte dos progressistas brasileiros que pensam que os fins justificam os meios e que a corrupção é apenas uma nota de rodapé na história do Brasil; b) parte dos conservadores que pensam não tem problema quando a corrupção é praticada por um de seus colegas; c) aqueles que não querem ser punidos, os que não querem ser honestos ou que não haja avanços, preferindo que tudo permaneça como sempre foi. Conforme observou Roberto Gargarella, um acadêmico da área de direito constitucional, para além de seus efeitos diretos, a Lava Jato está gerando uma oportunidade sem precedentes para comunicar e promover o reconhecimento público dos mecanismos que permeiam a vida pública. De fato, observamos que nos últimos anos, no Brasil, os operadores do sistema judiciário tem mudado suas práticas de comunicação nesse sentido.
Ainda sabemos pouco sobre o que mobiliza as pessoas contra a corrupção, uma vez que elas percebam como as coisas funcionam. Em artigo a ser publicado em breve, Francis Fukuyama e Francesca Recanatini argumentam que as iniciativas anticorrupção de um modo geral focalizadas na medição de diversos indicadores falharam. A corrupção é um fenômeno essencialmente político – o que constitui um desafio para os operadores do judiciário que precisam ser e parecer que são não partidários no jogo. As campanhas de advocacy anticorrupção muitas vezes são elaboradas sem saber muito bem se os pressupostos que fazem são relevantes, muito ambiciosos ou contraproducentes.
Quatro avalições que desafiam os grupos que trabalham contra a corrupção a repensar suas estratégias
Um conjunto de avaliações do trabalho de advocacy da Transparency International, TI, em diferentes contextos argumenta que os grupos da sociedade civil também precisam desenvolver novos tipos de campanhas, uma vez que os cidadãos em geral e as elites estão (cada vez mais) conscientes sobre os efeitos da corrupção. Uma avaliação da “Unmask the Corrupt Campaign” concluiu que a campanha foi capaz de promover expectativas de ação e resultados (justiça) com rapidez. Entretanto, não foi capaz de atender a essas expectativas, o que levou a campanha a gerar desilusão e desengajamento, afinal.
Flores e co-autores apresentam “um modelo em três níveis que considera fatores micro, meso e macro que afetam a tomada de decisão individual, incluindo a sequência de passos que os indivíduos seguem para processar informação e, subsequentemente, avaliar e reavaliar se farão algo ou não para buscar enfrentar a corrupção”. Eles argumentam que esse modelo pode ajudar atores em cada país a experimentar, refletir e adaptar suas estratégias para estimular o engajamento cidadão, de modo sistemático; aos atores que atuam no cenário internacional, o modelo pode contribuir para apoiar esses processos de modo mais adequado. Para Flores e seus colegas, ativistas que trabalham em contextos repletos de desilusão enfrentam uma batalha diferente, mais difícil do que aqueles que atuam em contextos de apatia ou otimismo.
Uma avaliação de 2018 da TI’s global advocacy argumenta que “cabe celebrar o sucesso no estabelecimento de agendas, compromissos e instituições anticorrupção. Ao mesmo tempo, é importante considerar questões relativas ao progresso coletivo e os pressupostos que guiam o trabalho anticorrupção, considerando a continuidade da extensão da corrupção e sua impunidade … é tempo de reorientação em torno de um pequeno grupo de prioridades globais de advocacy em torno das quais o Movimento possa fazer uma pressão sustentada para a mudança. Isso dependerá de abordagens de advocacy mais afiadas e de avanços em direção a estratégias mais efetivas em termos de equipes e recursos.”
Em 2012, uma avaliação do trabalho de advocacy da TI na América Latina chegou a um diagnóstico e a uma prescrição similares: “o ambiente de elaboração de políticas públicas anticorrupção na região mudou em um ritmo mais rápido do que as campanhas da sociedade civil. No início dos 1990, os ativistas eram capazes de falar em um vácuo de políticas públicas na arena anticorrupção … nos anos 2000, ilhas baseadas em projetos de integridade produziram alguns resultados adicionais … os anos 2010 mostram um desafio diferente.” A essência desse desafio está no foco estratégico em esforços colaborativos envolvendo diversos stakeholders em torno de mudanças políticas concretas e efetivas que se ajustem e transformem os sistemas anticorrupção na região.
Como promover campanhas que considerem os aposentados do Rio de Janeiro, as batalhas judiciais em Brasília e o que estamos aprendendo coletivamente enquanto campo?
Uma oportunidade para aprender sobre a próxima geração de práticas de advocacy
A Transparência Internacional no Brasil, TI-Brasil, vem seguindo essas pistas. Em 2018, a organização lançou, em parceria com a FGV Direito, uma campanha inovadora, focalizando a ação política voltada a cidadãos e elites cientes das consequências negativas da corrupção: a campanha Unidos contra a Corrupção – 70 novas medidas contra a corrupção.
Entre Janeiro e Fevereiro de 2019, conduziremos um exercício reflexivo com a TI-Brasil para aprender mais sobre as decisões, dilemas, oportunidades, desafios e lições a partir dessa articulação de um amplo conjunto de atores em torno de uma campanha contra a corrupção, em um contexto de polarização política. O objetivo é prover inspiração e insumo para a reflexão de grupos no Brasil que desejem realizar iniciativas similares às 70 Medidas em seus estados e municípios. O trabalho pode interessar também a grupos em outros países que desejem inspirar-se na campanha e adaptar algumas de suas estratégias em suas próprias realidades – o que responde ao apetite demonstrado em dois recentes eventos em Washington (detalhes aqui e aqui).
Se você é parte de um desses grupos: O que você gostaria de saber sobre a construção de uma nova geração de advocacy anticorrupção? Quais aspectos do design, da implementação e da avaliação dessa nova geração de campanhas anticorrupção lhe tiram o sono?! Envie-nos suas questões e comentários twitting @guerzovich & @ChiesSchommer com a hashtag #nextgenACadvocacy.